A crise na visão de Delfim Netto e do PCdoB

Na semana que passou, Antonio Delfim Netto publicou o artigo Garantia legal, abordando a atual crise capitalista. Dias antes, Renato Rabelo fez uma intervenção sobre o mesmo assunto. As visões de mundo opostas dos dois analistas ficaram bastante evidenciadas.

Delfim escreveu que o capitalismo “é sujeito a crises porque: 1º) O próprio comportamento do homem oscila entre o entusiasmo e a depressão e 2º) As ‘respostas’ do sistema produtivo (variações da oferta) aos estímulos da demanda são, simultaneamente, condicionadas pelas incertezas do futuro opaco e pela natureza do avanço da tecnologia”.

O presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Renato Rabelo, fez um informe ao Comitê Central, que o incorporou ao documento do encontro, afirmando: “Esta crise acelera o já constatado declínio progressivo e relativo da hegemonia do imperialismo estadunidense, enquanto cresce o papel da República Popular da China – país socialista – pela pujança da sua economia (o 2º. maior PIB do mundo: 5 trilhões e 700 bilhões de dólares, acima do Japão) e sua ascendente influência geopolítica”. E, mais adiante: “Para compreender o essencial desta grande crise lançamos mão também de outras categorias: a luta de classes na fase atual da vida do capitalismo, e do conceito de que a economia é, em verdade, Economia Política. Os ultraliberais responsáveis pela crise continuam à frente do comando político de grandes potências. O neoliberalismo, embora desmoralizado pelo fracasso, recrudesceu no centro capitalista”.
 

Duas abordagens sobre a mesma crise, duas visões distintas, de classe, do momento econômico. Delfim é um economista conceituado, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento (todos os cargos, durante a ditadura militar), professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e professor titular de análise macroeconômica. No entanto, vê como primeiro fator de uma crise capitalista a oscilação humana “entre o entusiasmo e a depressão”. E, no segundo fator, adjetiva o futuro (“opaco”, na sua opinião) e fica preso ao “deus mercado” (relação entre oferta e demanda) e ao avanço tecnológico. Nada de contradição entre modo e relação de produção. Nada de antagonismo entre a produção social e a apropriação privada. Nenhuma possibilidade de o avanço tecnológico converter-se em elevação do padrão de vida da comunidade e redução da jornada de trabalho. Embora filho de trabalhadores e apesar de ter começado sua vida profissional como contínuo (hoje chamado Office-boy) numa fábrica de sabonetes, ele se impregnou da ideologia burguesa e com ela faz suas análises. Como escreveu Marx no terceiro volume d´O Capital, “a economia vulgar se limita a interpretar, a sistematizar e a pregar doutrinariamente as ideias dos agentes do capital, prisioneiros das relações de produção burguesa”.
 

Diferente é a postura dos que se colocam sob a visão do mundo dos proletários, que, ao analisar o capitalismo, o fazem tendo por perspectiva, não o “futuro opaco”, mas a luta por uma nova sociedade que o substitua, como fez o presidente do PCdoB. Trata-se de uma indicação dada por Lênin, o líder da revolução socialista na Rússia de 1917, que, em Materialismo e empiriocriticismo, referiu-se aos economistas e pensadores burgueses como “caixeiros viajantes” dos capitalistas e disse ser tarefa dos marxistas “saber assimilar e reelaborar as aquisições destes ‘caixeiros’ (por exemplo, não dareis um passo no domínio do estudo dos novos fenômenos econômicos sem utilizar os trabalhos destes caixeiros) e saber cortar-lhes a tendência reacionária, saber aplicar a nossa própria linha e combater toda a linha das forças e classes que nos são hostis”.
 

Daí os comunistas acompanharem as análises dos economistas que são ideólogos e, até, sicofantas do capital, como os classificou Marx no primeiro volume d´O Capital, mas não verem na crise do sistema um problema de humor ou temperamento, e sim uma questão da essência deste tipo de sociedade dividida em classes exploradas e exploradoras. Como afirmou Renato Rabelo, insere-se “na concepção marxista acerca das crises do capitalismo, para nossa compreensão da situação atual, que as crises fazem parte dos ciclos do capital e, independentemente de suas intensidades, o capitalismo não se destrói por si mesmo. Se não for confrontado por alternativas distintas — que inaugurem um novo ciclo político e econômico, que levem a rupturas do sistema — ele encontra sempre saídas, embora provocando maiores desastres econômicos, sociais e políticos, para prosseguir com seu processo de expansão. A profundidade da crise é o fator objetivo, imprescindível à mudança radical, revolucionária. Mas se o fator subjetivo mudancista ou revolucionário, que é decisivo, não atua no sentido de nova condução, de novo ciclo, não haverá mudança nem revolução”.
 

A crise está aí. Decisivo, no entanto, o fator subjetivo, a luta dos trabalhadores no campo econômico, político e ideológico. Luta que ganha maior potência se unida e organizada.
 

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