A Árvore da Vida: Chave sem enigma

Criacionismo e evolucionismo numa perspectiva inovadora movem o filme do diretor estadunidense Terrence Malick

       Há forte simbiose entre a sequência evolucionista do dinossauro subjugando o outro e o autoritarismo com que O´Brien (Brad Pitt) trata seus filhos em “A Árvore da Vida”, do estadunidense Terrence Malick. Este paralelismo entre o documental darwinista e o ficcional criacionista predomina em todo o filme, rompendo a forma como o cinema trata a criação do mundo, o surgimento das espécies e, portanto, do próprio homem. Normalmente predomina o paradisíaco, como no hollywoodiano “A Bíblia”, de John Houston. Apropriação mercadológica que falseia o contido no Livro “Gênesis” e nos demais livros bíblicos.

        Malick subverte esta apropriação que reforça o criacionismo, importante pilar da superestrutura burguesa. Usa o evolucionismo para traçar um paralelo entre o surgimento das espécies e o comportamento do homem moderno. O faz através do longo flashback de Jack adulto (Sean Penn), chorando a morte do irmão na guerra. Daí surge o conceito darwinista: ” (…) o homem e todos os outros vertebrados foram estrutura(do)s no mesmo modelo geral a fim de que os mesmos pudessem passar pelos mesmos estágios primitivos de desenvolvimento e para que conservassem certos fatores rudimentares em comum (1)”.

       São impactantes as imagens do óvulo se desenvolvendo no útero da mãe, nascendo e se desenvolvendo nas águas, e deixando-as para viver na terra. É a maneira como Jack vê o pai O´Brien que permite a simbiose do homem com outras raças. E permite a Malick, formado em Filosofia, usar a danação do homem, contida no Livro de Jó: “3 Pereça o dia em que nasci,/e a noite em que se disse: Foi concebido um homem (2)”. Uma maldição que Jack deseja ao pai que o tratou e a mãe e aos irmãos com autoritarismo, seguindo as regras da sociedade burguesa.

     É de se notar que Malick de origem sírio-libanesa tenha centrado o filme no comportamento católico da família de Jack. Uma escolha adversa do cinema estadunidense que, normalmente, centra suas narrativas no protestantismo. Esta escolha é que lhe permite traçar o paralelo entre o criacionismo e o evolucionismo, num momento de forte ataque ao estudo deste último nas escolas de seu país. Trata-se, assim, de mostrar o quanto de primata, de barbárie, o homem conserva em seu trato familiar e não só nele. O jovem Jack, por sua natureza rebelde, é o que mais sofre, acabando por insurgir-se contra o pai.

Visão de Darwin
é predominante

     Este interregno freudiano, da figura predominante do pai, é vista por Malick sob a luz do catolicismo, das punições, da submissão da mulher, a srª O´Brien (Jessica Chastain), ao marido. Jack percebe tudo isto. O pai, engenheiro, oficial da aeronáutica, diretor de empresas, procura disciplinar os filhos, impregnando-os do dever, da obediência cega. Quer deste modo torná-los entes do capitalismo, da competição, seu espelho, enfim. A srª O´Brien é tão só a reprodutora, a servil que os educa segundo suas orientações. Até que também se rebela, sendo acusada de “ter voltando os filhos contra ele”, mas não recua. Ela cativa-os pelo afeto, a compreensão, a paciência. Por isto é amada por eles.

    Aos poucos, a formação criacionista do srº O´Brien desmorona. Não que tivesse perdido a fé. Mas é porque compreende como o sistema capitalista funciona e ele clama pela maldição. ”8 Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam o dia,/ e os que estão prontos para suscitar o leviatã (3)”. Assim o exige o mercado. A empresa à qual dedicou sua vida impõe-lhe aceitar redução salarial ou perder o emprego e, portanto, o status de classe média. Então, percebe o quanto foi em vão seguir as normas do catolicismo e da sociedade burguesa. Volta-se então para os filhos e a mulher, que não mais aceitam sua autoridade. E o darwinismo social se impõe.

    Mas sua danação é a lição que o capital impõe aos trabalhadores manuais e intelectuais. Suas posições na estrutura de classe não são permanentes, são móveis. Dependem dos governos, dos capitalistas e do mercado. Qualquer mudança nestas esferas, sua posição é ameaçada. Haja vista a crise dos setores financeiros nos EUA e na Europa. Muitos deles perderam o status. A mobilidade, portanto, não é estável. Não dá para rogar a Deus. São as normas do capitalismo que imperam. A estabilidade só existe para o capital, eles sempre serão submetidos às suas oscilações, a menos que se revoltem.

     Para Jack foram as crenças do pai que o levaram às escolhas erradas, inclusive a morte do filho, como soldado, aos 19 anos. O ciclo se fecha. Malick em planos-sequência coloca-o e aos irmãos, o pai e a mãe junto aos familiares e outras pessoas numa praia. Numa alusão ao retorno à “mãe-água”, o útero que os gerou, longe da sociedade que ele, o homem, criou. “É somente prevenção nossa natural bem como aquela arrogância que fez com que os nossos primeiros pais declarassem que descendiam de semideuses, o que nos leva a hesitar nesta conclusão (4)”. Não há como discordar de Darwin.

A Árvore da Vida” (“The Tree of Life”). Drama. 2011. EUA. 138 minutos.  Roteiro/direção: Terrence Malick. Fotografia: Emmanuel Lubezki. Elenco: Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain.

(*) Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2001

(1)Darwin, Charles, A Origem do Homem e a Seleção Sexual, Hemus, 1974, pág. 38; (4) Idem, idem, idem, idem;

(2) Bíblia Sagrada, Livro de Jó, Edições Paulinas, 1976, pág.581, (3)  idem, idem, idem, idem.

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