Então você quer ser escritor?

 

Plagiado, carinhosamente, do título da mais recente obra de Miguel Sanches Neto, o título deste artigo quer sugerir que nos embrenhemos a responder uma pergunta que raramente é feita por alguém que sonhe ser escritor. Estamos falando aqui daquele ser, geralmente um leitor, insatisfeito com seu meio, que se julga criativo e observador do cotidiano e que quer fazer literatura, aquela de ficção ou poesia. Afinal o que é este ofício? Como e do que vive este ser em um país de tão poucos leitores?

Esta indagação ganha novos ingredientes cada vez que presencio uma palestra com algum autor e comprovo que dez entre dez nomes da nossa literatura, que se propõem a palestrear pelo país afora, falam do seu processo criativo e dão dicas da serventia da literatura, além de desanimarem a plateia presente com histórias sobre as dificuldades e a solidão da vida de escritor.

As táticas são as mais variadas possíveis, mas integram um bom repertório. Alcione Araújo dá uma utilidade para a ficção, Cristovão Tezza sustenta que ninguém quer contratar um escritor, Antônio Torres desloca a plateia do eixo da terra com suas declarações de amor à palavra escrita. Há muitos outros e outras, todos muito bons, dedicados e apaixonados. E cito só alguns dos mais bem sucedidos autores nacionais da literatura contemporânea. Você pode escolher seu palestrante preferido.

Uma das falas que mais me alertou para as dificuldades do ofício de escritor foi uma de Ignácio Loyola Brandão, dias atrás em Foz do Iguaçu. Ele garantiu que chegou a reescrever 38 vezes o final de um conto, até achar a entonação que ele considerava ideal. Já lera vários artigos sobre a depuração do texto, a necessidade de revisá-lo diversas vezes, como o mais conhecido de Graciliano Ramos: deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes…, mas a declaração de Loyola Brandão, talvez por ser oral e por estar ali vendo o sujeito contar aquela história, me fez perguntar: como um novo autor conseguirá este nível de perfeição?

O sujeito, na vida moderna, embrutecida pela disputa de espaço nesta sociedade capitalista selvagem, tem que estudar, ler, trabalhar em um ou dois lugares… Como se dedicar ao ofício de escritor e sobreviver?

Peguei meu Prosa de Estrada, coletânea de contos escritos nos últimos seis anos (lançado neste final de semana), revisando-os quantas vezes eu pude, contando com a ajuda de alguns amigos: Izaura, Gabriela e Emerson, leitores, revisores e conselheiros. Mesmo assim, na melhor das hipóteses cheguei a dez releituras de cada texto, os mais complexos. Olho para eles, depois de impressos e o livro lançado, e vejo, cheio de culpa, que em boa parte ainda poderiam ter sido melhores resolvidos em vários aspectos e detalhes.

Será que o ofício de escritor é para quem tem mais paciência ou é para quem tem mais tempo ou oportunidade para se dedicar a arte? Os atarefados devem ser excluídos ou devem optar? Um escritor de ocasião jamais produzirá trabalhos com a qualidade que exige a literatura?

Veja que estamos tratando apenas de uma faceta do ofício do escritor: a tarefa de depurar um texto, que só depende do indivíduo, do seu talento, da sua paciência, de sua serenidade, de suas escolhas, de seus anseios, de sua criatividade ou capacidade de análise de seus próprios textos.

Este artigo poderia citar outras nuances, como a falta de investimento público ao fomento literário, o baixo número de leitores, a invasão da literatura estrangeira de qualidade duvidosa que garante ganhos às editoras sem os riscos que teriam que correr investindo em talentos nacionais, as dificuldades de circulação, etc, etc. Como o limite de caracteres não permite, vamos ficar somente na pergunta que eu me fiz quando ouvi Loyola Brandão: terei eu condições de rever um texto 38 vezes antes de publicá-lo?

Então, você quer ser um escritor?

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