Uma toca de onde não deve sair coelho

É o que parece, pelo andar da carruagem no Congresso Nacional: a reforma política não estará no centro da pauta do atual semestre parlamentar. E, desse modo, ficará mais uma vez postergada.

Bom ou ruim? Depende do ângulo da análise. Se for para fazer algum remendo na atual legislação eleitoral prenhe de imperfeições, o resultado em si será muito duvidoso. Nem sempre os remendos têm sido benéficos para o processo democrático. Mas se for para ampliar a democracia, sinceramente: cá da província, olhando a correlação de forças no Senado e na Câmara, ouso dizer que será melhor ficar do jeito que está.

Lembra aquela historinha que Miguel Arraes contava. O sujeito cometera algum delito e, preso, era conduzido por um soldado da Polícia Militar para a Delegacia, que de vez em quando lhe dava uma lapada com o cassetete. Até que um transeunte, indignado, protestou: “Faça isso com o homem não, soldado! Desse jeito é melhor matar…”. Ao que o prisioneiro de pronto atalhou: “Matar, não, oxente! Como vai, vai bem…”.

Vejam que o cotidiano da cena política tem oferecido inúmeros motes para o bom debate da reforma e, sobretudo, para valorizar a instituição de instrumentos democratizantes. O financiamento público de campanha, por exemplo, como antídoto à corrupção. Mas partidos e lideranças influentes no Congresso fazem de conta que uma coisa nada tem a ver com a outra e se perdem na abordagem de aspectos relevantes, porém secundários, como a ideia do voto distrital e semelhantes. Ou, pior, a investida contra o direito democrático dos partidos se coligarem para a disputa de cargos legislativos.

Por esse caminho não se chegará a lugar nenhum. Até porque quase ninguém quer seguir adiante, porque pesa o receio dos atuais detentores de mandato de não se darem bem em futuras disputas sob novas regras. Entre o desconhecido que gera insegurança e o status quo ultrapassado, a opção é clara: conserve-se o que está, e se deixe para um futuro indefinido qualquer mudança substancial.

Esse é o estado da arte da reforma política. Talvez mudasse se o assunto fosse, de fato, destaque na agenda da sociedade. Mas alguém sabe de algum lugar onde na última campanha eleitoral a reforma tenha sido registrada entre os compromissos da maioria dos partidos e candidatos?

Ora, se o que é prometido nem sempre é cumprido, que dirá do que sequer foi ventilado nos palanques. Por conseguinte, o debate permanece quase que exclusivamente circunscrito ao parlamento, sem a menor possibilidade de pressão social pela mudança.

Portanto, dessa toca por enquanto não deve sair coelho. Fica para adiante, na medida em que sejamos capazes de ganhar apoio popular para a bandeira da democratização do processo eleitoral brasileiro.

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