O “Bolsa Verde” da Presidenta Dilma

A presidenta Dilma Roussef acaba de anunciar, dentro da estratégia do Plano Brasil sem Miséria, mais um programa de transferência de renda, o “Bolsa Verde”, destinado as famílias em situação de extrema pobreza que promovam a conservação ambiental nas áreas onde vivem e trabalham. O projeto pagará 300 reais, por trimestre, as famílias que preservem florestas nacionais, reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável.

De acordo com os dados do governo, das 16,2 milhões de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza, 47% estão na área rural, daí a inspiração do projeto. Não sei se em áreas de preservação ambiental ou similares.

O governo do estado do Amazonas tem um projeto semelhante, batizado de “Bolsa Floresta” que remunera com 50 reais mensais as famílias que vivem em reservas estaduais. Não há ainda um balanço do que tal medida representou tanto em matéria de conservação quanto de superação da extrema pobreza que, em tese, ambos os projetos visam combater.

Qualquer projeto que vise apenas a transferência de renda sem contrapartida social ou econômica não é sustentável, tende a exaustão com a simples troca de governo. Daí a necessidade de se fazer ajustes, de aprimorar tais mecanismos, sem abandonar obviamente a política de transferência social de renda.

E ao que tudo indica a Ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, a quem competirá a execução e coordenação desses projetos tem isso muito presente, na medida em que ao anunciar o conjunto de medidas voltadas para as pessoas de extrema pobreza, a ministra deixa claro que ações como assistência técnica, de fomento, acesso à água e energia e distribuição de sementes são imprescindíveis para garantir que essas famílias aumentem sua produção e renda.

São bons sinais. Ouso, portanto, sugerir que o “bolsa verde” seja vinculado, em caráter complementar, a receita das famílias rurais cuja atividade econômica é de baixa rentabilidade e extremamente rigorosa, singular, como é a vida dos castanheiros, seringueiros ou produtores de fibra vegetal (juta e malva), submetidos a um regime de trabalho de rigor extremo, insalubre, mas essencial a economia regional e nacional.

Os “juticultores”, adequadamente chamados de “homens anfíbios” pela pesquisadora Terezinha Fraxe, dividem seu tempo entre a terra firme e as águas, onde disputam com jacarés, arraias, poraquês e candirus o difícil oficio de produzir a fibra vegetal, ambientalmente sustentável, que ensaca a produção de café nacional e evita a sangria de divisas com a eventual importação.

E os seringueiros da Amazônia são os “caboclos titânicos” descritos na magistral obra A margem da história, de Euclides da Cunha, para quem o homem ali é ainda um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado nem querido – quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E encontrou uma opulenta desordem. Tudo está em construção.

A partir dessa constatação conclui que o seringueiro “é o homem que trabalha para escravizar-se”, pois dificilmente consegue pagar as despesas impostas pelo patrão e, portanto, está proibido de deixar o seringal, cujos regulamentos são, a este propósito, dolorosamente expressivos. Lendo-os, vê-se o renascer de um feudalismo acalcanhado e bronco.

A exploração da seringa impõe o isolamento. Dostoievski sombrearia às suas páginas mais lúgubres com esta tortura: a do homem constrangido a calcar durante a vida inteira a mesma estrada, de que ele é o único transeunte, trilha obscurecida, estreitíssima e circulante, que o leva, intermitentemente e desesperadamente, ao mesmo ponto de partida.

Quem são estas pessoas? pergunta Euclides e ele próprio responde: o seringueiro é, obrigatoriamente, profissionalmente, um solitário, composto por “levas e levas de flagelados pela seca que eram mandados para a Amazônia para desaparecerem. E não desapareceram”.

Buscar levar a estas pessoas um pouco mais de atenção me parece não apenas uma questão de justiça social, mas especialmente de reconhecimento ao caráter estratégico que desempenharam e continuam desempenhando.

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