“Poesia”: O sentido da poesia

O sentido da poesia, a sexualidade na terceira idade e a crueldade na adolescência são os temas deste filme do diretor sul-coreano Lee Chang-dong

       Em dada sequência de “Poesia”, do sul-coreano Lee Chang-dong, a presença da natureza é tal que seus efeitos sobre a idosa Yang Mija (Yun Jeong-hie) são perturbadores. Só aos poucos, ela compreende o sentido de tudo que está lhe acontecendo. O meio influencia as decisões que passa tomar dali pra frente. É quase uma imposição. Tudo o que ela veio fazer no meio rural de sua cidade, ganha sentido contrário ao que ela imaginava. É raro haver, no cinema atual, este tipo de integração: o ser humano interagindo com a estrutura social e o meio ambiente onde vive. Ele não se aliena, fica bem próximo do que o influencia e, por sua vez, sofre sua influência.

      No cinema atual os personagens estão desligados de tudo o que os cercam. Existem por si e para si. Há, assim, uma única maneira de enxergar a ação: a desses personagens, que acabam nada significando para o espectador. Chang-dong, como é comum no cinema asiático e africano, segue uma linha adversa. Tudo em volta dos personagens faz parte deles. Em “Poesia”, quando Yang Mija está em sua cozinha, percebe-se sem grande esforço, a vida de sacrifício levada por ela. O esforço que faz para manter sua sanidade e o bem-estar de seu neto Jongwook (Lee Da-wit).

    Mesmo quando esta estrutura é abalada por questões motivadas por sua idade, ela mantém seu modo de ser. Não se atormenta. Conserva inclusive a curiosidade pelo que a cerca e os que a rodeiam. Não há por que não se identificar e simpatizar com ela. Ainda mais quando se descobre o tipo de trabalho que a sustenta. É quase como se M.Kang (Hira Kim), burguês na terceira idade, espelhasse o que poderia vir a acontecer com ela. Kang se esforça para manter-se ativo, enquanto ela questiona a si e as exigências dele.

     A relação entre ambos, que poderia beirar a degradação, traz lições para os jovens, os de meia idade e os que estão na terceira idade. Numa das sequências centrais do filme, Chang-dong faz o espectador não vê-los como pessoas cujo momento passou, mas como seres que preservam sua capacidade vital, ainda que para ela represente grande sacrifício. A idade, de repente, nada significa. Principalmente porque as cenas, dirigidas com extrema delicadeza e beleza, atestam situações que mais cedo ou mais tarde, todos irão vivenciar. Mas pensam nelas como algo inaceitável, de típica decadência, refletindo a ideologia da eterna juventude que sustenta a estrutura do capital.  

Lee não estigmatiza
a terceira idade

     O filme, no entanto, é centrado em Yang Mija, que, aos sessenta e seis anos, é uma mulher cheia de vida. Até que os males da idade se manifestam, obrigando-a aceitar a nova realidade, em meio aos problemas com o neto Wook. Como milhares de avós, ela assume as responsabilidades da filha, que o deixou aos seus cuidados. Isto para ela, no entanto, não é um peso. É uma forma de fugir à solidão, aos problemas da idade e da carga que Park representa para ela. São impasses que tenta driblar, integrando-se ao grupo de pessoas comuns que buscam na poesia sentido para a vida.

     Então, para ela e seu grupo, a poesia tornar-se uma necessidade. O divã do psicanalista cede espaço ao professor, que os instiga a buscar dentro de si as respostas. Ela não as tem e nem sabe onde encontrá-las. As perguntas dela desconcertam, por sua simplicidade. Não brotam da inspiração, negada há todo momento. É mais uma construção do inconsciente. Mesmo quando um dos membros do grupo desanda em poemas fesceninos. É o meio em que ele vive que está ali. Numa aparente contradição, Chang-dong põe um policial como poeta, numa dualidade entre a dureza e a delicadeza. Por que, não?

      Quando esse universo se mostra insuficiente, é a afetividade e o equilíbrio de Yang Mija que se impõe. Não da forma como se espera, com os fios se fechando, dando solução para os impasses surgidos, mas dialeticamente. Os dois eixos centrais do filme: os problemas da terceira idade e como a  juventude extravasa sua agressividade, remetem ainda ao bullying e às tragédias nas escolas. Questões que Yang Mija não apreende a contento, embora desconfie do comportamento do neto. E não veja na saída encontrada pelos pais dos demais garotos, integrantes do grupo a que Wook pertence, a solução para a tragédia que os envolve. Tudo acaba sendo uma penosa reflexão do papel da mulher na terceira idade, como atesta a metáfora do jogo entre ela e o policial.

      Não é à toa que “Poesia” ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes de 2010. Chang-dong passeia com sua câmera pela cidadezinha do interior da Coréia do Sul detendo-se em aspectos significativos do comportamento da juventude atual. O Bullying em particular e a crueldades das relações entre eles, sem que os pais os aceitem como são. Com uma fotografia que se presta ao tema e uma música que climatiza em vez de demarcar a ação, como nos filmes hollywoodianos, o diretor usa as sequências finais para dar sentido às indagações de Yang Mija e plantar dúvidas na cabeça do espectador. Em meio a tanta beleza, a crueldade acaba sendo apenas um traço da natureza humana.

Poesia”. (“Shi”). Drama. Coréia do Sul. 2010. 139 minutos. Roteiro/direção: Lee Chang-dong. Fotografia: Kim Hynseok. Elenco: Yun Jeong-hie, Hira Kim, Lee Da- wit.

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