A mesa posta para o café da manhã é uma cultura de ternura

Legar esse conforto à descendência é um privilégio

Legar zonas de conforto à descendência é um dever e um privilégio. Há memórias que, quando puxo por elas, fico enternecida. Não é propriamente saudosismo o que se apodera de mim, mas uma zona de conforto e de ternura. Lembrar a mesa posta para o café da manhã é uma delas.

Na casa da vó Maria, com quem eu morava, uma das primeiras tarefas de minha responsabilidade, por volta dos 7/8 anos, foi "pôr a mesa do café" à noite.

Consistia em limpar a mesa da copa, trocar a toalha e colocar um pratinho e, em cima dele, pires, xícara e colherzinha; e, no centro da mesa, uma bandeja com açucareiro, farinheiro, saleiro, manteigueira e uma "faca de mesa" para a manteiga. Ah, e guardanapos de panos!

Na copa havia um móvel de madeira, o lavatório, com uma bacia branca esmaltada, toalha de mão, sabonete e jarra de água, também de ágata. Não havia água encanada. Trocava a toalha, enchia a jarra de água e verificava se a bacia estava limpa. Nos primeiros dias, vovó ou a Albertina, a cozinheira, ficava ao meu lado, ensinando-me. Depois passei a pôr a mesa sem auxílio. De vez em quando, dava uma "esquecida" proposital… Mas vovó era rigorosa: "Acorda, vai cuidar da obrigação!". Ia para a escola muito cedo, eu tomava café sozinha. Aos sábados e domingos, a família toda tomava café ao mesmo tempo.

O hábito de "pôr a mesa do café" à noite é uma cultura familiar que reproduzi em minha casa. E a responsabilidade foi passando de Maria para Débora, dela para Lívia, para o Biel, que em um belo domingo nos acordou "para tomar café logo, pro misto não esfriar" – e nem completara 7 anos! Pulei da cama imaginando um acidente… Na mesa, uma jarra de suco, um misto-quente para cada pessoa e café fumegando no bule! Desconhecia que ele soubesse acender o fogão! Um baita susto e ele, com sorriso maroto, feliz da vida, apresentando suas estripulias gastronômicas! Desde então, virou o "fazedor de café" oficial da casa.

Por fim, a mesa do café chegou ao Arthur, com quem se perdeu no esvaziamento da casa. Com o ninho quase vazio, o costume de pôr a mesa do café sumiu! Só reaparece quando há visitas.

Mas como "o costume do cachimbo é que põe a boca torta", às vezes, já deitada, pronta para dormir, levanto-me e ponho a mesa… do café! Olho maravilhada e me dou conta de que, há muitos anos, quando saio para trabalhar, não tomo café. Paro na Mercearia Diniz, bebo um cafezinho, quando muito, como um pão de queijo e toco o carro… É cômodo e compatível com o corre-corre da vida de quem pega no batente cedo.

Ensinei ao neto Lucas, depois à neta Luana, que não demonstraram animação, mas insisto, mesmo correndo o risco de ser uma vó chata. Pasmem! Pôr a mesa do café na casa da vovó é uma imagem doce para ambos e sobre ela falam com muito carinho, assim como da outra cultura de conforto: a cochilada após o almoço.

O Lucas, que uma vez ficou escondido ao lado da geladeira, é tranquilo e acompanha-me na sesta e até cochila, mas a dona Luana de-tes-ta! Embora vá, não vendo a hora em que caio em sono profundo pra se mandar dali: "Ô Lucas, vê se a vovó já dormiu pra gente sair; quero ir pro computador…". Dei uma sonora gargalhada: "Luana, eu ainda não dormi. Fica quieta!".

A neta Maria Clara, embora ainda bem pequena, tem muito da pinga-foguice da Luana. Levo-a para a cama depois que almoço e minha sesta é interrompida N vezes pelos seus dedinhos em meus olhos, sinalizando que não está gostando daquilo… A "vozice" teima e teima em cochilar e ela acaba dormindo também… Momentos de ternura.

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