“Saturno em Oposição”: Micro soluções

 Núcleo social formado por deslocados sociais que se fecha para se preservar é o centro da narrativa do diretor turco Ferzan Ospetek

       Em “Invasões Bárbaras”, o diretor canandense Denys Arcand reúne um grupo de amigos desencantado com a desintegração da União Soviética e a Queda do Muro de Berlim. Ex-militantes de esquerda, eles caem na derrisão e adota o cinismo como resposta à sua frustração. Não enxergam nenhuma saída, senão cair no criticismo puro e simples. Já o grupo reunido pelo diretor turco Ferzan Ospetek, em “Saturno em Oposição”, em vez de se desintegrar, quando a tragédia sobre ele se abate, encontra a resposta para sua crise: socorre o que sofreu a maior perda e termina se mantendo coeso. 

       Ao contrário do grupo de “Invasões Bárbaras”, ele não é formado por militantes desencantados, mas por marginalizados. Na estrutura cristã-capitalista, eles sofrem todo tipo de preconceito, são excluídos e terminam virando deslocados sociais. São gays, viciada em drogas, imigrante turca, casal em crise, que integram um núcleo social que aparentemente os livra do preconceito. Instintivamente, eles gravitam em torno do casal gay, o escritor Davide (Pierfrancesco Favino) e o empreendedor Lorenzo (Luca Argentero), que na verdade é o centro aglutinador do heterogêneo grupo. 

       Em seu aniversário, seus amigos se reúnem para comemorar. Cada um sabe das fraquezas, das traições, das desconfianças, um do outro, mas as reprimi pelo bem da festa. A atmosfera ali é de que existe algo maior do que o aniversário de Lorenzo. E se configura na aceitação de cada integrante como ele é. Caso da viciada Roberta (Ambra Angiolini) que mal chega corre para se drogar. Ou do gay de meia idade Sérgio (Ennio Fantastichini) que remói sua convivência no passado com Davide. Ou mesmo o bancário Antônio (Stefano Arcosi), culpando-se por estar traindo a companheira psicóloga Angélica (Margherita Buy). Mesmo assim nem as aparências os salvam.

         No entanto, o grupo não é condescendente com eles, principalmente Angélica, que critica Roberta e lhe aponta saídas. Enquanto a imigrante turca Neval (Serra Yilmaz) contém suas ácidas críticas ao companheiro policial gago Roberto (Filippo Timei). Até que a tragédia se abate sobre eles, e Ospetek e seu roteirista Gianni Romoli mostram o que, na verdade, representa aquele grupo. Espécie de micro-organismo social, ele, por suas características, reúne os que normalmente não são aceitos pela estrutura social cristã-capitalista. A mulher abandonada pelo companheiro, a viciada em drogas, os gays, a imigrante turca na Itália. Cada um à sua maneira vê-se marginalizado. E aquele grupo em particular os recebe e lhes dá dignidade.

Tragédia une os

deslocados sociais

             A tragédia que deveria ser o fator desagregador termina por uni-los. Ainda mais quando o industrial falido Vittório (Luigi Diberti), pai de Lorenzo, em princípio cheio de preconceitos, cede às evidências. Há humor no encontro dele e sua companheira Minnie (Lunetta Savino) com o grupo e, em particular, com Davide. A sequência em que este lhe mostra os pertences do filho e o quarto onde dormiam fala mais que qualquer análise filosófica ou sociológica. Mas Ospetek vê neles, principalmente em Roberta, fragilidade para enfrentar a realidade. Ela se alheou demais. Seus contatos com a enfermeira bem o revelam: a astrologia, que poderia facilitar-lhe a vida, mais a complica. Até mesmo Antônio, tão seguro de si, é tomado pela insegurança, não sabendo tratar de sua separação de Angélica. 

      Todos eles encontram no núcleo de deslocados sociais a razão de continuar vivendo em dois universos: o das aparências na sociedade capitalista e o de seu próprio núcleo social. Aliás, esta é uma das características desta época de mudanças sociais: nunca se fala na quebra da estrutura capitalista, pondo em seu lugar outro sistema. O neoliberalismo criou a idéia de que a ele não existe alternativa. E as forças social-democratas reforçam esta “máxima” por não executar, uma vez no governo, políticas que representem rupturas com o atual sistema. Os movimentos sociais terão de romper com esta falácia. Caso contrário, os deslocados sociais terminarão se fechando em si mesmo, adiando as mudanças necessárias.

       Ospetek pelo menos coloca um deles como o centro aglutinador – poderia ser um afrodescendente ou um trabalhador, por que não? E não cair na derrisão pura e simples. O desfecho sintetiza todo o que se disse aqui. Invertendo a metáfora de Antonioni em “Blow-Up – Depois Daquele Beijo”,  ele põe o grupo para fugir ao faz de conta e enfrentar o jogo bruto que continua. É como se dissesse: é preciso ir em frente. A saída somos nós. No entanto, o núcleo em si não resolve o problema maior, criado pela estrutura capitalista. Aceitar o núcleo social como solução, é renunciar ao enfrentamento direto com os que os empurram para estreitos grupos sociais. Mas enquanto a consciência não chega, eles pelo menos se amparam um no outro.

Saturno em Oposição”. (“Saturno Contro”). Drama. França, Itália, Turquia. 2007. 110 minutos. Roteiro: Ferzan Ozpetek/Gianni Romoli. Direção: Ferzan Ozpetek. Fotografia: Gianfilippo Corticelli. Elenco: Stefano Arcosi, Pierfrancesco Favino, Ambra Angiolini, Luca Argentero, Margherita Buy, Serra Yilmaz.

          

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