Madeira no Rio

O pau comeu solto semana passada no canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. É uma espécie de conflito anunciado nas usinas que estão em construção ou a serem construídas na Amazônia, repetindo cenas já vistas, que poderiam ser evitadas.

Uns dirão: então, não vamos construir e pronto. Mas este não é o caso. É possível construir hidrelétricas ou o que quer que seja naquela região sem provocar estragos além do necessário nos campos ambiental e social. No caso, o aspecto social é que se destaca.

A equação nesses empreendimentos é simples e por demais conhecida e denunciada. O governo faz os estudos de viabilidade, projetos e toda aquela parte que custa boas fortunas e não têm retorno imediato.

Tudo pronto, entrega a obra às empresas construtoras, que se enchem de grana e entregam a criança ao pai, o governo. Este vai cuidar da distribuição da energia e da horda de desempregados deixada para trás.

Nos projetos são definidas as condições em que as obras serão tocadas, nos aspectos sócio-ambientais, de engenharia, de tudo enfim. O que ocorre, porém, é que as empreiteiras em geral não cumprem o que prometeram fazer, e não são punidas por isso.

Com a obra em andamento, o governo (ou a empresa estatal) fica sem escolha. Se parar os trabalhos para pôr a casa em dia, o prejuízo é maior. E as construtoras, por seu lado, se escoram em alguma decisão judicial para seguir no seu jeito. Não raro, até querem que a obra seja paralisada, pois isso justifica atrasos e aditamentos nos contratos para engordar os preços.

A quebradeira ocorrida no canteiro de Jirau, onde se acotovelam cerca de 22 mil trabalhadores, é apenas uma pequena nesga do problema. Segundo a empresa Camargo Correia, responsável pela obra, foi briga entre o pessoal do transporte, de empresa terceirizada, com operários.

Dito isso, retirou oito mil trabalhadores e os levou para um ginásio de esportes do Sesi em Porto Velho, a já sofrida capital de Rondônia. Ao ministério público, alguns líderes do movimento disseram que esta foi apenas a válvula de escape de insatisfação muito maior. Condições de trabalho, alimentação e pagamento estão na lista.

Conforme o censo de 2010, do IBGE, Porto Velho tem hoje uma população de 238 mil habitantes. Ou melhor, tinha, porque as obras de Jirau e Santo Antônio, também no rio Madeira, próximo da outra, já empregam cerca de 40 mil trabalhadores.

Isto, sem falar nas levas de errantes atraídos, que vão de prostitutas a pastores de igrejas. A maior parte desse contingente se deslocou de outras partes do País ou mesmo do exterior – no caso, da Bolívia, que está ali ao lado e cujo governo do presidente Evo Morales já reclamou de maneira formal sobre os impactos das obras no seu país.

Essa gente come, se veste, se diverte, briga e, o mais importante, quer escola para os filhos, assistência de saúde e outros serviços públicos que Rondônia não estava preparada para atender. Pelo contrato, caberia à empresa construtora assegurar esses serviços, mas cadê?.

O governo do Estado quer as obras, é claro. Bem ou mal, alega-se, significa movimento econômico agora e muito desenvolvimento depois. Mas, ao mesmo tempo, arranca os cabelos diante de uma situação que é caótica e cuja solução recai sobre as autoridades locais.

O governador Confúcio Moura já disse e repetiu que o problema, no caso da educação, não é salas de aula ou carteiras. O problema é a falta de professores, já escassos no estado, que não tem condições de atrair de outros estados pelos salários que oferece.

Acaba sobrando para a população da cidade, que passa a competir pelos serviços com os recém-chegados. Uma parte desses forasteiros é de classe média alta. São engenheiros e outros profissionais qualificados que levam suas famílias para os locais das obras e usam escolas e outros serviços.

Na melhor das hipóteses, os preços das escolas privadas vão para as estrelas. A isso, somam-se os problemas de trânsito, de estacionamento, de diversão, de segurança pública, saneamento básico e por aí afora.

O caso de Porto Velho, contudo, nos remete a outro que está por vir. É o da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, em Altamira, no Pará. A cidade, hoje com 105 mil habitantes, vai receber uma leva de 50 mil pessoas, de acordo com as previsões oficiais.

Existe um forte movimento em torno dessa usina, cujo foco central é o de evitação dos impactos, não de recusa da obra. É possível acertar os ponteiros antes do início dos trabalhos, para impedir que se repitam os problemas ora enfrentados em Rondônia.

O lago de Belo Monte vai inundar áreas indígenas e uma parte da própria cidade de Altamira. Esta já é carente de serviços básicos e é mais isolada fisicamente. Enfrenta difuldades para se comunicar com o resto do mundo, o que significa dizer que os entreveros decorrentes do brusco inchaço da população podem ficar ali confinados, numa verdadeira panela de pressão.

Sem ser xiita, insistir no tema é apenas a velha história de prevenir ou remediar.

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