“Eu não como eucalipto”

Em algumas universidades brasileiras, principalmente aquelas referenciadas nas ciências agrárias, pode-se ver seus muros pichados com os seguintes dizeres: “Eu não como eucalipto”. Talvez se comessem, através de livros confeccionados justamente da celulose extraída desta árvore, os autores desta intrigante frase não afirmassem tal impropério.

Outros poderiam escrever que não comem tijolos, cobre ou querosene, mas nem por isso deixam de estudar em salas de alvenaria, abrem mão do conforto de salas climatizadas alimentadas por energia elétrica ou deixam de participar de congressos viajando de avião. E que bom que pelo menos a prática destoe desta teoria.

Embora não houvesse uma assinatura, vários são os possíveis autores da frase. Provavelmente alguém ligado a alguma organização ambientalista incapaz de associar a preservação ambiental com o desenvolvimento do país e a soberania nacional.

Neste ponto, é bom recordar o jurista Osny Duarte Pereira, como epígrafe ao seu trabalho para o Código Florestal de 1965, onde teria dito que queria evitar a extinção das florestas “para que nunca se extingam as serrarias do Brasil”. Hoje, com o advento do eucalipto, pode-se preservar o meio ambiente sem usar madeira de espécies nativas.

Claro que toda atividade agrícola ou florestal têm impactos. Talvez os nossos pichadores tenham errado no alvo justamente neste ponto. É fundamental que os movimentos sociais identifiquem e centrem a denúncia no problema basilar que historicamente persegue essa e outras espécies, ou seja, o latifúndio enquanto classe social e o seu manejo predatório que, em vários casos, persiste ainda hoje apesar de várias novas técnicas e métodos culturais. Não é o eucalipto o vilão da história.

É grave equívoco dizer, pelo menos em nosso caso, que o eucalipto ameaça a produção de alimentos, sendo que dos 340 milhões de hectares de terra cultivável no Brasil pouco mais de 1%, ou seja, cinco milhões de hectares são usados para a eucaliptocultura. O assunto vem sendo recorrente, mas existem ameaças maiores que essas, como as velhas políticas protecionistas e os subsídios estabelecidos pelos países ricos que podem elevar preços de matérias-primas causando impacto no fornecimento global de alimentos para defenderem suas hegemonias e poder, que mereceriam denúncias mais contumazes. Ademais, com todo o conhecimento acumulado no campo das ciências agrárias é perfeitamente possível aproveitar campos degradados para acrescer a silvicultura sem desmatar novas áreas.

A perda da biodiversidade nos grandes plantios de eucalipto, o que constitui os chamados “desertos verdes”, também não é exclusividade da espécie. Toda e qualquer espécie agrícola cultivada em grandes extensões terão o mesmo efeito.

Em 1885, o escritor francês Emile Zola deixava registrado em seu clássico livro Germinal as ultrajantes condições de trabalho dos mineiros de seu país que trabalhavam na extração do carvão mineral, vital para, entre outras coisas, aquecer o povo durante o rigoroso inverno. Já naquela época muitos trabalhadores tinham consciência de classe que o inimigo não era o carvão ou as minas, senão a exploração capitalista. Assim, é necessário romper com esse velho dilema e apostar numa política que não ponha o eucalipto como o inimigo da agricultura brasileira.

Não fosse a chegada do eucalipto em 1868 ao Brasil e todo o trabalho feito no âmbito de seu melhoramento genético e tratos culturais com pesquisa nacional, muito de nossa vegetação nativa, principalmente o Cerrado, já teria se transformado em lenha e carvão para as siderúrgicas.

Estes que não comem eucalipto são os mesmos que não comem soja, algodão, cana-de-açúcar e outros fantasmas associados ao agronegócio. Mas, irremediavelmente, serão comidos pela história se continuarem com esta visão estreita e sectária na abordagem da agricultura brasileira.

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