Quebra-Quilos. Dos confrontos

No povoado conhecido como Fagundes, a 20 quilômetros de Campina Grande, Paraíba, ocorre o primeiro levante contra o novo sistema de medição de produtos, bem como a cobrança de impostos pelo uso do solo nas feiras populares. O presidente da província, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, – barão de Abiahy – elevara os impostos e intensificara o recrutamento militar. A recusa em pagar os impostos se dá ao arrematante Francisco Antonio de Sales. O fato repercute na comarca e o juiz dá a palavra de que as reivindicações serão atendidas; não a honra, entretanto.

A população ocupa as ruas. Dia 14 de novembro de 1874, o povo enfrenta soldados da polícia e capangas do dono do mercado, da maior quantidade de escravos e de plantação de algodão, o coronel Alexandrino Cavalcanti de Albuquerque. Os manifestantes atiram tijolos de rapadura, mesmo sendo alvo fácil dos fuzis da polícia. Os jornais oficiais, para encobrir a vergonha, mencionam pedradas e não dizem que muitos soldados correram espancados por mulheres.

Os matutos, à frente o líder Marcolino de Tal, arrombam a cadeia e soltam os presos, destroem pesos e medidas e queimam os arquivos. Liderados por Manoel do Carmo, os escravos do coronel Alexandrino invadem a comarca, se apossam do livro do Fundo de Emancipação. O livro é entregue ao padre Calixto da Nóbrega, da confiança dos negros. O propósito é saber se consta algo sobre a emancipação, depois de rumores de que a Lei do Ventre Livre alforriaria grupos de escravos a cada ano. Os historiadores Rubim de Aquino, Francisco Roberval Mendes e André Boucinhas observam que, “mesmo em uma situação de revolta social, alguns cativos procuravam os meios legais para sua libertação.”

Dali em diante, há revoltas em 35 localidades da Paraíba, 23 em Pernambuco, 13 no Rio Grande do Norte e sete em Alagoas. Coletorias fiscais são invadidas e documentos são queimados. Em Pernambuco, há menos de mil praças aquartelados; em alguns municípios, menos de quarenta. É em Itambé que as revoltas repercutem em primeiro lugar. Em carta ao presidente da província, o juiz João Francisco da Silva Braga assim as narra: “… vilas e povoados (…) têm sido vítimas de ataques do povo em massa, em número superior a mil indivíduos (…) ao ponto de agredirem as Coletorias, e as Câmaras Municipais dilacerando seus arquivos, escangalhando e incendiando seus arquivos (…), e quando por ventura alguma vez, a força pública se tem apresentado, eles a tem repelido, sem dúvida por ser ela insuficiente…” Em Timbaúba, povoado de Itambé, o escrivão Saturnino Francisco de Souza relata ao capitão Valdomiro da Silveira, subdelegado local, a invasão do cartório com a queima dos seus documentos.  Com vozerios, vivas e repiques de sinos.

Circula um panfleto anônimo, com incitamentos: “Não tens um cacete, uma faca, um bacamarte? (…) Ao lampião com os que embolsam o teu dinheiro e além disso te descompõem. É preciso um dilúvio de sangue para que desapareçam eternamente desta terra os ladrões e espaldeiradores.” O historiador Hamilton de Mattos Monteiro explica que “Ao lampião” é o correspondente “À La lanterne!”, usada na Revolução Francesa para designar o local de enforcamento dos inimigos do povo. Como os matutos são analfabetos, a autoria se atribui a liberais e jesuítas. Em Bonito é acusado o capitão da Guarda Nacional, Antonio José Henrique, de ideias liberais.

A repressão surge com violência na Paraíba. Tropas do Exército são enviadas. É comandada pelo coronel Severiano Martins da Fonseca, irmão de Deodoro da Fonseca. São usados coletes de couro cru, inventados pelo capitão Longuinho; no corpo do aprisionado, encolhe-se quando molhado, asfixiando a vítima, derrubando-a e fazendo escorrer sangue pela boca. Jesuítas estrangeiros são expulsos de Pernambuco – os padres Marco Arconi, João Batista Raiberti, Vicente Mazzi e Filipe Sotovia. O padre Ibiuapina, principal suspeito, sequer é denunciado por conta de seu prestígio entre a população pobre. Já Calixto Nóbrega é defendido e absolvido por Irineu Joffily, seu aliado político.

Os ganhos do movimentos são poucos, inda que os cobradores de impostos tenham sido impedidos de cobrar por algumas semanas. O Quebra-Quilos foi sobretudo um exemplo de insubmissão.

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