Ainda a Revolução Praieira

A concentração da propriedade rural, bem como o monopólio do comércio por parte dos portugueses explicam as razões da Revolução Praieira. Em 7 de junho de 1848, um manifesto foi entregue aos vereadores na Assembleia Legislativa Provincial.

O texto, cujo autor ainda hoje é desconhecido, refere-se ao povo, posto que “(…) pedindo-vos que o salveis da dominação estrangeira, fazendo passar uma lei que garanta aos nacionais unicamente o comércio a retalho, bem como o direito de serem caixeiros e o exercício dos diferentes ramos e indústria brasileira dentro da província (…) Se não for atendido, o povo protesta usar os meios que a sua razão lhe sugerir.”

Embora não se saiba o nome do redator do manifesto, sabe-se dos inúmeros jornais em que fermentavam as ideias republicanas, nacionalistas e socialistas. Além do Diário Novo e do O Macabeu, havia A Voz do Brasil (nacionalista), O Nazareno e O Tribuno, republicanos, editados por Antônio Borges da Fonseca, e ainda publicações menores como O Advogado do Povo e A Mentira; A Barca de São Pedro, socialista, de propriedade de José Inácio de Abreu e Lima; O Grito da Praia, de João de Barros Falcão de Albuquerque Maranhão; O Guarda Nacional, de Jerônimo Vila de Castro Tavares; A Reforma, de Afonso de Albuquerque Melo – liberais e republicanos; e O Sete de Setembro, socialista, dirigido pelo padre Miguel do Sacramento Lopes Gama.

Também caracterizou o período a instabilidade institucional. Antônio Pinto Chichorro da Gama, que tinha o apoio do Partido Praieiro, é destituído. O Gabinete de Ministros, chefiado por Pedro de Araújo Lima, nomeia Herculano Ferreira Pena; isto, depois da nomeação de quatro governantes. Para desmantelar os liberais eleitoralmente, o governo demite servidores simpatizantes do ideário praieiro, substituindo-os por “guabirus de confiança.”* A violência contra a oposição é tamanha que os presos são trazidos do interior atados em cordas ou acorrentados; amarrados no tronco, açoitados em via pública ou jogados em porões de navios.
Insatisfeito, Ferreira Pena suspende as eleições municipais. No Partido da Praia, a corrente radical é dirigida por Pedro Ivo e Borges da Fonseca; a conciliadora, por Joaquim Nunes Machado. Também a eleição para juiz de paz é suspensa. Circula uma proclamação, defendendo “(…) mil vezes morrer com as armas nas mãos, vendendo caro as nossas vidas, do que covardes, sujeitarmos a uma escravidão tão vergonhosa! (…) Às armas, meus patrícios, às armas!”

A Praieira começa em 7 de novembro, data da comemoração da Sabinada na Bahia. Tropas da Guarda Nacional retiram-se de Olinda para buscar reforços. Mas o primeiro embate ocorre em 3 de novembro, na fazenda Lavagem em Paudalho. O coronel Francisco José de Barros e Silva, dono da fazenda, abrigara o contingente desertor do capitão Pedro Bezerra de Menezes, e reforços junto a senhores de engenho correligionários. Tentam ocupar a Vila de Igaraçu e Paudalho, mas deparam com a resistência do delegado Silvestre de Oliveira Melo.** Os combates no interior têm o destaque de João Inácio de Abreu e Lima, dirigente de um destacamento praieiro. Ele ocupa as matas do Catucá, local que abrigara um quilombo. O propósito é impedir as comunicações do governo com o interior, além de atacar em arrabaldes do Recife.

Ferreira Pena reforça as tropas do governo, e envia o coronel Amorim Bezerra ao Engenho Mussupinho. Os praieiros se retiram. O governo imperial substitui Amorim Bezerra por Manoel Vieira Tosta, reconhecidamente mais repressor. Nunes Machado vem a Pernambuco para pôr fim à luta armada. Frente à repressão do governo, opta por oferecer a própria vida para salvar a província. Sua influência reforça a adesão à revolução. Mais deputados liberais aderem. Em Água Preta, no Quartel General do Exército, cria-se o Conselho Diretor dos revolucionários; à frente, o coronel Félix Peixoto de Brito e Melo.

Um mil e quinhentos homens armados se dividem em duas colunas para atacar Recife. A do sul, sob o comando de Antônio Borges da Fonseca; a do norte, por Manuel Pereira de Morais. Cada uma com três destacamentos. João Roma é um dos chefes. Ocorre em 2 de novembro de 1849 o ataque. A do sul é derrotada pelos militares do governo, fortalecidos pelo Corpo de Imperiais Marinheiros e Fuzileiros Navais. A do norte é atacada por tropas comandadas pelo general Joaquim Coelho; é derrotada em Soledade. Nunes Machado é morto na luta. O episódio contribui para o fracasso da Praieira.

Paes Barreto, Vilela Tavares e Lopes Neto são presos. Começa a terceira fase da revolução, com a guerra das matas liderada por Pedro Ivo. Borges da Fonseca, encabeçando um grupo de revolucionários, é preso na Paraíba. Mas Ivo, no sertão, resiste com táticas de guerrilhas. Com a oferta de três contos de réis para quem capturar Pedro Ivo, e a promessa de anistia, ele mesmo torna pública uma circular em que aceita os termos do governo. Vai para a Bahia e é preso. A circular fora entregue por seu pai, o tenente-coronel Pedro Antônio Veloso da Silveira. O revoltoso é enviado à Fortaleza do Laje, Rio de Janeiro. Como recusa a anistia mediante um exílio de seis anos, é condenado à forca. Seus amigos conseguem libertá-lo e colocá-lo num navio para a Europa; na altura da Paraíba, é morto por doenças e lançado ao mar.

O capitão da Praieira é glorificado em versos por Castro Alves e Álvares de Azevedo.

 
Que importa se o túmulo ninguém lhe conhece
 
Nem tem epitáfio, nem leito, nem cruz
 
Seu túmulo é peito do vasto universo (…)
 

Os condenados à prisão perpétua são Vilela Tavares, José Inácio de Abreu e Lima, Lopes Neto, Pereira de Lucena, Francisco Borges Mendes, Pessoa de Melo, Leandro César, Borges da Fonseca, Feitosa de Melo e Feliciano Joaquim dos Santos. Enviados à Fernando de Noronha, a anistia os alcança em 1851. Os liberais não tinham concorrido às eleições, e Recife se tornara um acampamento militar.

*Rubim Aquino, Francisco Roberval Mendes, André Dutra Boucinhas – Pernambuco em chamas

**Figueira de Melo, Jerônimo Martiniano – Crônica da Revolução Praieira

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