A classe operária vai à academia

 

O “fim do mundo do trabalho” foi cantado em prosa e verso por setores hegemônicos da academia e da mídia nas últimas décadas Alguns resistiram a esta avalanche de ideias pós-modernistas ou estruturalistas, que de roldão anunciavam a morte do marxismo. No Brasil, na ascensão do “novo sindicalismo”, nos idos de 1970-80, não foram poucos os que tematizaram a classe operária e o movimento sindical, com grandes contribuições aos “mundos do trabalho”. Porém, vários deixaram suas linhas de pesquisa e se voltaram para questões “atuais” do pensamento social, Quantos destes por desencanto ideológico, mercado editorial ou modas universitárias, ainda é uma questão a ser estudada.

Falou-se em sociedade pós-industrial, pós-capitalista, pós-isso, pós-aquilo, na mesma perspectiva evolucionista que norteava a equivocada noção de pré-História. O certo é que muitos não resistiram ao predomínio dos ‘novos discursos”, tão pouco enfrentaram a crise do socialismo e do marxismo com os referenciais teórico-metodológicos que balizaram as experiências históricas dos trabalhadores “para além do capital”.

Mesmo quando o fizeram, outros tantos, apenas viam o proletariado, a “classe” operária ou o movimento sindical apenas como objeto. Nunca como sujeitos de sua própria História. Mas de tempos em tempos a academia se redime.

Na tese “O movimento dos trabalhadores frente ao complexo de reestruturação produtiva: o sindicalismo dos Metalúrgicos de Caxias do Sul”, defendida em 20 de dezembro de 2010, no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-RS, pelo professor e pesquisador Paulo Roberto Wünsch, há uma grande contribuição para a literatura sobre o mundo do trabalho, através de uma extraordinária síntese, no sentido dialético mesmo, da História de uma das mais importantes entidades sindicais do Brasil atual.

O final da pesquisa resultou numa excelente articulação histórica entre o processo de organização sindical no Brasil, o contexto atual da reestruturação produtiva e o estudo de caso, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região, respondido pelo método materialista dialético que dá conta da relação entre as particularidades micro e a universalização macro.

As fontes bibliográficas que o autor incorpora para a construção da sua narrativa, tanto para as ciências sociais como para a historiografia, clássicas e atuais, brasileiras e internacionais, nos dão uma ideia da reflexão proposta. A tese dialoga com Giovanni Alves, Ricardo Antunes, Cláudio Batalha, Isabel Bilhão, Luigi Biondi, Armando Boito Jr., Altamiro Borges, Atílio Boron, Antônio Cattani, François Chesnais, David Harvey, Eric Hobsbawm, Marilda Iamamoto, Glaucia Vieira Ramos Konrad, Kal Marx, Jorge Mattoso, István Meszáros, José Paulo Neto, Sílvia Petersen, Márcio Pochmann, Leôncio Martins Rodrigues, Emir Sader, Richars Sennet, Paul Singer, entre outros, referências para a reconstituição da História dos trabalhadores e de seus respectivos movimentos, tanto operário como sindical.

Porém, o ponto alto da pesquisa se dá quando a voz dos dirigentes do Sindicato e dos operários da base, filiados ou não na entidade da categoria, dá base para que o autor entenda, “no bojo das transformações especialmente econômicas do capital mundializado”, como as novas tecnologias no setor metal-mecânico de Caxias do Sul “possibilitam um controle mais objetivo da produção (…) impactam o emprego e a qualificação técnica requerida (…) geram um aumento no ritmo de trabalho”, incidindo “na busca da subsunção dos trabalhadores à lógica do capital”, buscando “metamorfosear os trabalhadores em colaboradores, os chefes em líderes ou facilitadores, os patrões e gestores do capital em empreendedores”, indicando “a complexidade da luta de classes na atualidade”.

Pois, é disso que se trata a tese: da luta de classes na atualidade. Como também conclui Wünsch, “essa ofensiva do capital, através do processo de reestruturação produtiva, é exitosa, mas apenas parcialmente, diante das contradições inerentes ao processo de exploração capitalista, engendrando consentimento e resistência dos trabalhadores”, haja vista que “uma parcela dos trabalhadores tem consciência desse processo”. O STIMMME tem “realizado mobilizações através de assembleias gerais, assembleias nas fábricas e nos bairros e efetuado congressos da categoria”, chamando a atenção para inúmeras mobilizações “nos últimos anos, em movimentos grevistas, passeatas, protestos, bloqueio de rodovias, a fim de reivindicar avanços nas negociações do dissídio coletivo, em solidariedade contra a demissão de dirigente sindical, contra a perda de direitos”. Por fim, o Sindicato “participa de maneira protagonista em mobilizações e articulações mais gerais” para que as Centrais unifiquem pautas e ações unitárias, bem como “tem participado da disputa eleitoral com candidatos a cargos legislativos com uma plataforma claramente identificada com os interesses dos trabalhadores”.[1]

Dessa forma, a reestruturação produtiva do capital que incide sobre o mundo do trabalho, na tese, faz a academia e a reflexão teórica encontrarem a práxis de uma atuação sindical de destaque na região da Serra do Rio Grande do Sul. Tanto que um dos integrantes da banca[2], renomado intelectual sobre o mundo do trabalho, Giovanni Alves, em sua arguição disse que a importância do STIMMME tem que ser vista hoje em comparação com os metalúrgicos do ABC paulista de 30 anos atrás.

Uma banca multidisciplinar – Sociologia, História, Economia e Serviço Social -, foi a simbólica tradução da forma como o autor elaborou a sua tese. Mas a presença de alguns dos sujeitos da análise – metalúrgicos de Caxias do Sul se dirigiram para Porto Alegre para prestigiar a defesa de tese -, é parte da consciência da classe que vê nos estudos dos intelectuais orgânicos do proletariado outra “arma” da categoria para fazer frente aos desafios da atual reestruturação produtiva do capitalismo. A tese de Paulo Wünsch, na teoria e na prática, possibilita o rompimento dos muros da Universidade na questão da produção do conhecimento científico socialmente referenciado, sendo aprovada com louvor e indicada para a publicação, distinção também da classe que teima em ir à academia para confirmar na História que ela está longe de acabar. Ponto e basta.

Notas
[1] Nas eleições a vereador em 2008, a categoria elegeu dois representantes: Renato José Ferreira de Oliveira e Assis Flávio da Silva Mello. Em 2010, Assis oi eleito para Deputado Federal.
[2] A banca foi composta pelo orientador e economista Carlos Nelson dos Reis (PUC-RS), pelo sociólogo Giovanni Alves (UNESP), pelo historiador Diorge Alceno Konrad (UFSM), pelo economista Cássio da Silva Calvete (PUC-RS e DIEESE) e pela assistente social Jane Cruz Prates (PUC-RS)

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