O Choro de Elias

Encerrados os campeonatos das duas principais divisões do futebol brasileiro, começa nova revoada de craques para o exterior. O que é visto como um salto para a glória, no entanto, em grande parte é uma aventura repleta de sacrifícios para a maioria dos jogadores que trocam os gramados daqui por campos de sei lá onde.

Mesmo craques já consagrados, que se transferem ou são transferidos para grandes clubes da Europa, padecem com a mudança. O copioso choro do corintiano Elias, em rede nacional de rádio de TV, no domingo passado, por ter que deixar seu clube, foi um comovente demonstrativo desse drama que atinge perto de mil jogadores por ano.

Elias acabara de ser ovacionado pela enorme torcida corintiana que havia ido a Goiânia para ver o jogo do seu time com o Goiás. Aos prantos, repetiu várias vezes que não chorava pelo fato de o Corinthians ter deixado escapar a primeira colocação no Brasileirão deste ano. “Esse time é minha vida, é meu coração”, dizia ele, que deve seguir para o Atlético de Madri, na Espanha.

Elias Mendes Trindade penou um bocado aqui mesmo, no Brasil. Nascido em São Paulo, em 16 de maio de 1985, tinha o sonho de ser atleta profissional. Passou uns anos na base do Palmeiras, na capital paulista, mas foi refugado pelo clube. Tentou algum time do Nordeste, mas não deu certo. Em meses, voltou a Sampa com uma mão na frente, outra atrás.

Sem influência nos grandes clubes, pois no Palmeiras não aparecia, foi jogar em times da periferia, numa via crucis penosa e angustiante, que incluiu um longo período em depressão psicológica. Foi daqui e de lá até chegar ao Ponte Preta, de Campinas, onde passou a ter visibilidade. Isso já era 2007 e ele já tinha, portanto, 22 anos.

Despertou interesse de outros clubes e acabou indo para o Corinthians, que naquele ano disputava a Série B do Campeonato Brasileiro. Seu jogo aplicado, habilidade com a bola, noção de espaços em campo, companheirismo com os demais da equipe e uma série de outros valores revelavam nele um craque.

Na premiação dos melhores do ano da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), na última segunda-feira, ele foi escolhido o melhor volante esquerdo de 2010. E ali mesmo, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, surgiam contradições do entra-e-sai de jogadores. Ronaldo e Roberto Carlos, regressados depois de anos no exterior, também foram agraciados. Roberto, como melhor lateral esquerdo do ano e Ronaldo, pela sua carreira.

Um partindo, os outros voltando, após passarem o auge de suas carreiras lá fora. São casos à parte, todos eles. Em mais de 80% dos 208 países afiliados à Fifa há jogadores brasileiros. Até pequenas nações no meio dos oceanos têm algum brasileiro. No mais das vezes, em posição de destaque – em muitos casos, já naturalizados, jogam nas seleções de lá. Portugal é um exemplo.

Mas isso não é novidade. Na década de 1930, Filó se naturalizou italiano e foi campeão do mundo em 34 pela seleção daquele país. Mesmo assim, Ricardo Teixeira, presidente da CBF, e outros cartolas afirmam que a crise econômica mudou o quadro mundial e a evasão já não é tão grande quanto vinha sendo.

É louvável, merecedora de aplausos, a decisão de Neymar, que se livrou de ofertas milionárias para ficar no Santos. Mas, o que esperar dessa galerinha nova que vem saindo das escolinhas de muitos clubes. Ou de talentos encontrados em jogos de várzea por olheiros que os levam embora ainda crianças.

No confronto com o Corinthians, domingo, o Goiás entrou em campo com reservas. Preservou os titulares por já estar rebaixado no Brasileirão e disputar esta semana a final da Copa Sul-americana, contra o Independientes, da Argentina. Por isso, a maioria de seus jogadores tinha menos de 20 anos.

Elias pode se dar por feliz, pois já é reconhecido e terá acolhida por aqui caso volte antes do que espera. Mas muito garotinho que vai para os cafundós do Judas mal sabe se, numa eventual dispensa, terá recursos para conseguir chegar de volta aos braços da família. Muitos ficam lá fora ao sabor das intempéries.

Os números da CBF englobam, digamos, o lado oficial dessa contabilidade. Não registram muitos desses adolescentes, ou quase crianças, pescados por esse interiorzão e levados em surdina para o exterior. E esse processo segue ocorrendo, com crise ou sem crise.

Sob o mando de Ricardo Teixeira, desde 1989, nunca houve estratégia alguma para manter os jogadores no Brasil. Muito pelo contrário, pois ele sempre esteve envolvido com compra e venda de atletas. E foca seu interesse na esquadra canarinho. Jogador convocado sobe de preço no mesmo dia.

Assim, proliferou no meio esportivo a idéia de que, para ser convocado, o jogador deveria estar na Europa. Esse perfil já vinha mudando com o técnico Dunga e promete mudar de vez agora, com Mano Menezes. É o que se espera, pelo menos. Elias, porém, é espólio do maldito acordo do Corinthians com a empresa Traffic, que levou o clube às seções policiais da mídia.

Agora, que o seu choro de sirva de exemplo.

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