Mídia: os mensaleiros e os diaristas

Essa cruzada moralista da direita se limita à lula de classes. É tudo uma questão de conveniência e de propaganda.  

O jornal Folha de S. Paulo e a revista Veja mostraram, neste final de semana, que a turma que viveu o lado gostoso da “era'' neoliberal continua em crise de perplexidade: os meses passam, os amigos próximos continuam sofrendo e reclamando, o noticiário está repleto de lágrimas, mas o Brasil que vai além do horizonte deles parece inexplicavelmente saudável. “Em alguns setores do lulismo, descompromisso com a ética na política passa do campo da prática para o da teoria”, diz o subtítulo de um editorial do jornal dos Frias. ''Superadas as reações iniciais de surpresa e desencanto, que tomaram conta do petismo ao eclodir a crise do mensalão, um espantoso e célere processo de readaptação moral está em curso. Partem de setores expressivos da militância os argumentos de que, na luta política, é inevitável conviver com a sujeira – ou coisa pior'', disse a Folha, entre outras diatribes.


 


Já a Veja pôs na capa ninguém menos do que o histriônico deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) como ''paladino da ética e da lucidez na política brasileira''. A própria revista lembra que ele votou com a direita na privatização da telefonia e na quebra do monopólio estatal da Petrobras. ''Gabeira representa a face mais avançada da esquerda mundial, que não nega a modernidade, não rejeita o mercado nem a globalização e ao mesmo tempo defende as minorias. Ele não ficou embolorado naquela esquerda ultrapassada, albanesa'', disse à ''reportagem'' a ''cientista política'' Lúcia Hippolito, aquela tagarela especialista em reacionarismo estéril que ''comenta'' política em ''dose dupla'' na rádio CBN. Purgantes mentais como esse são repetidos à exaustão na matéria da Veja.


 


Falsidades profundas


 


Para quem não se lembra, o histrionismo de Gabeira, caracterizado pelo seu comportamento colorido e dramático, com notável tendência em buscar contínua atenção, foi usado pela direita para substituir o desgastado Roberto Jefferson no circo do ''mensalão''. Com o clima de fim de festa instalado nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) criadas para atacar o governo Lula, os conservadores puseram o travesso Gabeira para de vez em quando gritar: ''Lobo, lobo!'' Assim, eles mantinham a ''grande imprensa'' – essa anomalia do processo civilizatório – mobilizada para combater qualquer indício de flagrante nas mal escondidas intenções contra Lula. Saiu de cena Jefferson e suas dinamites e entrou Gabeira e seus traques.


 


Esse comportamento mostra que a reação não engolirá tranqüilamente mais quatro anos de progresso social no Brasil. Mesmo com o rudimentarismo do nosso processo de escolha, poucas vezes a direita chegou ao poder pela via eleitoral. Ao longo da história, os conservadores sempre recorreram à prepotência, ao arbítrio e à falsidade – numa palavra, ao golpismo – e acabaram por se especializar no assunto. “Paladinos” da ética como Gabeira em verdade fomentam a desordem por meio de invenções de fórmulas para burlar a lei e a ética – como nos processos de cassações de deputados progressistas. Manobras como essa são, a cada etapa, mais difícil e exige, para triunfar, falsidades cada vez mais profundas.


 


Atraso pastoso


 


As teses gabeirianas mais divertem do que irritam – apesar de ações como essas, negando o valor do voto de milhões de brasileiros, serem as mais torpes formas de corrupção. É preciso ver as coisas que existem por trás das coisas (é preciso, por exemplo, ver o que há por trás da frente de ''esquerda'' liderada por Heloisa Helena). Gabeira e outros que atacam o governo Lula pela ''esquerda'' são bonecos de ventríloquos de gente que usa esfarrapados disfarces em defesa da ''pureza'' na política. Há muitos e muitos anos, os conservadores rasgaram as bandeiras nacional e democrática e formaram um sindicato de conspiradores. A possibilidade da reeleição de Lula cria indagações, oportunidades e uma única, decisiva, certeza: o Brasil ganhou o direito de agir como senhor do seu tempo. Contingências podem ainda, é claro, derrubar o presidente Lula nas urnas de 1° de outubro.


 


Mas a lufada de ar fresco que desanuvia os pulmões de muitos brasileiros massacrados pelo peso da alta pirâmide social traz a convicção profunda de que continuaremos seguindo pelo caminho que contraria os conservadores. O sentimento traz alívio. Mas a sensação mais forte é de maturidade, de resposta ao deserto de idéias legado pela ''era'' neoliberal. A reeleição de Lula representa mais um passo no caminho da substituição de um modelo dirigente sem fôlego, sem planos patrióticos, sem convicções democráticas. O movimento progressista brasileiro mostra força para varrer aquele atraso pastoso que vem dos presidentes escolhidos a dedo pelos monarquistas da véspera da República e que foi combatido pelos governos Vargas, JK e João Goulart.


 


Conveniência e propaganda


 


Infelizmente, setores da esquerda – a esquerda não esquerdista, evidentemente – não compreendem que o problema das eleições para a Presidência da República não pode ser entendido apenas pela biografia dos candidatos. O determinante é a composição de forças que lançam ou apóiam o programa com o qual o candidato se compromete. O presidente não faz sucesso somente por que ele se chama Luis Inácio Lula da Silva. As condições atuais do Brasil tornam necessária e urgente a arregimentação de forças para lutar pelo desenvolvimento do país. O processo eleitoral é um momento privilegiado para a escolha de um rumo, para a vitória de uma política capaz de assegurar as condições necessárias à marcha do progresso.


 


Isso quer dizer que a reeleição de Lula requer um programa fundado primordialmente no avanço da democracia política e econômica. Num movimento desta natureza, são comuns manifestações esquerdistas e direitistas, que precisam ser contornadas com firmeza política. A defesa da ética não se esgota em fórmulas, em palavras, em pregações principistas. É a atividade do cotidiano, as ações concretas, julgadas pelas suas conseqüências, que determinam a conduta de um governo. O neoliberalismo causou males profundos ao Brasil, de que só agora muitos brasileiros começam a se dar conta. Essa cruzada moralista da direita se limita à lula de classes. É tudo uma questão de conveniência e de propaganda.         


 


 

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