História do PCdoB no Rio Grande do Sul

Contando a história do primeiro período (1922 a 1943)
 
“Canta a tua aldeia e cantarás o mundo” (Anton Chekov)

(…) Dentro da pluralidade, olhar o regional, discutir com amplitude os valores do local. Quem can

Entre os pioneiros sobre a atuação no estado, merece destaque Comunistas gaúchos: a vida de 31 militantes da classe operária, de João Batista Marçal.[2] Esta obra, lançada em meados da década de 1980, traçou mini-biografias de importantes lideranças do Partido em seus primeiros anos, mostrando a vida e a luta de Isaac Akcelrud, Aparício Córa de Almeida, Hermenegildo Assis Brasil, Beatriz Bandeira, Mário Couto, André Trifino Corrêa, Abílio Fernandes, Angelina Gonçalves, Edith Hervé, Otto Alcides Ohlweiller, Paulo Paiva de Lacerda, Dyonélio Machado, Ivan Pedro de Martins, Eloy Martins, Abílio de Nequete, Laci Osório, Lila Ripoll, Lucas Fortes dos Santos, Santos Soares, Juvenal Jacinto de Souza, Universina Torres Tasch, Deburgo de Deus Vieira, Geminiano Candiota Xavier, entre outros. Trata-se de singelos, mas fundamentais retratos daqueles que ainda não estão nos nossos livros didáticos porque estes ainda estão construídos sobre a ótica das classes dominantes gaúchas.


 


Outra obra fundamental para a trajetória comunista no Rio Grande do Sul é Um depoimento politico: 55 anos de PCB. Memórias de um metalúrgico,[3] escrita por Eloy Martins, militante que ingressou no Bloco Operário e Camponês (BOC), em 1928 e, no Partido, em 1933. Entusiasmado, após um evento que abordou os 70 anos da Revolução soviética, realizado em Porto Alegre, em 1987, Martins, falecido em 2005, sintetizou a sua trajetória de militante operário e partidário entre os duros anos de repressão policial, a clandestinidade e a atuação semi-legal, ultrapassando as ditaduras do Estado Novo e a Militar Pós-1964, quando foi preso e barbaramente torturado.[4]


 


Alguns trabalhos têm tangenciado a temática, trazendo contribuições importantes para a história do Partido e sua relação com o movimento operário e outros movimentos políticos, ou, inversamente, do movimento sindical e sua relação com a política partidária.[5]


 


Porém, sobre o primeiro período da história do Partido, apenas recentemente as pesquisas têm resultado em trabalhos mais aprofundados sobre o tema.


 


Em 1997, Raul Machado Kroeff Carrion escreveu o texto Partido Comunista do Brasil no Rio Grande do Sul – 1922-1929.[6] Trata-se de um resgate da fundação do Partido, seus primeiros combates e sua relação da construção nacional com a sua organização regional. Este, marcou o início de uma trajetória recente que, de forma sistemática, centra a análise na história do Partido no estado. Baseado em referências bibliográficas,  traz sucintamente a trajetória da luta da classe operária brasileira e gaúcha e sua passagem de “classe em si” em “classe para si”, mostrando seu corte radical e de conteúdo revolucionário. Como o próprio autor aponta nas conclusões, entretanto, nesta faze inicial, devido à influência anarquista na sua fundação, predominou um forte apoliticismo e uma baixa consciência organizativa.


 


Em 2005, a tese de doutorado de Leonardo Guedes Henn, abordou As concepções de revolução produzidas pela Internacional Comunista e por seus organismos da América do Sul para as colônias e semicolônias, especialmente para a América Latina (1919-1943). Defendida na Unisinos, em São Leopoldo, baseia-se, em boa parte, em variada bibliografia da historiografia e das ciências sociais e utiliza documentos de arquivos, se referindo aos organismos da Internacional Comunista, sobretudo o Secretariado Sul-Americano e o Birô Sul-Americano da IC. Seu maior mérito foi demonstrar que estes organismos não foram simples apêndices da III Internacional quanto à transposição de suas diretrizes para a América Latina. Esta tese, lida em sua relação com o Brasil e o Rio Grande do Sul, amplia as visões sobre as táticas das frentes classistas e frentes amplas que marcaram a história comunista neste período.


 


Finalmente, no final de agosto de 2006, foi defendida a dissertação de mestrado Da organização à frente única: a repercussão da ação política do Partido Comunista do Brasil no movimento operário gaúcho (1927-1930), de autoria de Artur Duarte Peixoto.[7] Duarte está entre os jovens pesquisadores que vêm se destacando na reconstrução da trajetória do Partido Comunista do Brasil e sua relação com os trabalhadores e o seu movimento organizado.[8]


 


Sua dissertação enfrenta tenazmente a dificuldade de fontes, pesquisando em variados arquivos e referendando-se em extensa bibliografia de apoio. Esta opção deu vigor ao texto, sendo mais um trabalho de caráter historiográfico, somando-se aos que vêm resgatando a história do Partido, demonstrando que ainda há muito a ser resgatado sobre o tema. Destaca-se, sobretudo, a reafirmação de uma interpretação que enfrenta os modismos teóricos, em especial aqueles que negam a luta de classes no processo histórico.


 


A dissertação é oferecida aos comunistas, os quais “dedicaram suas vidas a uma causa em que acreditavam”,  em uma região que foi, segundo o autor, “um dos berços do comunismo no Brasil”, devido à participação do barbeiro Abílio de Nequete na fundação do Partido, em 25 de março de 1922.


 


Sem deixar de ser crítico, assinalando inicialmente a precariedade teórica e de organização dos militantes partidários, mostra a tenacidade daqueles que levaram adiante a tradição marxista e bolchevique no estado.


 


Artur Peixoto destaca que o Grupo Comunista de Porto Alegre, juntamente com o Grupo Comunista do Rio de Janeiro, são os principais articuladores dos outros organismos comunistas espalhados pelo país na convocação do congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil, o qual foi chamado para março de 1922, no Rio de Janeiro, de certa forma apressado e realizado pouco antes das previsões, a fim de que os militantes conseguissem enviar em tempo hábil um representante ao IV Congresso da IC, marcado para o dia 5 de novembro de 1922, na União Soviética.


 


No recorte proposto pelo autor, é destacada a criação do BOC, como ele foi progressivamente ocupando o espaço e assimilando as atribuições do Partido, após 1927, e como ele foi se tornando visível para os outros grupos e para si próprio.  Na conclusão, Peixoto destaca que “com o crescimento da repercussão da atuação dos comunistas na dinâmica do movimento operário e sindical” e a “intensificação da perspectiva política dessas ações, ao reivindicar a aplicação efetiva de direitos sociais e melhores condições de vida e trabalho para a classe trabalhadora, lançar candidatos próprios à eleição de 1930, disputar espaço tradicionalmente ocupado por inteiro pela elite política gaúcha, e negar apoio à Aliança Liberal de Getúlio Vargas”, o Partido despertou nas classes dominantes sulinas uma grande preocupação. Com o influxo à esquerda, a “tolerância da elite política gaúcha” pra com os comunistas terminou e, em decorrência, violenta perseguição policial atingiu os membros partidários.  


 


Este processo, principalmente, após o VI Congresso da III Internacional, a tática de classe contra classe, traduzido na posição política de frente única e na “proletarização” (ou obreirismo, com o afastamento dos intelectuais da direção partidária), o qual, somado com a repressão e o não-apoio ao Movimento de 1930, resultou no grande refluxo da atividade comunista no Rio Grande do Sul, como acontecera em todo o país. Para o autor, o resultado foi o rompimento “com a não muito sólida” relação do Partido com o movimento operário e sindical gaúcho. Isto fez com que esta relação desaparecesse por algum tempo. Mesmo assim, esta atuação, como conclui Artur Peixoto, foi fundamental para a consolidação da organização do Partido Comunista do Brasil no estado e para o crescimento das suas propostas entre os trabalhadores.


 


O trabalho de Artur conseguiu resgatar mais uma parte de um tema tão caro à historiografia gaúcha, que ainda tem muito a oferecer, mas agora menos depois desta dissertação.


 


Vem somar-se às pesquisas anteriores, os quais vêm contando a história do Partido Comunista do Brasil no Rio Grande do Sul, contrapondo-se a uma história mentirosa que insiste em omitir esta trajetória.


 


Notas


[1] É famosa a frase do poeta sobre o Partido Comunista do Brasil: “… quem contar a história do nosso povo e seu heróis tem que falar dele, ou estará mentindo”.


 


[2] Cf. Porto Alegre: Tchê, 1986.


 


[3] Cf. Porto Alegre: Palotti, 1989.


 


[4] Ler, também do autor, Tempo de cárcere: memórias. Porto Alegre: Movimento, 1981. Sobre sua militância, prisão e torturas durante a Ditadura Militar.


 


[5] Destaco aqui KONRAD, Diorge Alceno. 1935: a Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUC-RS, 1994 (Dissertação de Mestrado), “Operários no Rio Grande do Sul (1930-1937): conflitos entre identidade nacional e identidade de classe”. In. Os trabalhos e os dias. Ensaios de interpretação marxista. Passo Fundo: Ed. da UPF/Centro de Estudos Marxistas, 2000 e O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos (1930-1937). Campinas: Unicamp, 2004 (Tese de Doutorado); KONRAD, Glaucia Vieira Ramos. Os trabalhadores e o Estado Novo no Rio Grande do Sul: um retrato da sociedade e do mundo do trabalho. Campinas: Unicamp, 2006 (Tese de Doutorado); FORTES, Alexandre. “Buscando os nossos direitos…”. Trabalhadores e organização sindical na Porto Alegre de 1933 a 1937. Campinas: IFCH-UNICAMP, 1994 (Dissertação de Mestrado) e Nós do Quarto Distrito…: a classe trabalhadora porto-alegrense e a Era Vargas. Caxias do Sul, RS: Ed. da UCS, Rio de Janeiro: Garamond, 2004; LONER, Beatriz Ana.  Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1930). Pelotas: Ed. da UFPEL/Unitrabalho, 2001; SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1930-1934). Porto Alegre: Ed. PUC-RS, 2001.


 


[6] Texto desenvolvido como trabalho final da disciplina Técnica de Pesquisa em História, orientado pelo Profº Paulo Moreira. Porto Alegre: UFRGS, 1997. Mimeo.


 


[7] A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em História da UFGRS e teve a orientação da Profª Dra. Sílvia Regina Ferraz Petersen.


 


[8] Ver do autor o artigo “Aliança Nacional Libertadora: organização, mobilização e repressão em Pelotas”. In: GILL, Lorena Almeida; LONER, Beatriz Ana; MAGALHÃES, Mario Osório (orgs.)  Horizontes urbanos. Pelotas: Armazém Literário, 2004.

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