Belo Monte, Balbina & Três Gargantas

“Estão com raiva de mim, querem que eu deixe de ser o cacique. Dizem que eu sou a favor da hidrelétrica. Eu cansei dessa história, não quero participar de reunião, de audiência. Só quero trabalhar na roça e garantir meu sustento”. Cacique Manuel Juruna.

“A área indígena precisa de um cacique que faça mais pelos índios. Vamos tirar o Manuel. O motivo principal é Belo Monte. Ele é a favor da construção da usina e a maioria aqui é contra. Os índios já escolheram Giliard, de 25 anos, como seu substituto.” Ozimar Juruna.

As expressões acima revelam dois sentimentos distintos e antagônicos.

O desabafo do cacique Manuel Juruna expressa o desânimo e traduz bem o sentimento de quem há mais de 20 anos é pressionado por um lado e pelo outro para se posicionar sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte ou Kararaô, assunto sobre o qual não tem, obviamente, nenhum conhecimento técnico. Certamente ficou sensível aos argumentos técnicos dos especialistas e a expectativa de compensações que serão oferecidas aos atingidos pela construção.

Juruna era uma das lideranças que em 1989 estava no Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira, Pará, no qual a índia Tuíra ameaçou degolar José Antonio Muniz Lopes, então presidente da Eletronorte e hoje presidente da Eletrobrás.

De outro lado, a declaração de guerra de Ozimar Juruna revela o antagonismo que tal assunto tem provocado entre eles e, mais grave, expressa o dilaceramento das relações – outrora fraternas – entre irmãos daquela região. Provavelmente o índio Ozimar ficou mais sensível aos argumentos dos que se levantam contra a construção de Belo Monte, dentre os quais Sting, James Cameron, Sigourney Weaver e o Fórum Indígena da ONU, os quais, até o presente sequer condenaram o vazamento de óleo do golfo do México, que já atinge 5,5 mil quilômetros quadrados e tende a ser um dos maiores desastres ambientais do planeta. Até agora só “condenação” protocolar.

O que motiva, o que anima opiniões tão distintas, sobre um mesmo assunto?

A resposta não é técnica. É política e ideológica. Reside na concepção que cada grupo de polemistas possui sobre a ocupação da Amazônia e o uso de seus recursos naturais. Podemos sintetizá-las em produtivistas, santuaristas e sustentabilistas.

Os produtivistas são aqueles que construíram a hidrelétrica de Balbina, em Presidente Figueiredo, Amazonas. Gastaram mais de 01 bilhão de dólares e inundaram uma área de 2.360 km2 para construir uma hidrelétrica com 250 megawatts (mW) de potência instalada e apenas 120 mW de geração real. A área inundada equivale a 9,5% da superfície do município. Para cada megawatt instalado foi necessário inundar 9,44 km2 ou 19,66 km2 se a conta for apenas para megawatt efetivamente gerado. Não é necessário ser especialista para compreender porque todas as pessoas com um mínimo de bom senso eram contra a construção da hidrelétrica de Balbina. Nessa empreitada santuaristas e sustentabilistas estavam juntos, por razões distintas.

Os santuaristas são os que se levantaram contra Balbina, Belo Monte ou a recuperação da BR 319 que liga Manaus a Porto Velho (RO) e conseqüentemente ao restante do Brasil. Embora argumentem que a motivação é ambiental, o que lhes anima efetivamente é a concepção de que a Amazônia é patrimônio da humanidade e, portanto, deve ser gerida por toda a humanidade. Por essa concepção qualquer uso da Amazônia deve ser evitado para assegurar que seus abundantes recursos naturais permaneçam intocáveis como reserva estratégica de seus “donos”. Parece delírio, temos que reconhecer, que alguém pense e aja assim, especialmente se for brasileiro, mas os exemplos e a prática cotidiana são por demais abundantes para que tenhamos qualquer dúvida quanto a este propósito.

Identificar tais concepções ideológicas nos ajuda a compreender porque esses ativistas continuam contra a construção de Belo Monte ou a recuperação da BR 319 mesmo quando todas as providências mitigadoras foram providenciadas, quando instituições de elevada competência técnica e respeitabilidade profissional elaboraram os estudos de impacto ambiental e as licenças ambientais foram expedidas por órgãos oficiais credenciados como o IBAMA, de cujo rigor ninguém tem dúvidas.

É que essa corrente ideológica não quer rigor no licenciamento ambiental, como querem os sustentabilistas. O que os santuaristas querem é impedir o uso da Amazônia através da tática do bloqueio.

Os sustentabilistas, em contraposição aos produtivistas e santuaristas, partem da premissa de que não há ação humana ou natural sobre a face da terra que não provoque impacto ambiental e, também, que não há recurso natural inesgotável. Assim, não apenas o uso desses recursos deve ser racionalizado como a sua utilização deve ser em consonância com o mais elevado conhecimento científico e tecnológico contemporâneo. Para os sustentabilistas, portanto, o rigor dos estudos científicos, das normas mitigadoras e da exigência criteriosa do licenciamento ambiental são medidas necessárias para minimizar o impacto ambiental e otimizar o uso dos recursos naturais e não uma medida protelatória para impedir que a ação efetivamente aconteça.

Essas são diferenças essenciais entre sustentabilistas e santuaristas. E, sem dúvidas, explica porque os sustentabilistas são a favor da construção de Belo Monte e se levantaram contra a construção da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas.

Belo Monte, Balbina e Três Gargantas – um debate comparativo

Balbina, como exposto acima, foi uma irracionalidade sob todos os sentidos e certamente só foi construída porque na época não havia uma legislação ambiental estruturada. Felizmente algumas das tragédias ambientais que prevíamos não se materializaram, como a “podridão” de seu imenso lago de 2.360 km2 pela decomposição da floresta que com ele sucumbiu. O lago é piscoso e não há qualquer fedor aparente, embora alguns articulistas continuem dizendo o contrário, por ignorância ou má fé.

Belo Monte, como todos sabem, será a 3ª maior hidrelétrica do planeta e a 1ª do Brasil. Será superada apenas pela chinesa “Três Gargantas”, construída no rio Yang-Tsé, com potência instalada de 18.299 mW e pela binacional “Itaipu”, com 14 mil mW de potência instalada.

Seu projeto original também foi questionado por nós. Os estudos de impacto ambiental, a mobilização popular e mais de 20 anos de questionamento e debates públicos fizeram com que a obra se tornasse tecnicamente defensável.

A área inundada, originalmente prevista, era de 1.250 km2. Foi reduzida para 516 km2, o que lhe confere o melhor custo beneficio em termos de impacto ambiental. Comparemos: Balbina precisou inundar 9,44 km2 de área para gerar 01 mW instalado; Tucuruí só precisou de 0,290 km2 para gerar o mesmo mW; Itaipu gerou cada mW instalado com apenas 0,096 km2 e Belo Monte não precisou de mais do que 0,046 km2 por cada um de seus 11.233 mW de potência instalada.

Os 516 km2 de área inundada da hidrelétrica terão repercussão numa região que abrange 05 municípios (Altamira – o maior do mundo com quase 160 mil km2 – Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu) e cuja área total é de 195.219,815 km2, o que significa que apenas 0,26% da área será comprometida.

Não creio, honestamente, que isso inviabilize qualquer outra atividade econômica na região.

Três Gargantas, a gigante chinesa, é a que mais se aproxima de Belo Monte em termos de racionalidade da área inundada e megawatts gerados. Com 18.299 mW de potência instalada e uma área inundada de 1.084 km2, a relação é de 0,059 km2 inundado para cada megawatt gerado.

Mas as semelhanças param por aí. Enquanto a população removida em Belo Monte será de 20 mil, segundo dados oficiais, na área de Três Gargantas serão removidos mais de 1,2 milhões de pessoas. Nada menos do que 160 vilas e cidades inteiras serão tragadas pelo lago de mais de 600 km de extensão. Sítios arqueológicos milenares terão o mesmo destino. Mas os chineses sabem do caráter estratégico da energia para o desenvolvimento das forcas produtivas socialistas ou capitalistas e seguiram em frente com a maior hidrelétrica do planeta.

Como se pode ver nem todos os povos tem o privilégio, como o Brasil, de buscarem o suprimento de energia a um custo ambiental relativamente pequeno quando comparado com os demais exemplos aqui mesmo mencionados.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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