A Cidade de São Paulo & O Consórcio das Oligarquias

“O que é a cidade senão as pessoas?” – Shakespeare (Coriolanus, 3º ato)

Em 1885, São Paulo tinha 47 mil pessoas, aumentando para 240 mil em 1900. Hoje, contando quase 20 milhões de pessoas, a região metropolitana de São Paulo é a décima cidade mais rica do mundo, responsável por 13% do PIB nacional.

Paralelamente, a política de urbanização extensiva que pavimentou todo esse crescimento durante o século 20 se mostra insustentável à nossa geração, uma vez que o processo de incorporação horizontal de áreas rurais adjacentes aos núcleos urbanos chegou ao seu limite. De fato, tanto as barreiras físicas (serras e rios) como o custo do transporte colocam claros limites a esta forma de ocupação do espaço, a qual cria distâncias que mais tarde se tornam arrependimentos.

Notamos, com facilidade, que a ausência dos órgãos governamentais nas áreas mais distantes, logisticamente menos acessíveis, levou ao crescimento da pobreza, da criminalidade e da violência na periferia da cidade. Apesar disso, a urbanização extensiva continua a ocorrer na direção noroeste da cidade, a 50 km da Praça da Sé, bem como na região de Parelheiros, de forma descontrolada.

Em síntese, a realidade precária da periferia paulistana é conseqüência direta de um desenho urbano que, com o passar do tempo, concretizou o isolamento e à segregação de milhões de cidadãos.

Entre 1924 e 1926, os engenheiros Ulhôa Cintra e Prestes Maia apresentaram estudos para a abertura de avenidas rádio-periféricas, formadas por três grandes anéis de circulação – em volta da zona central, da zona urbana e uma parte da zona suburbana. Em 1927, esse projeto seria apoiado pelo presidente da república, Washington Luiz, cuja carreira política se fez em São Paulo.

O presidente havia sido um dos fundadores do Automóvel Club e agora promovia o desenvolvimento de São Paulo e a estruturação de seu subúrbio em paralelo ao desenvolvimento do setor automobilístico. A cidade do crescimento sem barreiras se tornava a cidade do crescimento ilimitado: era apenas necessário, de tempos em tempos, organizar anéis periféricos sucessivos e radiais para assegurar a ligação com o centro desse imenso subúrbio, sempre em expansão.

A nomeação de Prestes Maia como prefeito de São Paulo e a prioridade dada à execução do Plano de Avenidas consolidariam um modo de governar a cidade às avessas do público, afirmando as tendências de segregação e de auto-segregação social que já vinham se desenvolvendo em torno da apropriação das palavras “Vila” e “Jardim” desde o tempo da Light (The São Paulo Tramway Light & Power) em 1899, e da City (The City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited), criada em Londres em 1911.

Três gerações após Prestes Maia ter casado o automóvel com o urbanismo paulistano, temos um surpreendente fenômeno contemporâneo em São Paulo: a “favela da periferia”, como se pode ver na região entre Guarulhos e Itaquaquecetuba, também chamada de “hiperperiferia”. Somadas às mazelas da periferia, estas favelas reúnem condições socioeconômicas e urbanísticas particularmente precárias.

Segundo o IPEA, existem hoje mais de 7 milhões de pessoas na grande São Paulo sob risco social. São milhões de pessoas que lutam a todo instante por sua sobrevivência material imediata, pessoas que ficam isoladas, sem a capacidade de se mobilizar dentro de sua própria cidade porque não podem pagar o transporte público: a passagem de ônibus representa o almoço dos filhos para centenas de milhares de paulistanos. Em suma, o cidadão isolado não tem meios para sequer sair em busca do sustento de sua família.

Com o tempo, os engenheiros foram tomando conta da cidade e toda uma estrutura de construção civil baseada no trabalho intensivo foi estabelecida. Presentemente, os interesses das empreiteiras se encontram arraigados nos processos político-econômicos e representam uma barreira enorme à modificação da matriz de transportes da cidade, já que o grosso do dinheiro financiando os políticos vem de contratos de obras.

Três gerações após a engenharia de Prestes Maia, o prefeito Gilberto Kassab faz perpetuar a mesma direção. Engenheiros tendem a seguir planos pré-estabelecidos, pois são treinados para isso. Entre os tristes resultados de toda essa engenharia, hoje o automóvel é responsável por 20 mortes diárias em São Paulo por conta de acidentes e da poluição do ar, segundo o Prof. Saldiva da USP, sem falar em milhares de vítimas que sofrem lesões permanentes.

A presença do automóvel na cidade de São Paulo é desmedida a ponto de causar mais da metade da poluição do ar da cidade. Temos na cidade de São Paulo uma frota de 6 milhões de automóveis particulares, com circulação diária de 3.5 milhões, em um cenário kafkaniano, particularmente em dias de chuva, quando as filas de congestionamento e os alagamentos tornam São Paulo intransitável.

Afinal, o consórcio entre os empreiteiros, a indústria automobilística e os políticos está bem registrado no desenho urbano da cidade de São Paulo. Por isso, para que se tenha uma cidade mais saudável, eqüitativa e solidária, será preciso primeiro desfazer o consórcio sinistro que controla a política urbana da nossa cidade.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho