O escândalo do panetone e a análise enfadonha da mídia

O mais recente escândalo político, desta vez envolvendo o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), demonstrou, mais uma vez, a dubiedade da mídia. O tratamento dado ao fato desmerece e condena a atividade política. Apesar das loas, repletas de lugar comum, à liberdade, o trabalho da mídia tem contribuído mais para o desgaste da democracia do que para o seu aperfeiçoamento.

No escândalo dos panetones (Arruda jura de pés juntos que o filme que o flagra recebendo dinheiro “não contabilizado” – digamos assim – foi usado para comprar panetones a serem doados aos pobres) quem ficou sujo na roda, além dos envolvidos, foi o Correio Braziliense, que se fez mais porta-voz do governador e chegou a ocultá-lo na manchete do primeiro dia do escândalo (”GDF e Distritais são alvo de investigação”). Como os principais meios de comunicação têm sucursal ou jornalistas na capital federal, contrastou visivelmente o tratamento do Correio e o dos outros jornais.

O Judiciário tem sido mais preservado pela mídia, talvez por temor das barras dos tribunais. Mas os meios de comunicação, o mais das vezes, reduzem o papel do Parlamento, em especial, e do Executivo a estereótipos, a relações, não de política, mas de negociatas. E como não há como desvincular a atividade política dos embates de classe, onde se destacam os conflitos econômicos, os flagrantes em que o poder do capital se faz presente ganham relevo. Notas de dinheiro vão parar nas cuecas, meias e bolsos de agentes políticos de variadas tendências partidárias, e “todos os políticos – e a atividade política – são sujos”…

Num estágio civilizacional em que é preponderante o monopólio econômico, inclusive da mídia, os receptores da comunicação são bombardeados por inúmeros analistas e formadores de opinião. Porém todos expondo, no essencial, as mesmas concepções. Assim, o telespectador assistirá, na Rede Globo, um âncora dizendo que o problema da política é a falta de ética e que a questão econômica é garantida pela liberdade de mercado. O leitor da Veja vai encontrar artigos de colunistas conceituados usando estilos diferentes mas registrando as mesmas ideias sobre a ética na política e a liberdade no mercado. Quem sintonizar a Rádio Band ouvirá locutores, cada qual com seu talento, martelando esses mesmos conceitos. As abordagens são plurais, mas o pensamento é único. Assim se constrói e se impõe a ideologia do capitalismo contemporâneo.

Jean-Marc Ferry considera que a atual concepção de liberdade de expressão é associada à liberdade de expressão dos conglomerados de comunicação e de seus jornalistas e analistas. Essa noção serve, segundo esse filósofo francês, apenas aos interesses econômicos das empresas privadas de comunicação que defendem, na realidade, “uma liberdade privada, pois é a liberdade de expressão dos patrões e dos jornalistas somente” – e eu acrescento, dos jornalistas que esposam as concepções e a ideologia de seus patrões monopolistas da mídia.

Opiniões que vão para além, ou que contestam, que o grande problema político de nosso tempo é a “ética”, ou que o desafio econômico vital de nossa era é a garantia do livre mercado, opiniões que contrariam esses dogmas não encontram guarida ou são ridicularizadas na mídia monopolista. Para estes prosadores da contracultura não há liberdade de expressão. Ou melhor, há. Mas desde que confinados ao gueto da “imprensa alternativa” ou dos desacreditados “veículos de esquerda”.

E que venha o próximo escândalo, pela esquerda ou pela direita, pelos governistas ou pela oposição. Serão todos monotematicamente tratados como “problema moral, ético”, fruto da ação de “políticos sujos”. Nada que desnude os profundos interesses de classe e os conflitos partidários e ideológicos que são seu verdadeiro pano de fundo.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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