Viagem à Coréia do Norte: o estado da economia

A contradição é o motor do processo. Até ai nenhuma novidade. Portanto, após algumas leituras sobre a Idéia Juche não podemos nos surpreender caso a própria realidade concreta se confronte com determinados postulados filosóficos.

Quero dizer com isso que a própria lógica inerente às leis econômicas impõe certos limites à concretude total da Idéia Juche. A interdependência de fatores econômicos na economia internacional e a crescente necessidade de a Coréia do Norte se inserir na Divisão Internacional do Trabalho pode ser o ponto de desarmonia que poderá alçar ou não este país a melhorias constantes no padrão de vida de sua população.

Mas, para quem anda com “alma armada” quando o assunto é Coréia do Norte, sugiro a leitura e a análise de uma frase de Confúcio: “não importa a velocidade da caminhada, o mais importante é caminhar”. E nossos irmãos da RDPC estão caminhando. Em seu próprio ritmo, mas estão caminhando. Eis o “x” da, ao questão. Ombreando com este imperativo da realidade está a política, e seu sentido strictu sensu.

Pode ser animador saber que a política nada mais é do que a arte da busca constante da convergência. Aconselhado pelo chefe das SS, Himmler, de abrir negociações com o ocidente com o intuito de salvar seu podre Reich, Hitler – antes de se suicidar na iminência de ser capturado vivo pelos exércitos de Zukhov –, deixou claro à sua claque bandida que eles teriam de enfrentar muita política após (a boa notícia de) sua morte.

Ascensão e queda

Outrora, o país tinha participação ativa e independente na divisão social do trabalho do mundo socialista (apesar de não participar do Comecom), com mercado garantido a seus produtos, eles sempre tiveram uma posição econômica muito melhor que a cubana. Se Cuba recebia seus proventos financeiros e militares com açúcar, a Coréia do Norte disputava com o Japão e o Brasil o posto número um em matéria de crescimento econômico entre os anos de 1953 e 1972.

Acredito que a raiz deste desenvolvimento encontra-se tanto na milenar capacidade de empreendimento do camponês asiático, quanto em fatores conjunturais, entre tais o desenrolar e desfecho da Guerra da Coréia que demonstrou aos norte-coreanos (dada a retirada de corpo dos soviéticos [que tiveram de lançar os chineses ao abatedouro] após ver o espetacular desembarque anfíbio, em solo sul-coreano, na retaguarda do exército popular norte-coreano, estrangulando-o pouco-a-pouco com a quebra das linhas de suprimento e comunicação do norte do país; além da inconteste superioridade aérea do imperialismo) que sem uma indústria de base nacional nada poderia ser feito nem em termos de manutenção do regime do norte do país e muito menos em matéria de reunificação.

Vale demonstrar alguns dados que o inimigo (em nome da “democracia” e dos “direitos humanos”) impingiu aos norte-coreanos, mais de quatro milhões de mortos; 50.941 plantas industriais destruídas, mais 28.632 escolas foram ao chão. Para quem defende a “independência do Tibet” por razões de “opressão cultural” é bom que se saiba que nem o templo budista de Myohyang, ao norte de Pionguiangue, e seus catorze prédios foram perdoados. Se duas torres foram ao chão em Nova Iorque em 11 de setembro de 2001, que as pessoas que amam a humanidade acima de quailquer coisa, devem ter em mente que Pionguiangue foi destruída até o último pilar!

O famigerado secretário de Estado dos EUA, Foster Dulles, naquela época gabou-se de que nem 100 anos seriam suficientes para a Coréia do Norte se levantar.

O país se levantou: segundo dados colhidos no Museu da Revolução Coreana, entre 1956 e 1960, a indústria de base teve crescimento de 361%. A indústria ligeira, 332%. Em 1958, a parte norte da Península estava capacitada à produção de caminhões e tratores. Sua agricultura, vitaminada por uma competente indústria química, até o final da década de 1980 cumpria papel de relevo no abastecimento alimentar do bloco socialista. A destruição de seu país por conta da guerra serviu para desnudar capacidades ociosas inimagináveis, sendo a principal delas a impressionante capacidade de trabalho e disciplina de seu povo.

As coisas corriam, apesar da concentração militar norte-americana no sul, muito bem até que na segunda metade da década de 1980, quando Gorbatchev decide partir para uma suicida experiência de Glasnost e Perestroika. Ignácio Rangel, expôs em 1992 que, desde então, as críticas contra Brezhnev voltaram-se contra Stálin que por sua vez voltaram à Lênin. A proscrição do marxismo e do socialismo na URSS passou à ordem do dia.

O preço pago pela humanidade e pela Coréia foi muito pesado. Desde então, a Coréia do Norte está tendo de enfrentar muita política numa conjuntura caracterizada por uma nada agradável correlação de forças. Como diria Lênin sobre o imperialismo: é a contra-revolução, como política e método de subversão da subjetividade humana, em toda linha sua linha. Yeltsin em Moscou, Collor e FHC no Brasil, Fujimori no Peru, Menen na Argentina… africanização da América Latina.

Triste década de 1990

O colapso econômico e o problema externo

O fim da URSS e seus satélites europeus, levou ao fechamento de simplesmente todos seus mercados externos. Indo ao empírico, entre os anos de 1986 e 1990 a economia coreana cresceu em média estimada de 3,4% ao ano. Aliás, a Coréia do Norte foi o país que mais cresceu no mundo socialista na década de 1980 (média de 4,6%). Em grande parte, este crescimento esteve diretamente relacionado ao esforço nacional de construção da Eclusa do Mar do Oeste, concluída em 1986. Situada na cidade litorânea de Nampo, 80 km. de Pioguiangue, esta obra objetivou a separação da água do mar da água do rio Daetong, resolvendo o problema de abastecimento de água da indústria e das cidades do país.

Já, entre 1991 e 2000, o PIB sofreu um recuo de 38%. Entre 2000 e 2005, o PIB reage satisfatoriamente à crescente integração com a Coréia do Sul, a China e a Rússia e algumas reformas de mercado recuperando 23% do terreno pedido anteriormente. O retorno às tensões com o sul e calamidades naturais diversas levaram a economia norte-coreana a um recuo de 4,2% entre os anos de 2006 e 2007. Em 2008, o país cresceu 1,5%, 2009 1,8% e a previsão para o presente ano é de 2,8% (1). Índice superior ao do Brasil, diga-se de passagem. Tais taxas de crescimento poderiam ser maiores caso a Coréia do Sul retomasse o programa de repasse de fertilizantes acordado a posteriori com o norte do país.

O colapso econômico pode ser auferido sob o aspecto das mudanças o que cerne os setores da economia. Por exemplo, o programa industrializante levado a cabo por Kim Il Sung transforou uma terra arrasada em uma nação industrial e próspera: em 1990, 49% da economia do país girava em torno de indústria de mineração, siderurgia e construção, enquanto que os serviços participava com 23% e a agricultura com 27%. Em 1997, a manufatura passou por intensa queda e chegou a 32%, com lenta recuperação para 36% em 2003. Neste mesmo ano, 2003, os serviços alcançaram a marca de 37% da economia, enquanto a agricultura patinou em 29%. Em 2007, a tendência de melhora da indústria é sintetizado pela marca dos 40%, os serviços 39% e a agricultura declinou para 21% do PIB (2).

É muito claro que a queda da participação do setor secundário da economia não é reflexo da alta do setor terciário. Existe um problema sério de falta de matérias-prima e um capital financeiro nacional que toca adiante a recuperação e o incremento do setor.

Não podemos esquecer de, pelo menos, dois feitos espetaculares: o lançamento de dois satélites de observação ao espaço, um em 1998 e outro no presente ano.

Pois bem, quais consequências analíticas poderemos tirar de tais números

1) o território norte-coreano é um grande limitador ao seu processo de retomada de crescimento, não é a toa que o sul do país era o celeiro do Império Japonês, enquanto o norte abrigava, a trancos e barrancos, uma mínima manufatura;

2) a economia ainda não recuperou os patamares do final da década de 1980, sendo que – por exemplo – as capacidades ociosas em sua indústria de base beira a patamares próximos de 60%;

3) o crescimento econômico verificado tem sido aumentado ou retrasado de acordo com o nível de tensão na península, inclusive o processo de reformas internas segue esse ritmo ditado pela conjuntura;

4) A pendência econômica norte-coreana está diretamente relacionada com a ultra-necessária retirada militar norte-americana do território sul-coreano, o reconhecimento norte-americano e japonês do regime e a, consequente integração econômica total com a Coréia do Sul e

5) O Brasil tem grande papel político e econômico a jogar nesse processo.

O limitador externo fica muito claro, por exemplo, em conversas com estrangeiros hospedados no mesmo hotel em que me encontrei, o Hotel Koryo. Reclamam demais com a lentidão dos processos de fechamento de contratos. Por exemplo, conversando com três italianos vindos aqui para oferecer frutas para importação, segundo eles, já faz duas semanas que as coisas não andam. Argumentei com eles que em primeiro lugar, os norte-coreanos apesar de comunistas, são asiáticos e que, portanto, os norte-coreanos estavam à espera de novas e melhores condições de negócio. Afinal, qualquer primeiro-anista de economia sabe que a crise faz com que os países do centro do sistema, além de acelerarem processos de fusões e aquisições, partem para uma verdadeira corrida em busca de mercados alternativos. E a turma de Kim Jong Il sabe muito bem disso. Esse pessoal, a começar pelo brilhante Kim Jong Il, de maluco e burro não tem nada. Nesta terra não há espaço para criadouro de espécies como Henrique Meireles, Marina Yankee Silva etc.

Não somente isso, países como a França e a Itália, mantém ótimas relações com os EUA e a Coréia do Sul, e que portanto, qualquer elemento desse tipo deveria passar por muitos constrangimentos antes de quererem se instalar na Coréia do Norte. Olha que chance de ouro para o Brasil!

Mais, estrategicamente desde a crise financeira asiática de 1997 (cujo epicentro foi a Coréia do Sul),o imperialismo vem tratando de minar a a capacidade de financiamento da Coréia do Sul, ora pela imposição do FMI de privatização do sistema financeiro sul-coreano, ora por fazer a Coréia do Sul “engolir pela culatra” empréstimos “casca de banana” de curto prazo, além de ameaças de fechamento do mercado norte-americano à indústria automotiva sul-coreana. O alvo nem precisa explicar: a inviabilização de qualquer processo que encete a reunificação da península e a consequente perda de influência dos EUA na Ásia, tanto para a China quanto para uma “nova Alemanha reunificada”, agora em solo asiático.

Reformas, estrangulamento financeiro e política monetária

Na estação fronteiriça da China com a RDPC, uma leva de norte-coreanos adentraram ao vagão. Como disse antes, muito alegres e festeiros. Pensei comigo: vou tentar puxar papo. Após algumas tentativas frustradas por conta da barreira do idioma, consegui achar um que falava um inglês excelente. Profissão: comerciante. Comerciava magnesita coreana por petróleo e grãos da China, além de uma série de insumos industriais. Figura altamente politizada (aliás, a politização é uma marca registrada desse povo), de forma calma me explicava os mecanismos de estrangulamento financeiro impetrado pelos EUA,além dos passos dados pelo governo central no sentido de uma “certa” liberalização econômica.

Não resisti em perguntar ao camarada o quanto ele ganhava. Respondeu-me que seu salário dependia de seu rendimento em matéria de negociações. Quanto mais e melhores, mais retorno tinha para si.

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Esse tipo de relação de produção pautada pela eficiência é uma marca registrada pelas incipientes reformas econômicas iniciadas em 2002 no setor comércio exterior. Essas reformas vieram para a institucionalização de relações que a priori já existiam desde o final da década de 1990, quando um fôlego dado pela tendência de recuperação econômica passou a permitir, por exemplo, a troca de cupons de racionamento por moeda circulante. Era a objetividade das leis econômicas batendo nas portas da RDPC. O aumento da massa salarial – e consequentemente da circulação monetária – necessariamente, redunda na necessidade de um mínimo jogo entre oferta e procura.

Analisando informações produzidas por órgãos estatais norte-americanos e sul-coreanos percebe-se o equívoco ao afirmarem da existência de algumas experiência de “contratos de responsabilidades” – similares aos chineses pós-1978 – foram assimiladas pelos norte-coreanos. A bem da verdade, conversando com economistas da RDPC, a permissão de existência de pequenos lotes privados sempre existiram. Aliás, fora uma exigência de grupos nacionalistas à fusão com o partido comunista em 1948 à formação do Partido do Trabalho da Coréia. O que passou existir, de fato, foi uma autorização e extensão para a compra e venda, em pequenos mercados rurais, de utensílios domésticos e a venda de víveres e cereais em mercados de pequeno e médio porte de cidades como a capital Pionguiangue. Sob particular ponto de vista – com uma ponta de especulação –, essas experiências de tipo mercantis pelo país esbarram em alguns obstáculos, entre eles: 1) a falta de um sistema de financiamento com um mínimo de liquidez; 2) a baixa produtividade da indústria química e da quebra de remessas de fertilizantes pela Coréia do Sul; 3) a ainda necessária ênfase a investimentos em seu complexo industrial-militar; 4) frequentes calamidades naturais e 5) em problemas de ordem puramente ideológicas.

O PIB da RDPC gira em torno de US$ 54 bilhões se levando em conta o padrão de cálculo via PPP (paridade de poder de compra). Sob a forma clássica de cálculo, o PIB cairia para US$ 26 bilhões. O governo norte-coreano se depara com uma situação de administrar déficits . Para uma população total de 22, 6 milhões, tendo uma população economicamente ativa de 72% deste total, sua renda per capita é de US$ 2.248, semelhante a de países como Zimbábue, Bangladesh,Usbequistão e Sudão. Este déficit comercial é amainado por operações financeiras externas, entre elas a remessa de dinheiro de coreanos étnicos residentes do Japão e de operações financeiras em paraísos fiscais como Macau. Para a esmagadora maioria dos analistas internacionais, tais operações (em Macau, sob vistas grossas da China, p. ex.) são operações ilegais. Sob meu ponto de vista, o julgamento acerca da ilegalidade ou não de tais, dependem da consciência de classe de cada um. Para mim, são plenamente justificadas.

Para piorar a situação, os canais de remessa de dinheiro externo foram todos congelados pelos Estados Unidos. Para termos uma idéia, inclusive os salários dos diplomatas estrangeiros residentes em Pinguiangue tem sido tratado de forma constrangedora, pois boa parte desta remessa passam por bancos sediados em Nova Iorque.

Com esse quadro, fica mais claro perceber que ao se falar em reformas de ” tipo chinesa” na Coréia do Norte, devemos comparar distintas conjunturas históricas, sendo a principal delas o fato de atualmente a RDPC encontrar-se na “alça de mira” do imperialismo (ao contrário da China em 1978), imperialismo esse, cuja moeda é ainda (e por muito tempo ainda) o principal elemento de intercâmbios comerciais e financeiros do mundo. Esse poder sob o sistema monetário internacional capacita, inclusive, ao asfixionamento financeiro de terceiros países.

Neste caso, todas as operações comerciais externas, principalmente com os europeus, ficam à mercê de do gosto ou não dos Estados Unidos e da Coréia do Sul. Por exemplo, a França, do pró-norte americano Sarkoszi, não vede uma agulha à RDPC sem a anuência dos EUA e da Coréia do Sul. És uma situação muito diferente da chinesa em 1978, que pode contar, pasmem, em 1982 com empréstimos provindos de bancos japoneses. Não esqueçamos que outro complicador (imposto pela conjuntura) encontra-se no fato de, pelo menos 20% do orçamento estatal ter de estar voltado às atividades militares.

O que resta à Coréia do Norte, em matéria de política monetária, sendo que – para Lênin – a política monetária tem como uma de suas atribuições a administração econômica de determinadas conjunturas? O que é um “comunismo de guerra” em matéria de política monetária?

Então, ironicamente, se o imperialismo os estrangulam financeiramente, os estrangeiros em visita pelo país “pagarão o pato”. Inteligentemente, coexistem a moeda oficial (won) restrita aos locais, e o Euro, o Dólar e o Yuan utilizado pelos estrangeiros. A ausência de uma economia de mercado lhes permite que o financiamento do Estado e das importações sejam auxiliadas por uma elevação às alturas dos preços praticados aos estrangeiros. Por exemplo, se uma agulha tem custo de importação de 0,5 euros, essa mesma agulha vai ser vendida no varejo – a estrangeiros – pelo menos 5 euros. Evidente que paga esse preço quem quer, mas se a agulha (pode ser outros exemplos, como creme dental…), for essencial, não existe saída. Assim se estende essa politica para quem quer utilizar internet. Um copo de café (café solúvel importado da Alemanha – o Brasil deve quebrar esse monopólio vergonhoso) custa para um estrangeiro exatamente 1 euro. Comunismo de guerra muito bem gerido.

Investimentos estrangeiros e Zonas Econômicas Especiais

Interessante perceber, que apesar de as reformas econômicas terem ganho pulso a partir de 2002, uma lei permitindo investimentos estrangeiros data de 1984. Entre 1984 e 1994 ocorreram 148 casos de investimentos estrangeiro s com montante total de cerca de US$ 200 milhões, sendo que 131 proveram de norte-coreanos residentes no Japão (3).

Cerca de dez cidades do país tem recebido investimentos estrangeiros. A larga maioria das empresas investidoras são da Coréia do Sul, com cerca de 50. Os chineses e os russos, dividem o restante dos investimentos, quase todos eles voltados para o setor de mineração. Analisando o marco regulatório da RDPC para investimentos estrangeiros, veremos (tive acesso a contratos assinados por chineses com norte-coreanos) que os norte-coreanos não enquadram os chineses no artigo 41 que restringe investimentos capazes de “abrir portas à poluição espiritual”. Os chineses tem especial interesse numa “abertura” norte-coreana, pois o país além de maior produtor de magnesita do mundo, tem reservas razoáveis – e já comercializáveis com os chineses – em carvão e ferro. Outra reserva de mercado está no cabeamento óptico ligando a China a RDPC.

Existem relações com países periféricos, de tipo Egito. Existe, vamos dizer uma casta no país que anda munidos de celulares, geralmente os intelectuais e a alta burocracia do governo. Ao procurar saber a origem dos aparelhos e das linhas, descobri (por um egípcio que se encontrava no Hotel Koryo) que as tecnologias da linhas são fonte de joint-venture entre uma empresa privada egípcia (Orascom Telecom) e o Ministério das Telecomunicações do RDPC. Já, os aparelhos são fabricados pela estatal chinesa Huawei (4). O Egito, amigo da RDPC desde os antiimperialistas tempos de Nasser, também trabalha em conjunto com a Coréia do Norte em um hotel luxuoso, próximo do centro de Pionguiangue. Além destas parcerias, existem investimentos conjuntos RDPC-França- Egito na produção de cimento em território norte-coreano. Segundo este funcionário egípcio, uma larga reserva de mercado tem se aberto na RDPC. E completou: “é só termos só um pouco do 'espírito asiático'. Paciência, quis ele dizer…

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Concentrando o foco na questão da assimilação de experiências de tipo Zonas Econômicas Especiais (ZEE's), seria importante dar ênfase à maior e melhor sucedida experiência vivida até o momento pela RDPC, a experiência do Complexo Industrial de Kaesong (CIK).

Empreendimento financeiro gerido pela Hyundai sul-coreana e um órgão estatal norte-coreano. Aberto em 2006, fica situado na fronteira entre os dois países. Linhas e transmissão de energia fora transferido diretamente de Seul. Seu projeto inclui três estágios no primeiro com o objetivo de alocar 300 empresas, o segundo com 700 e a terceira com 1000 empresas e com 300 mil trabalhadores. Em 2006 o CIK produziu US$ 7,5 milhões; esse montante chegou a US$ 17,1 milhões e em 2008, US$ 250 milhões (5).

O espaço é curto, e no futuro poderei escrever muito mais sobre esse empreendimento, que corre independente dos problemas diplomáticos entre os dois países. Mas, gostaria de me ater em dois aspectos puramente estratégicos que envolvem o projeto.

Primeiro, sobre a Coréia do Sul. O que mais me chamou a atenção estudando esse projeto, foi a – apesar de administrado pela Hyundai – não presença de nenhuma empresa de grande porte no CIK. O que isso significa? Significa que estes investimentos não são parte de nenhum “favor” feito da parte sul à parte norte do país. Muito pelo contrário, fica latente que o fato de os custos de produção na China estarem subindo, mais os pesados efeitos, sobre a economia sul-coreana, da crise financeira, uma das últimas chances de abertura de novos campos de acumulação está na absorção do território econômico da Coréia do Norte. Se as grandes empresas coreanas já encontram – a trancos e barrancos – seu lugar ao sol no mercado internacional, o momento é de fortalecer pequenas e médias empresas encetando no futuro a formação de novos chaebols, capazes de tocarem o capitalismo de Estado coreano adiante.

Já o lado norte-coreano da história. Não sou uma pessoa que gosta de incidir em superficialidades. Posso estar enganado, equivocado, mas cada opinião particular que emito é síntese de alguma reflexão nada tranquila. Neste sentido, reafirmo que Kim Jong Il é simplesmente brilhante. Pois, ele sabe que a unidade política e ideológica da parte norte da península é uma conquista que lhe garante tranquilidade para poder ter uma visão de conjunto do problema. Ou seja, ele sabe que o tempo corre a favor dele, que a Coréia do Sul depende desesperadamente dos potenciais 22 milhões de consumidores do norte para continuar sua marcha acumulativa. Tanto sabe, que em recente visita da presidente da Hyundai em Pionguiangue, a primeira condição posta por ele para iniciar a conversa passava por aumentos substantivos de salários dos trabalhadores empregados no CIK.

Enquanto que no Brasil, a “guerra fiscal” vai destruindo o caráter federativo de nossa república, o país mais sancionado, difamado, bloqueado e estrangulado do mundo, consegue gerir dirigentes capazes de enxergar muito além de seus narizes. Nação milenar.

O mais importante agora é nos concentrarmos nos próximos episódios. Nunca é demais falar que nosso país abriu uma embaixada por aqui. E devemos tirar as melhore consequências desta ação política.

2012 e o plano de “150 dias”

Falei, em certo momento do relato, de um “subjetivismo em matéria de política econômica”. Pois bem, cheguei por aqui em meio a duas campanhas de massa. O primeiro de curto prazo relacionado à transformação na RDPC em uma potência econômica e militar ano do centenário de nascimento do “pai da pátria” Kim Il Sung., no ano de 2012.

Outra campanha é encetada no objetivo (urgente urgentíssima) de elevar a produção entre os meses de abril e setembro deste ano, com término exato previsto para o dia 09 de setembro, dia nacional, 59 anos da proclamação da República Democrática Popular da Coréia.

Dificilmente o país irá se tornar uma potência econômica e militar em 2012. Na verdade, nosso Kim Jong Il sabe que precisa dar respostas (inclusive internas) ao dinamismo econômico sul-coreano. Além de ter clareza da situação econômica nada boa do país. Neste ínterim, contratos foram acelerados com empresas sul-coreanas para instalação de plantas industriais na Complexo Industrial de Kaesong. Bill Clinton fora recebido pessoalmente pelo dirigente máximo da nação e a presidente-executiva da Hyundai veio a Pionguiangue em missão quase-governamental, momento em que teve que ouvir uma sugestão (leia-se exigência) de elevar os salários dos 50.000 trabalhadores coreanos empregados em Kaezong.

Após conversar com Pedro de Oliveira (que recentemente assessorou Renato Rabelo em visita a Pionguiangue) creio que sua opinião é correta de afirmar que, talvez, o país esteja para 2012 um relaxamento, uma maior abertura ao exterior. Por outro lado, creio que – infelizmente – esse tipo de ação não depende somente de Kim Jong Il e sua entourage. Felizmente ou não, um processo é composto por múltiplas determinações.

Já a louvável campanha dos 150 dias, trás todas as marcas de o chamado Grande Salto Adiante encampado na China no final da década de 1950. Por exemplo, acordava pela manhã ao som de um alto falante instalado na estação ferroviária. Tocava-se músicas revolucionárias, entre elas uma que me tocou muito chamada Cadê nosso General? Tudo como incentivo moral ao Combate dos 150 dias. Estrangeiros comentam sobre um suposto desespero de Kim Il Sung ante a situação econômica do país. Não acredito nisso.

O país, para tanto, conta com dois apoios fundamentais a este objetivo: a recente conclusão da Usina Hidrelétrica de Nyongwon, uma das dez maiores do mundo, com geradores e turbinas fabricadas no próprio país. A conclusão desta obra possibilitou à RDPC a interrupção de uma era marcada por apagões e corte de energia o período noturno. Outro tento está na modernização do Complexo Químico de Namhung, abrindo perspectiva imediata de alívio para com a dependência de fertilizantes vindos da Coréia do Sul.

Por outro lado,apesar das imensas capacidades ociosas em sua siderurgia, não posso me esquecer de uma conversa com um empresário alemão no vôo Pionguiangue-Pequim, onde o mesmo tratou de se referir à intenção norte-coreana de importação de máquinas, com uma política de ajuste de preços que leva em alta conta uma conjuntura de retração do comércio internacional. Segundo esse alemão, contra as fabricantes alemãs, o regime do nada “maluco”, e sim brilhante, Kim Jong Il, está tratando de jogar tanto os chineses quanto os russos contra a Alemanha, demonstrando uma visão de conjuntura digna de um grande estadista.

É oportuna uma comparação. Enquanto isso no Brasil, dos intelectuais e economistas bem vestidos, com ternos bem cortados, estamos institucionalizando nossa reserva de mercado (outrora destinada a empresários nacionais) via câmbio serial killer da indústria nacional às empresas estatais chinesas. Mil motivos para os chineses abrirem um largo sorriso quando o assunto são relações comerciais com o Brasil.

Finalizando, acredito que se a conjuntura internacional não permite saltos espetaculares em matéria de PIB. Porém, a utilização de dados estatísticos pode nos servir de base para certas coisas, Entre elas, as informações passadas a mim pelo chefe da cadeia de economia da Associação Coreana de Cientistas Sociais, Kim Dung Sik. Em 1987, o país produziu 6.160.000 kw de energia, 83.000 toneladas de carvão, 6.900.000 toneladas de aço, 13.000.000 de toneladas de cimento e 5.460.000 toneladas de fertilizantes. Segundo o referido economista, em nenhum adas cadeias produtivas anexas a tais setores, a utilização da capacidade produtiva instalada atingiu, no ano de 2008, a 60%.Kim Dong Sik colocou ainda que o objetivo econômico mais imediato é o de alcançar a mesma produtividade de 1987.

Ora, se em economia atraso é fator de dinamismo. Pode estar ai a explicação para as projeções de analistas internacionais (CIA), onde visualizavam tendência de crescimento econômico no país variando de 2% a 3% para o presente ano. Fica a impressão de, caso haja um mínimo relaxamento da agressiva e assassina política imperialista contra a RDPC, o boom econômico é algo que virá em menos tempo do que imaginamos.

Sobre as estimativas de crescimento norte-coreanos, mais um detalhe: trata-se um crescimento pelo menos 150% maior que as mais otimistas projeções sobre o nosso país, o Brasil.

Notas:

(1) NANTO, Dick K., & CHANLETT-AVERY, Emma: “North Korea: Economic Leverage and Policy Analysis”. Congressional Research Service. 04/062009. pag. 19.

(2) Republic of Korea, Ministry of Reunification. “Inter-Korean Relations in 2008”. Seoul/Korea. February, 2009.

(3) Institute for Far Eastern Studies. “State of the Market in DPRK”. North Korea Brief. nº 07-2-2-1. December 11, 2007.

(4) “Arab Firm Earn First Mobile License in DPRK”. Yonhap. January 30, 2008.

(5) Republic of Korea, Ministry of Reunification. “Key Statistics for Gaesong Industrial Gomplex. Seoul/Korea. December, 2009.

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