Kaká: programado para ser craque

O craque Kaká deu entrevista coletiva anunciando sua ida para o Real Madrid (ESP), deixando o Milan (ITA) depois de sagrar-se campeão da Liga dos Campeões da Europa, do Campeonato Italiano e tornar-se o melhor jogador do mundo, segundo a FIFA. Nela, mostr

Imagine um jogador de futebol brasileiro! Na história do futebol no Brasil, nossos craques sempre foram conhecidos por uma certa indolência, um espírito que lembra Macunaíma, o anti-herói. Ao mesmo tempo em que brilhavam nos gramados do Brasil e, num fenômeno mais recente, na Europa, também se envolviam em inúmeras confusões, namoravam belas mulheres e eram contumazes frequentadores da noite.


 


 


E exemplos desta conduta não nos faltam ao longo do tempo, como Garrincha, Heleno de Freitas, Almir Pernambuquinho, Mário Sérgio, Renato Gaúcho, Romário, Edmundo, entre outros tantos que deram muita dor de cabeça aos treinadores e dirigentes dos clubes por onde passaram. E assim, dentro de campo foram ídolos, porque mesmo indolentes, foram craques!


 


 


Hoje em dia, vários jogadores brasileiros protagonizam situações patéticas. De tanto dinheiro que ganharam, colocaram o futebol em segundo plano, tornando-se apenas celebridades. Priorizam tudo o que o dinheiro pode comprar, mas dentro de campo jogam partidas bisonhas. Seus clubes contabilizam prejuízos e o mercado europeu passa a olhar para os brasileiros com alguma desconfiança.


 


 


De todos os brasileiros que atuam na Europa, existe um caso em especial que chama a atenção exatamente pelo oposto deste estereótipo. Kaká é religioso, só foi visto namorando com a moça que viria a ser sua esposa, treina exaustivamente, é pontual, não tem vícios, é dono de um futebol primoroso, driblador, goleador, mas, principalmente, útil ao coletivo e taticamente perfeito, sendo o mais bem sucedido jogador brasileiro na atualidade.


 


 


Ele acaba de protagonizar a segunda maior transação da história do futebol mundial. Perde apenas para a transferência de Zidane da Juventus (ITA) para o mesmo Real Madrid, em 2001, que acaba de tirar Kaká do Milan por módicos €$ 65 milhões (sessenta e cinco milhões de euros). A imprensa brasileira e mundial transformou a negociação no grande fato da preparação da seleção brasileira para os jogos contra Uruguai e Paraguai pelas eliminatórias da Copa e para a Copa das Confederações.


 


 


Enquanto as notícias já colocavam Kaká no Real, o jogador passou o tempo todo sem dar entrevistas, mas seu pai e até Zidane já o faziam em seu lugar, anunciando sua contratação. Até que o Real Madrid confirmou o negócio em sua página na internet e, finalmente, Kaká falou.


 


 


Deu uma entrevista coletiva, com a camisa de treinos da seleção, falando como jogador do Real Madrid. O que denota o que a CBF e a Globo fizeram com nossa seleção, tornando-a um negócio muito lucrativo para ambos, pois a mobilização da mídia em torno do fato deu muita visibilidade às várias marcas que patrocinam a seleção e, também, compram espaços comerciais da Globo.


 


 


Falou da realização de um sonho em jogar no time madrilenho, destacando dentre outros pontos, o “projeto esportivo interessante e competitivo” apresentado pelos merengues. Leia-se, Kaká optou, ao invés de continuar sendo o grande astro de um time que provavelmente não ganhará nada na próxima temporada, será uma das estrelas de um time montado para ganhar tudo o que disputar.


 


 


Disse que fez o melhor para o time milanista, que sofreu com a crise econômica e precisa do dinheiro da venda. De fato, o Milan precisa, mas já precisava no início do ano quando o Manchester City fez uma proposta indecentemente milionária ao craque. Mais uma vez, Kaká escolheu não fazer parte de um clube que ostenta os petrodólares do Oriente Médio, mas o jogaria no ostracismo perante o mercado do futebol, como aconteceu com seu compatriota Robinho, pela falta de tradição do time inglês para competições de vulto.


 


 


 


Kaká mostrou-se muito hábil ao falar do Milan, afinal foi lá que conseguiu tudo o que tem na carreira. Deixou as portas abertas em Milão para, quem sabe, voltar no final de sua carreira. Provavelmente pensando no destino que tiveram vários outros brasileiros, que acabaram retornando ao Brasil depois de inúmeros problemas na Europa. No Brasil, pagam-se salários de, no máximo, R$ 400mil. Na Europa, pode-se ganhar até meio milhão de euros por mês para um jogador em final de carreira. A diferença na conta bancária é astronômica.


 


 


Por isso, Kaká mede suas palavras, atitudes, posturas. É um jogador programado para ser uma estrela do futebol, um ídolo, um exemplo. Impressiona pela forma que consegue manter uma irretocável imagem de bom moço, sendo também um ícone do dito futebol moderno, solidário, tático. Daquele que, apesar de jogador de futebol, prima pelo bom comportamento. Totalmente diferente da imagem que os brasileiros criaram no meio do futebol através da história.


 


 


Se isso serve de paradigma comportamental para especialistas do futebol, serve também a uma certa descaracterização daquilo que o Brasil deu como contribuição ao futebol mundial. A possibilidade de jogar futebol com galhofa, às vezes sem nenhuma objetividade, mas com alegria, abusando da ginga, colocando o resto do mundo pra dançar diante de nossos desconcertantes dribles e nossa incansável mania de nos divertir, dentro ou fora do campo.


 


 


Kaká é o resultado daquilo que treinadores, jornalistas e dirigentes do nosso futebol desejam: o enterro da beleza, que associam ao fracasso de 1982, dando lugar à danada da competitividade. Mas esta beleza ainda teima em existir, porque esta é a nossa cultura, este é o nosso futebol. Está cada vez mais difícil encontrar, mas existe, e algum moleque ainda brinca com a bola pra nos provar isso.

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