A internação psiquiátrica que é necessária não é crime

Ainda sobre sofredores mentais em ''crise'', quando a família não consegue mais lidar com o estágio de descontrole da doença e busca um ''meio médico'' de alívio para seu doente e uma trégua para si, saltam aos olhos as interpretações distorcidas dos arti

Gullar conviveu por meio século com dois filhos esquizofrênicos e construiu na dor credenciais morais para emitir a sua percepção de como a Política Nacional de Saúde Mental se concretiza no cotidiano das famílias e dos doentes. Não precisamos concordar, apenas admitir que falou do alto da experiência de pai-cuidador e que seus artigos brotam dum contexto especialíssimo: conhece a fundo o assunto. Embora ame a poesia do meu conterrâneo, não morro de amores pelo Gullar analista político, mas como ousar desqualificar uma voz de experiência de décadas?


 


 


É imoral quem nunca ardeu, queimou e renasceu das cinzas, como Fênix, na lida com um familiar transtornado mentalmente tentar desacreditar quem, em nome da ética da responsabilidade, cuida do seu dizendo: ''este poeta se manifesta frontalmente contra a Política Nacional de Saúde Mental brasileira e declara seu apoio decidido às práticas de internação (…) e que o que está certo é a lógica manicomial que o Brasil está deixando para trás'' (Luciano Elia, psicanalista, diretor do Laço Analítico e consultor do Ministério da Saúde para a Saúde Mental de Crianças e Adolescentes).


Ignorante da frase ''Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim'' (in ''Freud e os poetas''), tripudiou: ''Não está sozinho, Gullar, e talvez não tenha tomado esta iniciativa de moto próprio, de moto solo. Há profissionais, em sua maioria psiquiatras sequiosos por retomar o curso retrógrado da assistência psiquiátrica''. Ora me compre um bode!


 


 


A lei nº 10.216 – que ''Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental'' – diz, sem rodeios, que é um direito da pessoa portadora de transtorno mental: ''I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades'' (art. 2°, parágrafo único); e não se omite e nem criminaliza a internação necessária, ao contrário, a prevê: ''Art. 6°. A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. Tipos de internação psiquiátrica: I. internação voluntária: com o consentimento do usuário; II. internação involuntária: sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III. internação compulsória: determinada pela Justiça''.


 


 


Não vamos dourar a pílula: não é fácil amar o desviante do padrão de normalidade, pois é extenuante amar a quem só dá trabalho. Atire a primeira pedra quem disser o contrário. É esperado que muitas famílias, no auge do desespero, acalentem o desejo de segregá-los ou de se ''aliviar'' por uns tempos ''forçando a barra'' para uma internação. Cotidianamente, vejo tais desejos de alívio no Pronto Socorro em relação a pessoas idosas, inválidas ou doentes terminais. É cruel, mas é real. Ferreira Gullar não declarou ''apoio decidido às práticas de internação'' e nem advogou pelo retorno das masmorras dos manicômios… O debate tem de elevar o nível para ser sério, pois ''quando nem Freud explica, tente a poesia''!

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