“Separados pelo Casamento”: Trivial a Dois

Em comédia sobre casal moderno, diretor americano Peyton Reed  aponta fragilidade das relações conjugais

Gary (Vince Vaughn) e Brooke (Jennifer Aniston) fazem parte daquele grupo de casais cujo casamento entrou na fase das trivialidades. Nenhum deles atende mais aos caprichos do outro. A relação entre eles se banalizou a tal ponto que uma simples compra de limões para decorar a mesa da sala se transforma numa batalha verbal. Daí para as agressões e o distanciamento é um passo. Nada demais, quando se está numa comédia. No filme “Separados pelo Casamento”, o diretor norte-americano Peyton Reed pega um casal jovem, moderninho, e o vira de cabeça para baixo. Todo o aconchego da vida a dois vira um inferno. Cada um deles quer transformar a vida do outro num caos. Nenhuma paixão ou sedução se sustenta, pois destroçar a vida do outro passou a ser o objetivo principal. Mas, sob a couraça que cada um deles cria, o ditado – “quando um não quer dois não brigam” – se subverte: “quando os dois não querem, há espaço para a briga”.

                
Nesta comédia sobre o casamento moderno, o humor corrosivo, aparentemente despretensioso, termina por revelar desincompatibilidades permanentes. A jovem Brooke trabalha numa galeria, onde desfila seus conhecimentos sobre artes plásticas; seu marido Gary se exibe durante as excursões que sua empresa faz com turistas pelos pontos históricos e naturais de Chicago. Tudo o que ela quer é chegar em casa e ter as tarefas domésticas divididas com o marido. Ele, pelo contrário, quer se estender no sofá e assistir a uma partida de beisebol ou jogar vídeo-game. Nada demais, fosse tempos atrás quando a mulher ainda era a “rainha do lar”. Hoje, quando dividir tarefas domésticas virou rotina para muitos casais, a relação dos dois poderá parecer à antiga. Nada disso; Gary, em outros tempos, teve sua fase de marido solidário. O tempo, porém, levou-o para o sofá e a TV.

                
Cada membro do casal quer muito pouco do outro

                

É no sofá que ele será pego. Gary está na fase em que a relação a dois padronizou as tarefas. Qualquer mudança o deixará irritado. Ele, na verdade, gostaria que ela fizesse tudo e o deixasse solto, para curtir o que bem entender.  Ela, Brooke, pelo contrário, quer que ele compartilhe as tarefas para estar perto dele. Nenhuma dessas intenções é passada num diálogo – mas encobertas por gritos e agressões. As situações, em “Separados pelo Casamento” vão, assim, sendo exacerbadas, como convém a uma comédia, até chegar ao ridículo. O comportamento de ambos vira a caricatura de uma relação a dois. Devido a isso, o riso se estabelece. Ambos agem como seres imaturos, inseguros, presas de suas próprias armadilhas. Há todo momento percebe-se que suas intenções não são aquelas, mas outras, que exigem do outro uma louvável atitude; nenhum deles, porém, a adota.
                  

 Nas antigas comédias, os destemperos verbais indicavam que o confronto chegaria ao impasse e, a partir daí, tudo voltaria ao normal. Em “Separados pelo Casamento”, as situações mostram, a cada seqüência, que as desincompatibilidades irão se avolumar a tal ponto que haverá o inevitável impasse. Gary, grandalhão, vive às voltas com sua empresa de passeios turísticos. Quer expandi-la, para que possa estar em terra, no ar e no mar, de modo a que seus clientes se deliciem com uma Chicago de cartão postal. Brooke, sempre atarantada pela excêntrica Marilyn Dean (Judy Davis), artista plástica, dona da galeria onde trabalha, não tem outras ambições senão voltar para casa e ter o marido, menos como marido, e mais como companheiro. Parece pouco, mas diante do cansaço do cotidiano, ela também tem direito de se estirar no sofá para apreciar o que gosta e relaxar. Ele, no entanto, não vê as coisas desse modo.
               
                  
Agressividade esconde os reais sentimentos do casal

                 

Os quiprocós que os dois aprontam um para o outro, numa sucessão de situações hilariantes, trazem o riso e as impossibilidades. Ele tenta se mostrar desinteressado, levando amigos para casa, jogos que ela detesta e tenta, inclusive, recuperar o espaço perdido para a mulher no amplo apartamento. A fragilidade de Brooke também não evita que ela use todas as armas femininas: o de tentar seduzir o ainda marido, numa das belas cenas do filme, ou de provocar ciúme com uma sucessão de “pretendentes”. Funciona para um e para outro, desnudando a couraça que encobre sentimentos que não emergem, pois seria se fragilizar diante do outro, não do ser amado, que deixou de ser, pelo menos aparentemente. Nesta trama entre intenção submersa e trapaças, Peyton Reed e os roteiristas Jeremy Garelick e Jay lavender mostram o quanto se neurônios são consumidos para magoar o outro, quando bastaria deixar aflorar o reais sentimentos.

                   
A questão é que as trapaças chegam a tal ponto que a mágoa supera a paixão e as palavras soterram o amor. Não há mais possibilidade de reencontro. Foram ditas tantas coisas que terminam por revelar um eu submerso, perverso, que o “ser amado” prefere o distanciamento. Neste ponto, “Separados pelo Casamento”, afasta-se do lugar comum das comédias hollywoodianas:  o riso ali pode ser da própria situação vivenciada por muitos casais, que de tanto agredir o outro já não sabe dos limites entre a agressão  e a perda, que se acumula durante anos, até seu ponto sem retorno. Brooke descobre isto armando situações que desabam sobre sua própria cabeça. As roupas jogadas pelos cantos, o sofá cama com o edredon amontoado e todo tipo de objeto espalhado pelos cômodos são o retrato de sua relação com Gary. Recolocar tudo no lugar ficou difícil para ela. 

                  
                  
Remontar os cacos da relação leva espectador à reflexão
                  

Estes compassos de “Separados pelo Casamento”, simbolizados pela desarrumação, indicam o desmoronamento de uma relação. Quando Gary tenta recolocá-los no lugar, a arrumação agride mais do que  se tudo continuasse desarrumado. É tocante imagem de Brooke, chegando com um cliente da galeria em seu apartamento, e vendo Gary remontando os cacos. O diálogo entre os dois atesta o vazio agora existente entre os dois. O riso cede lugar à reflexão, como numa comédia de Woody Allen. É quando a frágil Brooke domina o grandalhão Gary. Eles nunca estiveram tão separados. Toda a relação se esboroa. Nas antigas comédias hollywoodianas haveria uma reviravolta, algum vilão pagaria pelo mal feito ao casal; em “Separados pelo Casamento” esse vilão não existe – o mal foi provocado por ambos.  É o que sempre acontece na vida real. Ninguém escapa à culpa e à frustração que se estabelece numa relação que já se mostra sem sentido. É a vida.

Separados pelo Casamento (The Break-Up). EUA, 2006, 105 minutos. Diretor: Peyton Reed. Roteiro: Jeremy Garelick e Jay Lavander, baseado em história de Vince Vaughn, Jeremy Garelick e Jay Lavender. Elenco: Jennifer Aniston, Vince Vaughn, Vicent D´Onofrio e Judy Davis.

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