Condenadas à histerectomia?

Miomas constituem uma das causas para a prática de histerectomia em negras no Brasil: 15,8% para as negras, contra 3,6% para as brancas

É alta a incidência de miomas em mulheres negras (pretas e pardas). Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, estima-se que negras tenham, pelo menos, cinco vezes mais miomas que as brancas.

Os miomas constituem uma das causas mais apontadas para a prática de histerectomia (retirada do útero) em negras no Brasil: 15,8% para as negras, contra 3,6% para as brancas.

A histerectomia é importante causa de morte (seis em cada dez mil, em indicação benigna: miomas e sangramento); de esterilidade; e de danos físicos e emocionais.

É comum no Brasil até três gerações de negras histerectomizadas da mesma família! As negras aqui são mais esterilizadas por “ligadura de trompas” ou por histerectomia?

É um imperativo ético que sejam feitas pesquisas que possam responder a esta pergunta, pois até 1996 (regulamentação da Lei de Planejamento Familiar), o SUS não pagava “ligadura de trompas”, mas desde o antigo Inamps a histerectomia é paga…

Em 1997, estimava-se as histerectomias pagas pelo SUS em 300 mil a 400 mil/ano, com mortalidade de uma a duas por 1.000 cirurgias, segundo o dr. Cláudio Basbaum, idealizador da campanha “Mulheres, salvem seus úteros” – que alerta para a busca de uma segunda opinião pós-diagnóstico de miomas, pois sete em cada dez mulheres com indicação de histerecomia para tratar de miomas respondem bem a técnicas menos invasivas.

Hoje, a histerectomia é a segunda cirurgia mais frequente (112.200 em 2005, ao custo de R$ 67,5 milhões) paga pelo SUS na idade reprodutiva. A primeira é a cesárea.

Vera Cristina de Souza, em “Mulher Negra e Miomas: uma incursão na área da saúde”, demonstrou que a incidência de histerectomias nas negras é da ordem de 15,8%, contra 3,6% para as brancas.

Um achado de destaque na pesquisa de Souza: as negras são, em larga medida, filhas ou irmãs de mulheres com diagnóstico de miomatose (62,1% e 20,4%), o que referenda a alocação dos miomas como uma doença familiar (ocorrem muitos casos em uma mesma família).

A maior incidência dos miomas em determinados grupos raciais/étnicos coloca-os na categoria das doenças raciais/étnicas. São dois indícios que apontam uma possível base genética, provavelmente uma condição poligênica, no surgimento dos miomas.

Renata Aranha, ginecologista, estudou 1.945 mulheres de 25 a 60 anos histerectomizadas pelo SUS devido a miomas e sangramentos, constatando que a histerectomia entre as mais pobres (menos de três salários mínimos) foi duas vezes e meia maior do que no grupo com renda de mais que seis salários.

Nas de 1º grau incompleto, a prevalência foi quase quatro vezes maior que no grupo de curso superior.

Em entrevista à jornalista Cláudia Collucci (“Mulher pobre retira mais útero, diz estudo”, FSP, 27/3/2006), Aranha disse que grande parte das histerectomias feitas no Brasil são desnecessárias e que “as pobres estão mais expostas, porque não têm escolha, não podem ouvir segundas opiniões”.

No Brasil, pobres são majoritariamente negras. Assim, não podem optar por procedimentos mais modernos, como embolização e DIU com progesterona, que custam, respectivamente, R$ 15 mil e R$ 600 e não estão disponíveis pelo SUS. A histerectomia não é o único tratamento para os miomas.

Então, indago por que negras com miomas em geral perdem seus úteros, muitas vezes desnecessariamente?

Estamos diante de uma conduta médica que é uma postura discriminatória: aplicar tratamentos invasivos e mutiladores em pessoas com vulnerabilidades que se reforçam mutuamente do ponto de vista de classe (pobres) e racial/étnico (negras), aparentemente de uma forma naturalizadora e banalizadora de sedimentação de racismo institucional médico.

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