Suicídio de Marx

Com sua morte repetidamente anunciada e nunca realizada, a obra de Karl Marx continua sendo fonte precisa para a análise das complexidades do mundo que nos cerca. Seus textos, abarcando economia, filosofia, arte e sociologia são referên

Trata-se de um texto “insólito”, como o classifica a introdução de Michael Löwy, peça composta de excertos de outro autor (Peuchet), de uma obra que não é científica, sobre um tema inusitado na abordagem marxista.
Foi publicado em 1846, quando Karl Marx ainda estava elaborando seu sistema materialista dialético de análise da história. Mas, como diz Matheus Felipe de Castro no seu “O Papel do Humanismo na Formação do Pensamento do Jovem Marx”, o humanismo do jovem filósofo já estava ancorado “em temas que vão questionar a própria humanidade como produto, ou seja, como construção social a partir da auto-atividade humana, elemento de produção primeira da sociedade. Como ele mesmo expressara em sua VI Tese sobre Feuerbach, ‘A essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais’. A magnitude desta constatação é a verificação de que a natureza humana não é uma natureza abstrata, metafísica, imutável, mas na verdade uma natureza concreta, dos homens em sociedade, no burburinho da vida, no clamor das ruas, no vozerio da multidão, na luta de classes, na transformação constante da vida”.
Neste escrito realizado quando tinha 28 anos, Marx aponta que “a pretensão dos cidadãos filantropos está fundamentada na idéia de que se trata apenas de dar aos proletários um pouco de pão e de educação, como se somente os trabalhadores definhassem sob as atuais condições sociais, ao passo que, para o restante da sociedade o mundo, tal como existe, fosse o melhor dos mundos”. Alerta que o número anual dos suicídios “deve ser considerado um sintoma da organização deficiente de nossa sociedade; pois, na época da paralisação e das crises da indústria, em temporadas de encarecimento dos meios de vida e de invernos rigorosos, esse sintoma é sempre mais evidente e assume um caráter epidêmico. A prostituição e o latrocínio aumentam, então, na mesma proporção. Embora a miséria seja a maior causa do suicídio, encontramo-lo em todas as classes, tanto entre os ricos ociosos como entre os artistas e os políticos. A diversidade das suas causas parece escapar à censura uniforme e insensível dos moralistas”.
Marx relaciona várias motivações para os suicidas, como falsas amizades, acessos de desânimo, sofrimentos familiares etc. Cita também os “amores traídos”. Foi o que levou sua filha, Eleanor, em 31 de março de 1898
(Karl morreu em 1883), a cometer suicídio, aos 43 anos, após descobrir que seu companheiro, Edward Aveling, havia se casado secretamente, meses antes, com uma atriz bem mais jovem. Ela fez um pacto de morte com Edward – ele mudou de idéia, após ela ter tomado ácido cianídrico (há quem suspeite que ele, na verdade, assassinou-a). Eleanor deixou um derradeiro bilhete para Edward: “Minha última palavra para você é a mesma que eu tenho dito durante todos estes longos, loucos anos – amor”.
Karl Marx cita ainda as “doenças debilitantes, contra as quais a atual ciência é inócua e insuficiente” como indutoras de suicídio. Em novembro de 1911, outra sua filha, Laura, suicidou-se, aos 66 anos, junto com o marido, Paul Lafargue. Coube a ele escrever a mensagem final do casal: “São de corpo e espírito, dou-me a morte antes que a implacável velhice, que me tirou um após outro os prazeres e gozos da existência, e me despojou de minhas forças físicas e intelectuais, paralise minha energia e acabe com minha vontade, convertendo-me em uma carga para mim mesmo e para os demais. Desde há alguns anos me comprometi a não ultrapassar os setenta anos; fixei à época o ano para minha marcha desta vida e preparei o modo de executar minha decisão: uma injeção hipodérmica de ácido cianídrico. Morro com a suprema alegria de ter a certeza de que brevemente triunfará a causa a que me entreguei desde há quarenta e cinco anos”.
Ou seja, Laura e Paul deram fim à vida para não viver a velhice, contra a qual, poderiam repetir Karl Marx, “a atual ciência é inócua e insuficiente”.

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