O racismo é uma abominável fé bandida

Nos meios acadêmicos, o racismo opera de múltiplas formas que, paradoxalmente, explicitam apenas uma coisa: a renitente resistência ao saber científico. Diante do que, é preciso ressaltar por que alguns professores-doutores (em 2007, foi James Watson) abr

Do que li sobre as declarações do professor Antônio Natalino Manta Dantas, coordenador do colegiado da Faculdade de Medicina da UFBA, sua carta de renúncia exibe o quanto de covardia o racismo encerra! O racismo é uma prática de banditismo. Rememorarei os fatos para torná-los inesquecíveis, pois palavras e atos racistas são indesculpáveis num país em que o racismo é crime. Para ele exijo apenas a lei e nada mais!


 


Em 29 de abril, o Ministério da Educação tornou público que, das 172 faculdades de medicina, 17 seriam supervisionadas por causa da performance sofrível no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e no conceito IDD ((Indicador de Diferença de Desempenho), que ''mede o quanto a instituição ajudou o aluno''.
''alguns professores-doutores (em 2007, foi James Watson)  abrem mão de saberes científicos consolidados em nome de uma fé''.



 
Do alto de sua sapiência e do altar de sua fé bandida, o professor Dantas declarou que, ''se não houve boicote dos estudantes, o que não acredito, o resultado mostra a baixa inteligência dos alunos''. E arrematou – como esperado, pois racista que se preza sempre é falante – que o corpo docente é qualificado, logo não é causa para o mau resultado. Sobrou então um suposto QI baixo dos baianos, verificável ''por quem convive (com pessoas nascidas na Bahia)… O baiano toca berimbau porque só tem uma corda. Se tivesse mais [cordas], não conseguiria.” É ridículo um professor-doutor da medicina não saber que QI é um pântano minado de subjetividades inconfessáveis!


 


Gregos e troianos reagiram. O reitor da UFBA, Naomar de Almeida, foi categórico: ''Li as declarações de Natalino e custei a acreditar. São impertinentes, discriminatórias, reacionárias e não condizentes com um docente, um dirigente acadêmico. É minha posição pessoal. Não posso exonerá-lo. Foi eleito pelos pares. Vou solicitar à congregação providências imediatas no sentido de corrigir as incompatibilidades entre ele e o cargo''. O procurador Vladimir Aras, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, declarou: ''Como professor e coordenador do curso da UFBA, Dantas possui uma função pública e está sujeito à lei de improbidade administrativa na hipótese de dano moral difuso''.


 


O que disse o professor da primeira escola de medicina do Brasil em sua carta de renúncia? Ao estilo James Watson se desdisse, alegando ''descontextualização'' de suas declarações: ''Por força de um estado emocionalmente comprometido e por uma profunda tristeza, uma irritação incomum e um assomo de destempero, arrastaram-me a uma manifestação inadequada, da qual expressamente me redimo. Ela não reflete o que vem do meu íntimo, não traduz o meu pensamento, o que, aliás, vem sendo reconhecido e externado pelas pessoas que me conhecem. Em razão da repercussão e do mal-estar causado, comuniquei minha renúncia. Por fim, que fique evidente: não sou racista ou preconceituoso e acredito em Deus. Peço desculpas. Não tive a intenção de ofender a quem quer que seja''. Como dizer amém?


*** 


Confira a íntegra da nota enviada pelo professor:


''Nota de Esclarecimento


Com referência ao noticiário veiculado nos meios de comunicação acerca das declarações por mim prestadas sobre o mau desempenho dos estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia no ENADE (Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes), esclareço à comunidade que aquelas palavras não refletiram o meu sentimento interior e não condizem com a minha história de vida, notadamente com a minha vida acadêmica.


Pessoas que privam do meu convívio diário conhecem a minha simplicidade, o meu perfil democrático, o meu senso de justiça e o lhano trato que dispenso aos estudantes, professores, funcionários, pacientes, enfim, a todas as pessoas, sem distinção de qualquer natureza.


Não sou racista e não tenho restrições à inteligência da comunidade baiana ou qualquer outra, até mesmo por razões científicas. Na condição de Professor Universitário da área médica, tenho perfeito conhecimento que, haja vista a apresentação tão homogênea do genoma na espécie humana, não se permite precisar ou definir a existência real de raças entre os indivíduos. Em outras palavras: os seres humanos são biologicamente iguais.


Instado por jornalistas para justificar o baixo desempenho dos estudantes de Medicina no ENADE, e insistentemente cobrado a me manifestar sobre um resultado que ainda não era de meu conhecimento, fui colhido de surpresa. Por força de um estado emocionalmente comprometido e por uma profunda tristeza, uma irritação incomum e um assomo de destempero arrastaram-me a uma manifestação inadequada, da qual expressamente me redimo. Ela não reflete o que vem do meu íntimo, não traduz o meu pensamento, o que, aliás, vem sendo reconhecido e externado pelas pessoas que me conhecem.


Além disso, algumas das minhas declarações foram publicadas de forma descontextualizada, o que culminou num sem número de interpretações distorcidas e equivocadas, todas elas distantes do meu propósito e do seu real significado.


Se efetivamente entendesse ter o baiano QI baixo, não teria ressaltado, na mesma ocasião, o bom desempenho alcançado no ENADE pelos estudantes da Faculdade de Medicina de Ilhéus e da Faculdade de Direito da UFBA, que também são baianos. Demais disto, sou baiano, como de resto toda a minha família e os mais longínquos dos meus ancestrais.


Conforme declarei, várias podem ter sido as causas que levaram os estudantes de Medicina ao desempenho insatisfatório. Ante a insistência para que eu apontasse a causa desse resultado, limitei-me a esclarecer que isso certamente decorria da soma de múltiplos fatores. Jamais tive a intenção de apontar o sistema de cotas, tampouco a implantação intempestiva da transformação curricular, como causa direta do resultado. Num universo de possibilidades, não posicionei certezas.


Dos meus quase setenta anos de vida, quarenta e dois foram dedicados ao ensino da medicina, sempre tendo mantido com os estudantes um trato amistoso e sem incidência de problemas. Tenho respeito e admiração pelos mesmos, que são selecionados por um altamente competitivo e qualificado exame vestibular.


Embora isso nada tenha a ver com o ENADE, fui incisivamente indagado por jornalistas acerca do meu gosto musical, o que certamente foi feito para criar polêmica relativamente à cultura afro-brasileira. Esclareço ter minhas preferências musicais, que são ou não coincidentes com as de outras pessoas, e tenho toda a liberdade de expressá-las. Aliás, como bem disse, recentemente, o Ministro Ayres Britto, do STF, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade. Respeito os gostos alheios e queiram me desculpar aqueles onde o meu desagrado recaiu. Sobre o berimbau, por exemplo, a minha falta de familiaridade com o mesmo me levou a uma noção distorcida. Diante das explicações dadas nos últimos dias pelos experts, contudo, passei a concebê-lo como um instrumento musical complexo e de difícil execução.


Por outro lado, acrescento que esses resultados do ENADE referem-se a período anterior a minha gestão de coordenador do curso de graduação da FAMEB, cargo para o qual fui eleito há tão somente um ano, por unanimidade dos membros presentes na sessão, dentre professores e representantes estudantis. Entretanto, em razão da repercussão e o mal-estar causado pela interpretação dada às minhas declarações, comuniquei a minha renúncia ao Sr. Diretor da Faculdade no último dia 30.


Por fim, que fique evidente: não sou racista ou preconceituoso e acredito em Deus.
Peço desculpas. Não tive a intenção de ofender a quem quer que seja.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor