Em memória de Gaitán nos 60 anos do “Bogotaço”

“Ninguna mano del pueblo se levantará contra mí y la oligarquía no me mata, porque sabe que si lo hace el país se vuelca y las aguas demorarán cincuenta años en regresar a su nivel normal” (Jorge Eliécer Gaitán).

Lamentavelmente a frase acima dita por Gaitán foi uma meia verdade: a oligarquia o matou e até hoje o nível das águas tormentosas na Colômbia parece estar longe de voltar ao normal.


 


Nas ruas Sétima e 13 no centro de Bogotá, num nove de abril há exatos 60 anos, morreu assassinado Jorge Eliécer Gaitán. Seu relógio parou quebrado a uma e cinco da tarde, poucos minutos antes de um encontro marcado com líderes estudantis latino-americanos, dentre eles o jovem Fidel Castro.


 


Como um raio a notícia da sua morte percorreu todo o país. O povo colombiano, que tinha certeza da eleição de Gaitán para presidência no ano seguinte, tomou as ruas. Imediatamente ganhou força um levante popular espontâneo, sem uma coordenação mais resoluta, e uma enorme massa popular marchou desorientada até o Palácio Presidencial e outros pontos da capital Bogotá. Mais de duas mil pessoas foram assassinadas contidas pela Guarda Nacional que disparou contra a população encolerizada de cima dos edifícios num dos episódios mais sangrentos conhecido pela história como “El Bogotazo”. O que se segue são aproximadamente 300 mil mortos durante o período chamado de “La Violencia”. Gaitán tinha claro que se fosse assassinado o povo se levantaria enfurecido: “Se avanço, seguem-me, se retrocedo, empurram-me, se me assassinam, vingam-me”. Percorrendo as ruas estreitas de Bogotá é inevitável sentir um calafrio ao imaginar o que se passou naquele nove de abril.


 


 


Jorge Eliécer Gaitán não chegou a se identificar com a teoria marxista, mas foi uma grande liderança política e sabia que seu poder residia naquele povo colombiano oprimido pela oligarquia dominante.  Formado em direito pela Universidade Nacional da Colômbia com a tese intitulada “Las ideas socialistas en Colombia”, ganhou projeção logo no início de sua vida pública na defesa dos trabalhadores no episódio que ficou conhecido como o “massacre das bananeiras” ocorrido em 1928 (e exposto magistralmente por Gabriel García Márquez em seu inigualável “Cem anos de solidão”), denunciando a violência e a exploração imposta aos trabalhadores da sinistra United Fruit Company (uma das primeiras multinacionais a serem expulsas de Cuba após o triunfo da Revolução) com o beneplácito do governo subserviente da Colômbia. Militante da ala radical do Partido Liberal fundou a União Nacional de Esquerda Revolucionária. Foi eleito prefeito de Bogotá em 1936 e também chegou a ser ministro da Educação e do Trabalho.


 


 


O recurso da violência e dos assassinatos utilizado na atualidade por Álvaro Uribe faz parte dessa tradição agressiva da classe a qual pertence na Colômbia. Hoje são os guerrilheiros das Farc, naquele nove de abril foi Gaitán e milhares de compatriotas. E como se não bastasse, os colombianos ainda tiveram de ouvir ao vivo pelas rádios do país o discurso anti-comunista do Secretário de Estado norte-americano, general Marshall, insuflando a política da guerra fria, afirmando que todo o ocorrido não passava de ações terroristas de militantes comunistas. Qualquer semelhança com a atualidade (agora com o Plano Colômbia) não é mera coincidência.


 


Já a 9ª Conferência Interamericana, coincidência ou não, transcorreu na Colômbia nesse ambiente de “bogotazo” com os Estados Unidos promovendo a doutrina Truman de intervir nos países da região em nome do combate ao comunismo. Para garantir esse encontro Bogotá foi transformada: “Em qualquer canto se escondeu a miséria real de um povo que havia encontrado na voz, no verbo aceso de Gaitán, uma possível redenção social” (1).


 


Render homenagem a Gaitán, especialmente em tempos de Uribe e Bush onde a criminalização de organizações e partidos políticos de esquerda é uma constante e que lideranças políticas cada vez mais são listadas como terroristas (nem Mandela escapa dessa lista  (2)), é reverenciar a história de mártires de todo o nosso continente que deram suas vidas para abrir passo a esta nova época em que atravessamos na América Latina.


 


Gaitán tinha tudo para ter vencido as eleições presidenciais em 1946. Um dos motivos da derrota foi a divisão da esquerda e do próprio partido de Gaitán. A história deve ser sempre nossa aliada para ajudar a superar alguns falsos dilemas, nem que seja por tentativa e erro. A unidade sempre foi fator decisivo nas vitórias populares e outra Colômbia poderia ter emergido daquela época evitando tantos reveses.


 


Unidade é uma das palavras-chave que deve sempre guiar nossos partidos revolucionários e progressistas na América Latina. Unidade em torno de lideranças que como Gaitán, mesmo não sendo marxista, podem fazer acelerar transições ansiadas por gerações.


 


Ontem e hoje irmanamos-nos ao povo colombiano nos mesmos desejos de uma América Latina liberta das imposições imperiais e requeremos a figura de Gaitán junto a tantos outros latino-americanos que souberam se posicionar ao lado dos oprimidos e contra as oligarquias e o imperialismo.


 


A Organização Latino Americana e Caribenha de Estudantes (Oclae), juntamente com a Associação Colombiana de Estudantes Universitários (Aceu) e a Associação Nacional de Estudantes de Ensino Secundário (Andes), irão promover várias atividades em reverência às memórias de Gaitán e dos milhares de lutadores que tombaram no “bogotazo” lutando contra o imperialismo, cujo ato principal será uma marcha em silêncio contra a impunidade. A luta dos irmãos colombianos também é nossa e o sonho de Gaitán também nos embala aqui no Brasil.


 


Parafraseando Gaitán:  A la carga Lula, Cristina, Chávez, Ortega, Raúl, Correa, Evo, Tabaré…!


 


Notas



(1) ALAPE, Arturo; “El 9 de abril asesinato de una esperanza”. Nueva Historia de Colombia.


(2) Portal Vermelho; “Vergonha: EUA classificam Mandela como terrorista”.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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