A causa de Milosevich também é nossa (2)

(parte 2) Partisans, comunistas


No dia 25 de março de 1941, culminando uma política de aproximação com a Hungria, a Alemanha e a Itália, Tsvetkovich, presidente do Conselho de ministros do reino da Iugoslávia, proclamou em Vien

Havia entretanto patriotas, mesmo na cúpula do poder monárquico. O general Simovich, chefe do Estado-maior do Exército, depôs o príncipe Paulo, regente do trono e formou, em 28 de março, um governo de união nacional, decidido a permanecer na paz e desenvolver relações de amizade com os vizinhos, notadamente com a União Soviética, com a qual se dispôs a assinar um tratado de cooperação. Um documento divulgado por ocasião do processo de Nurembergue[1], descreve quão furibundo ficou o insigne celerado-chefe da cruz gamada perante esta altiva manifestação de independência:


Convém tomar todas as medidas necessárias para esmagar a Iugoslávia militarmente e enquanto Estado; não haverá nem memorando nem ultimato; o ataque ocorrerá tão logo  estejam terminados os  preparativos e deverá ser efetuado com rigor implacável; a tarefa da aviação é destruir a capital, Belgrado, por meio de ataques ininterruptos”. 


Os pilotos alemães esmeraram-se no cumprimento das ordens do Führer. No final de março de 1941, Belgrado foi arrasada pelos bombardeiros da Luftwaffe,  operando a partir da Bulgária e da Hungria, cujos governos eram lacaios do III Reich. Os soldados iugoslavos bateram-se corajosamente, mas a superioridade material dos hitlerianos  era incontrastável[2]. No dia 13 de abril, eles entraram em Belgrado. No dia 17, o governo real capitulou.  Referimos no primeiro artigo desta série que com a invasão da Iugoslávia pelas hordas hitlerianas, os “ustachis” tinham criado, à sombra protetora do III Reich, o germano-nazistófilo Estado livre da Croácia, cuja principal liberdade consistia na carta branca cnferida à polícia política para torturar os militantes da resistência, especialmente os comunistas.


Cinqüenta e oito anos depois, em março de 1999, a Luftwaffe do IV Reich, agora na mais modesta condição de integrante de uma força maior, sem ostentar, portanto, o emblema hitleriano, partipou da obra de destruição tanto de Belgrado quanto do resto da já muito desmembrada Iugoslávia. A comparação pode parecer exagerada. Mas comparar é discernir o que têm em comum situações diferentes. O IV Reich não se confunde com o III, assim como o III (de Hitler) não se confunde com o II (de Bismarck), nem  estes com o I (que se perde nas brumas medievais). Mas, para os que sucumbiram sob as bombas, o fato de que tenham sido lançadas em nome da OTAN e não no da Luftwaffe não chega a fazer muita diferença.


A direção oficial da criminosa operação coube a um certo Solana, “eurocrata” espanhol exercendo o cargo de secretário-geral da OTAN. Ignoramos o que este estafeta do comando bélico anglo-estadunidense  pensa do generalíssimo e insigne carniceiro Francisco Franco, seu compatriota, que durante quase quarenta anos submeteu o povo espanhol (durante os últimos vinte com a cumplicidade da OTAN), a uma sombria e atroz ditadura reacionária clérico-fascista. Mas o cinismo vulgar de sua justificação do massacre balístico é um insulto à inteligência: “Ele (Milosevich)  se nega a conter as ações violentas em Kosovo e a negociar de boa fé”[3]. Boa fé? Parece-nos, antes, ironia triste, além de torpe. A Iugoslávia que Solana e sócios destruíram foi fundada pelo croata Josip Broz Tito, que antes de se ter tornado comandante do exército guerrilheiro, organizou, em nome do Komintern, as célebres Brigadas Internacionais que, com  mais coração do que armas, defenderam a Espanha republicana do fascismo militar, apoiado por Mussolini e Hitler.


Foi sob a direção de Tito que no dia 22 de 1941 o bureau político do  C.C. do  Partido comunista da Iugoslávia reuniu-se em Belgrado, aprovando o manifesto Aos povos da Iugoslávia, que conclamava os patriotas a resistir de armas na mão aos ocupantes. O grego Michel Raptis, dito Pablo, o maior nome do trotskismo após o do fundador epônimo deste movimento[4], até por isso pouco suspeito de complacência em relação a um partido “stalinista”, assim sintetizou a epopéia dos comunistas iugoslavos:


O Partido Comunista Iugoslavo foi reorganizado em 1937 por Tito, quando retornou da Espanha. Todavia, até a  ocupação da Iugoslávia pelos alemães, este partido permaneceu bem fraco. Rankovic, que preparou o relatório sobre o trabalho de organização do Partido Iugoslavo no Quinto Congresso, informou que o número de membros do partido por ocasião da Quarta Conferência Nacional,  realizado em outubro de 1940 em Zagreb, onde foi eleito um novo Comitê Central de 29 membros, era de 6.000 (membros do) partido e 15.000 (membros da) Juventude. Mas em alguns meses, após o  partido ter lançado sua luta armada contra  as forças de ocupação, o número de seus membros tinha já dobrado. […] No final da guerra, o partido contava com cerca de 141.000 membros, e o número subiu para 468.000 em 1º de julho de 1948. O desenvolvimento da Juventude não foi menos impressionante: 1.415.000 membros inscritos. A composição social do partido era em média a seguinte: cerca de 30% de operários, de 15% de intelectuais e 55% de camponeses. O desenvolvimento do partido durante a guerra  ocorreu principalmente no exército de partisans, que chegou, ao que consta, a reunir cerca de 300.000 combatentes, camponeses pobres e operários, dirigidos pelo  Partido Comunista[5].

(continua)


Notas

[1] Citado por Gilbert Badia, Histoire de l’Allemagne contemporaine, vol., II, Paris, éditions sociales, 1964, p. 153.
[2] A Dinamarca, valente para provocar islâmicos, sequer fingiu esboçar uma reação à ocupação nazista. No dia 9 de abril de 1940, as tropas da cruz gamada instalaram-se tranqüilamente no país.

[3] Cf. O Estado de São Paulo de 25 de março de 1999.

[4] Mais conhecido pelo pseudônimo “Pablo”, Raptis prestou corajoso apoio ao FLN argelino na luta pela indeendência nacional. Preso em Amsterdã por participar de uma operação de falsificação de dinheiro combinada ao contrabando de armas para os patriotas do FLN, transformou sua defesa, seguindo o exemplo do “stalinista” Dimitrov, numa ardorosa denúncia das atrocidades cometidas pelo colonialismo francês. O texto desta denúncia está em Quatrième Internationale no. 14, novembro de 1961. Após quinze meses de prisão, Pablo foi libertado graças a uma campanha internacional lançada por Jean-Paul Sartre. Após a vitória da guerra de libertação nacional, Pablo foi nomeado ministro do governo revolucionário argelino. No início dos anos setenta ajudou muitos exilados brasileiros, entre os quais me incluo.


[5] Michel Pablo, “The Yugoslav Affair (August 1948)”, Fourth International, Vol.9 No.8, December 1948, pp.235-242. Transcribed & marked up by Einde O’Callaghan para Marxists’ Internet Archive. A tradução para o português é nossa. O tema central deste artigo de Pablo é a ruptura de Stalin com Tito.

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