Um Dantas por cem valérios

Enquanto busca apoio institucional para driblar as eleições e golpear o governo Lula, a oposição protege com imenso zelo seu mais veemente segredo: o banqueiro Daniel Valente Dantas. Síntese dos personagens da nossa História que enriqueceram ao preço

Quase que simultaneamente, Sílvio Pereira, o ex-secretário-geral do PT, foi superlativo ao afirmar que existem cem marcos valérios atrás do que foi convertido em celebridade nacional. Mas poderia acertar na mosca se, ao incluir o Opportunity entre as instituições financeiras envolvidas, resumisse a um personagem mimado pelos tucanos e pefelistas a verdadeira fonte da armação conservadora. Aí se organizou a nova ordem desses beneficiários privatistas da era FHC e a seqüência ao velho botim.


Como num roteiro cinematográfico em que correm estórias paralelas, rimando e rumando para um intrigante desfecho, tudo acontece justamente na semana em que o banqueiro perdeu US$ 500 milhões de dólares relativos à operação de venda da Brasil Telecom aos italianos.


O encontro das paralelas


Na sinopse, a Telecom Itália assina o acordo com o banco em 28.04.2005, exatamente 20 dias antes de Roberto Jefferson tornar pública a “revelação sensacional” do “mensalão”. Depois de um ano, vencido em 02.05.2006, a Telecom Itália “denuncia” o contrato e quer de volta os seus aproximados 500 milhões de dólares, depositados numa instituição financeira da Holanda. Transações desse porte oferecem polpudas comissões. Pela praxe corporativa dos rentistas, quanto ganharia quem evitasse tamanha perda para um pobre banqueiro? Dez por cento seriam US$ 50 milhões, 20% seriam US$ 100 milhões, 50% seriam US$ 250 milhões, e assim por diante. Quem disse que paralelas não se encontram?


Trata-se de uma história que transcende aos anos neoliberais e que ressurge nesse momento, quando as coisas se complicam para a oposição ao governo Lula. É o momento em que a ansiedade ganha as cabeças pensantes dos partidos que elegeram como principal meta a destruição, a qualquer custo, do atual presidente.


O recurso a instituições tradicionais como a PGR, MP e OAB (que já se recusou a participar da comédia), ou aos factóides produzidos pelos jornalões, surgiriam agora como a única esperança da consumação de um golpe com respaldo institucional. Visto que, malgrado todas as baixarias e armações, o clima no Parlamento arrefeceu, o homem se recusou a cair nas pesquisas, não deu tiro na têmpora nem abraçou a via do mea culpa de algum crime de responsabilidade.


Aliado de ouro


Enquanto busca o apoio institucional para driblar as eleições e golpear o governo Lula, essa oposição protege exemplarmente, com imenso zelo, o banqueiro Daniel Valente Dantas. Síntese dos personagens da nossa História que enriqueceram ao preço da fome e da miséria de milhões, desde a colonização, Dantas é ícone de uma trajetória de impunidade, que inclui ações lesivas a cerca de 400 mil participantes dos 12 mais importantes fundos de pensão do País. Conseguiu mais uma vez, no dia dois de maio, mediante habeas corpus, fugir ao depoimento no caso Kroll, um rumoroso caso de espionagem perpetrado contra — entre outros diversos cidadãos — Luís Roberto Demarco, um ex-sócio de seus numerosos negócios; o jornalista Paulo Henrique Amorim e membros do governo federal.


O fato, comparado à propalada “invasão de privacidade” do caseiro Francenildo, é aberrante: Dantas é acusado de invadir a privacidade do caseiro, do dono da casa, do inquilino, de todo mundo, de acordo com uma de suas maiores vítimas. Mas, paradoxalmente, trata-se de um singelo pecado venial, pois DVD já foi muito além do ato de pagar e receber propinas, comparecer a festinhas ou penetrar na intimidade das pessoas. Foi estrela nos fundos de pensão e nas privatizações de FHC, faturou fábulas durante o seu governo e, com seu Opportunity Fund, as manipulou rumo às ilhas Cayman, como revelou o caso com o Citibank, de Nova Iorque.


Pergunta que não cala


Do relator Osmar Serraglio ao presidente Delcídio Amaral, da CPMI dos Correios, trafegando pelos senadores Heráclito Fortes, ACM, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Jorge Bornhausen, etc., aos deputados federais Rodrigo Maia, ACMzinho Neto, Eduardo Paes, Gustavo Fruet, Alberto Goldman, entre outras “feras” da ética de salão e travestidos gladiadores da corrupção, ninguém explicou por que esse mega-financista foi poupado.
A CPMI encontrou 299 depósitos que a Telemig Celular (empresa do Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas) fez nas contas da DNA Propaganda, de Marcos Valério Fernandes de Souza. Somente a Telemig repassou R$ 94,3 milhões para a DNA Propaganda nos últimos cinco anos, revelou a CPI. Juntas, Telemig, Amazônia Celular e Brasil Telecom (enquanto Dantas foi seu controlador com o dinheiro dos fundos de pensão) transferiram R$ 145 milhões para as empresas de Valério no mesmo período, diz a CPMI. Os valores colocaram Daniel Dantas como o maior depositante de recursos nas contas de Valério, segundo o levantamento da CPMI. O Jornal do Brasil (08.08.2005) foi um dos poucos órgãos de imprensa a dar publicidade ao fato, às vésperas da convocação de Dantas para prestar depoimento — “embananado” pela oposição.


Então, por que a CPMI ignorou olimpicamente ao fato e às inúmeras revelações que se seguiram?

O incômodo latente levou o jornalista Hélio Fernandes a indagar em sua coluna (29.04.2006) na Tribuna da Imprensa: “Perguntinha inócua, inútil, ingênua: por que Daniel Dantas não foi citado, indiciado, responsabilizado? Antes da ‘Lista de Schindler’ e a do governador Lerner, já havia a lista de Dantas. Com nomes que se julgavam e ainda se julgam ilustres, mas que recebiam mensalmente. O mensalão não é original nem no nome”.


Botim aos fundos


Desde 2001 a Previ, a Petros, a Funcef e mais nove fundos de pensão da previdência complementar travaram uma autêntica guerra contra o Banco Opportunity. Apesar da posse de cotas superiores a 40% do capital da Telemig, Amazônia Celular e Brasil Telecom, esses fundos de pensão foram afastados do controle das empresas, mediante uma engenharia societária montada por Dantas — que detinha menos de 10% das ações.

Essa bizarra situação foi montada ao longo da privatização das teles — capitalizadas pelos fundos de pensão — no governo FHC, legando enorme prejuízo às centenas de milhares de trabalhadores vinculados a esses fundos. Dantas foi tão prestigiado neste governo que se tornou o principal operador dos leilões, um golpe denunciado e contestado à época.


Saudades de FHC


Pela via judicial, Dantas perdeu o controle da Brasil Telecom, foi condenado por improbidade administrativa, afastado gradualmente da administração de fundos de investimento e participações acionárias. Quando Dantas tramou uma operação de venda da Telemig e Amazônia Celular sem anuência dos demais sócios, o acirramento teve seu pico, visto que os fundos de pensão fecharam um acordo com o Citigroup para recuperação de seus ativos.

Na verdade, naquele roteiro, Dantas tenta vender as duas empresas para a Portugal Telecom e pede US$ 300 milhões “por fora”, usurpando os trabalhadores dos fundos de pensão. Para isso manda Marcos Valério a Portugal com dois conhecidos personagens — que permanecem na ante-sala da multinacional e não presenciam o diálogo no qual Marcos Valério informa a Horta e Costa, presidente da Portugal Telecom, que o dinheiro “por fora” tinha destino certo: no caso, Dantas promete US$ 50 milhões para os dois personagens, caso embolsasse os US$ 300 milhões. A Portugal Telecom não concorda em fazer o negócio nesses termos.


O herói deles suspira de saudade, pois no tempo de FHC e do PSDB tudo deu certo pontualmente e em muito maior volume. Desalentado, xinga ruidosamente José Dirceu, Delúbio, Pizzolato, Silvinho, Sereno…


Vitórias na luta


Dantas pretendia perpetuar-se no controle das empresas via arranjos societários fraudulentos que converteriam os fundos de pensão e o Citigroup em sócios minoritários e sem liquidez alguma.
Foi essencial nas vitórias conquistadas, a movimentação dos prejudicados. Numa dessas iniciativas, centenas de petroleiros e bancários do Rio de Janeiro e de São Paulo, reunidos por suas entidades nacionais e regionais representativas, ocuparam o saguão onde funciona a sede do Opportunity, no centro do Rio, e realizaram, no dia 31 de agosto de 2005, um ato público no qual a tônica foram os discursos contundentes contra Dantas.


Os manifestantes exigiram uma ampla investigação dos negócios de Dantas, a exemplo do favorecimento de FHC ao Opportunity, seu envolvimento nas privatizações tucanas e nas atuais denúncias de corrupção — que apresentam todos os ingredientes para uma trama na qual os principais envolvidos nos arraiais do PT foram tratados como penetras num baile e depois ridicularizados, servindo ao escárnio público e conseqüente desmoralização.


Guerra societária


Do embate da espionagem, iniciado há mais de seis anos, brotou a maior disputa societária da história do Brasil, em especial (de Dantas) com os fundos de pensão, com a Telecom Itália e o Citibank. Na 14ª delegacia de São Paulo, um pedido de indiciamento conectou todos os casos. O delegado Marcel Luiz de Campos determinou que uma nova intimação da “investigada Maria Regina Yasbek (NR: ex-mulher de Demarco, por violação de sua correspondência eletrônica) para formal indiciamento”.


Em maio de 2001, instaurou-se o inquérito para apurar o roubo de quatro mil e-mails de Luis Roberto Demarco. À época o diretor de informática da empresa, José Luiz Galego Junior, foi indiciado por furto, invasão de privacidade e violação de sigilo telemático. Maria Regina Yasbek, proprietária de 7% do capital social do Opportunity HE S/A (dados públicos da Bovespa em www.somativos.com.br), foi investigada no mesmo inquérito. Pedido seu indiciamento, Yasbek não obteve habeas corpus, mas um promotor arquivou o processo. Demarco pediu a sua reabertura, concedida pelo tribunal em 14 de fevereiro de 2005.


O indiciamento formal de Regina Yasbek teve outra conseqüência por decisão de Campos: “Havendo notícia nos autos de que o material interceptado (os e-mails de Demarco) foi utilizado pela empresa Opportunity em processo no exterior (Demarco X Dantas, na corte britânica das Ilhas Cayman), determino expedição de carta precatória para a Polinter no Rio de Janeiro para que possam ser ouvidas as pessoas de Daniel Valente Dantas e Verônica Dantas (NR: irmã de Dantas)”. No dia 2 de maio, às 13 horas, Dantas deveria depor na 5ª vara federal, em São Paulo, no processo onde foi denunciado por corrupção ativa, violação de sigilo e formação de quadrilha.


Projeto Tokyo


O processo tem conexão com o caso Kroll, empresa multinacional de investigação, acusada de, numa operação conhecida como Tokyo, ter espionado diversos membros do governo Lula — entre outras ações, a interceptação de correspondência eletrônica do então ministro Luiz Gushiken. Surge então o nexo entre os processos: nos e-mails encontrados no Projeto Tokyo, da Kroll, estavam duas mensagens trocadas entre o ministro e Demarco. Furtadas dos computadores de Demarco em 2001, apareceram anos depois no esquema de espionagem Kroll-Tokyo como elo de ligação.


O próprio Daniel Dantas admite, em carta assinada ao Ministério Público em 14.03.2002, que utilizou “um documento confidencial furtado do Sr. Demarco”. Regina Yasbek admitiu a entrega desse documento ao Opportunity — do lote de quatro mil e-mails onde se encontram, além dos dois e-mails, outras 44 mensagens eletrônicas capturadas com a Kroll Associates. A revista CartaCapital de 04.08.2004 publicou a transcrição de uma conversa gravada entre Regina Yazbek e Eduardo Gomide, então Presidente da Kroll Associates no Brasil, na qual a Yazbek combina o envio dos e-mails e CDs para que fossem guardados pela Kroll.


Assunto para a OAB 


Para conseguir habeas corpus para seus clientes, a defesa de Dantas e de Carla Cicco (ex-presidente da Brasil Telecom e sua sócia) alegou que não foi intimada e que desconhecia os 20 volumes do processo. Entretanto, antes disso, de acordo com a imprensa da Justiça Federal, Dantas e Carla Cicco haviam pedido ao juízo da 5ª Vara o adiamento de todos os interrogatórios sob os mesmos argumentos, mas o juiz Silvio da Rocha indeferira o pedido. Em sua decisão (26.04.2006) esclareceu que “a advogada dos réus, em 14.02.2006, esteve em secretaria e retirou os volumes do processo que lhe interessavam (volumes 10 e 11), nos quais estão contidas as informações que a defesa ora alega não ter conhecimento”.


Acrescentou ainda que “os relatórios questionados ficaram à disposição dos interessados bem antes da redesignação dos interrogatórios, tanto que foram objeto de consulta e retirada por parte dos outros defensores dos demais envolvidos nos fatos”.


No dia dois de maio o TRF3 acatou parcialmente os argumentos dos réus com base na lei nº10.792/03, que prevê a presença obrigatória do defensor no interrogatório do réu, e remarcou a audiência de Daniel Dantas para 30 de maio de 2006. Ficaram mantidos os demais interrogatórios — pelos crimes de corrupção ativa, interceptação telefônica ilegal e formação de quadrilha — de 23 personagens ligados a Daniel Dantas.


Nos bastidores da Folha


No final de semana que precedeu o primeiro de maio, os jornalistas Rubens Valente e Leonardo de Souza preparavam matéria para a Folha de São Paulo em cima de um fato muito simples, mas muito significativo: Em depoimento prestado à Polícia Federal em 27.10.2004, no “Auto de Prisão em Flagrante” dos executivos da Kroll Associates, o mesmo Eduardo Gomide confirmou que a Kroll Associates foi contratada primeiro pelo Opportunity, que pagou para espionar Demarco, e que prestou serviços à ex-mulher dele, Regina Yazbek — que também lhe entregou os e-mails furtados. Essa revelação quebrou a linha de defesa de Dantas, que responsabilizara a Brasil Telecom: definitivamente foi o Opportunity o contratante da Kroll.


Quando os jornalistas foram “ouvir o outro lado”, entrou em cena o jornalista Guilherme Barros, hoje ligado a Regina Yazbek, e usou toda a sua influência para defenestrar vitoriosamente a matéria. Novamente foi afirmado um fato: não há independência na mídia em relação a Daniel Dantas, que mantém ampla lista de pagamentos a que se refere o jornalista Hélio Fernandes.


Os profissionais de imprensa que o enfrentaram, todos foram perseguidos. Paulo Henrique Amorim foi espionado pela Kroll e pelo espião israelense Avner Shemesh, contratado do mesmo modo. Os arapongas seguiram sua mulher e sua filha. Rubens Glasberg, do TELETIME, teve cinco processos contra ele. Mino Carta também foi processado. Luis Nassif foi perseguido e difamado por Diogo Mainardi, via Opportunity.


CPMI frustrou ANAPAR


Antes do tumultuado depoimento de Dantas na CPMI, no dia 21 de setembro de 2005, a ANAPAR (Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão) apresentou aos deputados e senadores um Memorial sobre a atuação de Dantas e do Grupo Opportunity no qual informava:
“A cada dia são revelados novos prejuízos, irregularidades e descalabros. Os gastos irregulares e exorbitantes com advogados, aviões, taxas de administração, comissões e outras rubricas chegam a centenas de milhões de reais, sempre em prejuízo dos fundos de pensão e outros investidores.  O Opportunity e seus controladores foram indiciados, acusados ou condenados em processos no Brasil, nos Estados Unidos e nas Ilhas Cayman. Várias são as acusações: roubo de documentos, falsificação de documentos e provas, descumprimento de dever fiduciário, administração irregular, investigação ilegal de membros do governo e de outras instituições, escuta telefônica clandestina, descumprimento de decisões judiciais, formação de quadrilha, participação irregular de brasileiros em fundos de investimento destinados a estrangeiros, dentre outras”.


A ANAPAR também manifestou sua expectativa de que a CPMI contribuísse para “clarear muitas questões”, “tais como as investigações realizadas pela Kroll e pelo espião de origem israelense Avner Shemesh; a interferência de membros do governo FHC no processo de privatização das empresas de telefonia, em benefício do Opportunity; os investidores brasileiros que aplicaram recursos no Opportunity Fund, sediado no paraíso fiscal das Ilhas Cayman; os depósitos de pelo menos R$ 165 milhões, feitos pela Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular nas contas das empresas de Marcos Valério, depósitos que acontecem desde 1998, logo após a privatização das teles; os vôos feitos pelos aviões do Consórcio Voa Brasil, de propriedade das três empresas controladas pelo Opportunity — há suspeitas de vôos para paraísos fiscais e para regiões onde as empresas proprietárias não operam, muitas vezes com boa freqüência de políticos e figuras ilustres; os acordos e práticas lesivas aos fundos de pensão e demais sócios – Citibank, Telecom Itália e outros.


É preciso, ainda, abrir os dados das contas 368 nas Ilhas Cayman, movimentadas pela irmã de Daniel, Verônica Dantas, para sabermos quem são os investidores do Opportunity Fund (…) a tentativa de venda da Telemig Celular para a Vivo, sem consulta aos demais sócios. Há graves suspeitas de que o Opportunity utilizaria o dinheiro desta venda para comprar a participação do Citibank na Brasil Telecom. Pagamento que seria feito com dinheiros dos outros, como ocorreu no leilão de privatização. As CPMIs precisam pedir os dados do Hard Disk de computador apreendido pela Polícia Federal durante as investigações envolvendo escutas clandestinas (…) 400 mil participantes de 12 fundos de pensão querem ver levantados os prejuízos causados aos seus investimentos, e se irregularidades forem comprovadas, que os fundos sejam indenizados”.


Arcanjo vingador


Certamente não é esse o único segredo veemente da oposição — e muitos outros emergirão. Ainda nem seria o do chefe do crime organizado no Mato Grosso, o bicheiro João Arcanjo Ribeiro, o “comendador”, outro poderoso meliante que admitiu seus vínculos e sua intimidade com o PSDB. Preso em Cuiabá, capital do Mato Grosso, prestou depoimento no domingo, 30 de abril, à Polícia Federal, revelando o ex-governador tucano Dante de Oliveira, do PSDB, como receptor de dinheiro ilegal para financiamento da campanha de 1998. Essa informação contribui para o desmonte do discurso “ético” dos tucanos na disputa de 2006, pois Arcanjo, ex-policial civil, é considerado um dos criminosos mais temidos do país.


De acordo com o Correio Brasiliense (30.04.2006), a coisa é feia: “Nos processos contra ele, o Ministério Público denuncia níveis altíssimos de crueldade no modus operandi de seu grupo, condenado por remessa ilegal de divisas, lavagem de dinheiro, contravenção, corrupção, crimes contra o sistema financeiro, formação de quadrilha e vários assassinatos. É o tipo de personagem que qualquer partido político no mundo gostaria de manter léguas de distância”. Diante dele, Waldomiro Diniz é um anjo, mas o poder conservador ao blindar os seus permanece incompreensível para milhões de brasileiros.


“Fantástico” recuou


A entrevista do “comendador” Arcanjo não saiu no “Fantástico”, da Rede Globo. O PSDB “moveu pedras e montanhas para evitar a exibição” e há tucanos dispostos a barrá-la na Justiça em caso de ameaça. Há notícias de um apelo de FHC à família Marinho, sob o argumento de que “o PT quer ‘acabar’ com a principal voz da oposição hoje no país: Antero Paes de Barros”. Nessa temível entrevista “Arcanjo afirmaria que deu dinheiro para a campanha de Barros; em troca, conseguiria trazer sua mulher para o país e teria seus bens desbloqueados”.


Segundo policiais, advogados e funcionários da Globo a principal informação de Arcanjo é que “recebeu em sua fazenda o senador APB (Antero Paes de Barros) e alguns tucanos” e, “além de afirmar ter financiado a campanha do PSDB em MT, Arcanjo falou na entrevista sobre seus empréstimos para políticos tucanos e disse que tem certeza de que ainda vai recebê-los”. Condenado a 37 anos de prisão, o “comendador” reiterou denúncias de seu ex-gerente, Nilson Roberto Teixeira, há três anos, quanto às “arcas clandestinas” do tucanato de Mato Grosso.
Caixa 2 em 98, rescaldo de 94.


Por que se esperou esse tempo todo para levantar uma denúncia reiterada no início de abril passado, mas informada à Justiça em 2003? Segundo o jornalista Josias de Souza, da Folha de São Paulo, “Dante pegou dinheiro da Confiança Factoring, a empresa de Arcanjo, e pagou a dívida com cheques do DVOP (antigo órgão de obras públicas do governo tucano — de 1995 a 2002). Assim, teria ocorrido desvio de dinheiro público para bancar a campanha de 1998 e débitos ainda de 1994. Segundo a Justiça Federal de Mato Grosso, a Confiança Factoring recebeu do DVOP R$ 8.332.775, de 21 de janeiro de 1998 a fevereiro de 2003”.


A Justiça Federal determinou à PF averiguação nas contas do senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), derrotado na disputa pelo governo de Mato Grosso em 2002. Arcanjo o mencionou como um velho conhecido. Às voltas com o crime organizado, Dante de Oliveira e Barros se agrupam ao ex-presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, aproximando perigosamente o tucanato das delegacias policiais — as quais sempre foram exímios na arte de driblar.


Genocídio à moda colonial


Como se vê, os erros admitidos por Lula ou por seus aliados não se enquadram na linha dos delitos da sinistra elite brasileira e que poderiam, quando se fala do mais estrutural deles, ser qualificados na categoria do genocídio. Pois muitos brasileiros morreram de fome ou desnutrição antes da posse de Lula, desde a mais profunda e iníqua miséria — oriunda da perversa concentração da renda e da riqueza assentadas na clássica legitimação dos sistemas de exploração do trabalho ou na mera apropriação privada dos recursos públicos.


Tais práticas foram articuladas, grosso modo, a organizações imperiais ou monárquicas, aos partidos oligárquicos da velha República, à velha e golpista UDN, e, mais recentemente, ao PSDB e ao PFL, passando, claro, ao longo dos anos da ditadura, pela Arena e pelo PDS. Ou seja, essa plêiade de vampiros do orçamento público tem origem, história e tradição a honrar. No episódio mais recente apenas admitiram a aprovação do Orçamento federal após a concessão de um naco ponderável dos recursos.


Novos anões


A ética da oposição conservadora não teve pejo de postergar, à base da chantagem, que o País tivesse um Orçamento. Conquistou, enfim, um pouco do seu tradicional naco do dinheiro público, do qual se distanciou quando perdeu as eleições em 2002. Esses recursos, destinados a alguns estados governados pelo PSDB e PFL, serão tratados do mesmo modo que os botins tradicionais: a partir de 10% (dez por cento), distribuídos em camadas de comissões a cada elemento ou empreiteira participante da cadeia, esmaecerão até que não lhes reste nenhum poder operacional em benefício das populações.
 
Aliás, um singelo balanço dos admissíveis erros atuais, os encontrará em harmonia com o que foi preservado, em matéria de condescendência com um passado recente e sua política restritiva ao desenvolvimento, ainda mediado pelo breve tempo para operar transformações numa realidade formada em décadas e séculos. No mais, a crítica ingênua poderia argüir a culpa de um governo que não açula uma revolução social, mesmo eleito com a esmagadora maioria de votos. Mas não é assim que se fazem as revoluções e não é esse o crime que a choldra busca ao exumar, no limite, a mãe do Presidente.

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