As polêmicas eleições libanesas

Marcada para ocorrer em 25 de setembro passado, pela constituição do país porque o mandato do atual presidente Emile Lahoud vence em 23 de novembro próximo, sem quorum, acabou sendo adiada. Foi transferida para o dia 23 de outubro. Como isso pode alterar

Alguns esclarecimentos históricos


 


Ainda que alguns libaneses de linha dita mais nacionalista não se considerem “árabes”, o Líbano foi arabisado de fato há mais de 1.300 anos, quando da expansão do império árabe-muçulmano no século VII. Conquistou uma certa independência como República em 1926, ainda que sob influência e colonização francesa, quando à época existia a Liga das Nações (sucessora da Sociedade das Nações e antecessora da ONU). Por isso inclusive muitos libaneses falam como segunda língua o francês. Uma nova dominação francesa ocorreu por ocasião da 2ª Guerra Mundial.


 


Na fase mais recente, o país viveu uma intensa guerra civil, entre correntes políticas e religiosas, por 15 anos, entre 1975 e 1990. O acordo de paz foi selado entre as várias facções em guerra, de forma que ficou estabelecido pela Constituição que o presidente do país (que é uma República Parlamentarista), será sempre um cristão maronita; o presidente do Parlamento (a Câmara dos Deputados de lá), será sempre um muçulmano xiita e o primeiro Ministro do país será sempre um muçulmano sunita. Hoje, ocupam esses três postos respectivamente Emile Lahoud, Nabih Berry e Fouad Siniora.


 


A discussão que se faz no momento, cujo prazo constitucional vence no próximo dia 23 de novembro, é a eleição do novo presidente do país, cujo poder, entre outros, é indicar o primeiro Ministro, dissolver o parlamento, convocar novas eleições entre outros. A configuração atual na política libanesa faz com que o primeiro Ministro, Siniora, seja pró-Ocidental e pró-EUA e de certa forma aliado de Israel e os outros dois em campos opostos, recebem a solidariedade tanto da maior parte do povo, como de países vizinhos que enfrentam os Estados Unidos e Israel, como os governos da Síria e do Irã.


 


Nas últimas eleições ocorridas no início do ano passado, quem era oposição virou governo e vice-versa. Faço aqui uma pequena radiografia desse parlamento de 128 cadeiras, cuja maioria de dois terços para eleger o novo presidente depende do voto de pelo menos 85 deputados. A situação possui maioria é bem verdade, mas tem apenas 68 deputados e a oposição tem 57 deputados, mas garante que não se eleja presidente sem ela (a conta não fecha por causa de deputados independentes nem sempre fechando com os grandes blocos).


 


Para efeitos de registro, quero dizer que as coisas estão tensas no Líbano. Ainda que eu não aposte um centavo em uma nova guerra civil, muita gente tem morrido. A lista de minha pesquisa mostra que em um ano e meio morreram um ex-primeiro Ministro, Hafic Hariri; quatro deputados (Bassel Fleihan; Gebran Tueni; Walid Eido e Pierre Gemayel, que era deputado, mas estava ministro quando morreu e era sobrinho de Amin Gemayel, de família extremamente rica no Líbano); um jornalista (Samir Kassir) e um político sem mandato (George Hawi).


 


Que é quem no parlamento libanês hoje


 


Como disse, o atual primeiro Ministro só pode ser nomeado porque seu grupo, sua coalizão, chamada de “14 de Março” (dia da morte de um líder libanês) obteve a maioria dos deputados nas eleições. A divisão de forças no parlamento ficou assim constituída:


 


* Governistas – possuem 68 cadeiras assim distribuídas:


 


a) Movimento Futuro – cujo líder é o filho do ex-primeiro Ministro assassinado, Hafic Hariri, que é deputado, Saad Hariri e é o líder da maioria no parlamento. Apóia firmemente Fouad Siniora e quer eleger o próximo presidente. Possuem 36 cadeiras (28,12%);


 


b) Bloco Trípoli – possuem apenas cinco cadeiras (3,9%) e são oriundos dessa região libanesa;


 


c) Social Progressista – são lideradas pelos drusos (uma linha diferente de muçulmano, nem xiita nem sunita). Seu chefe político é Walid Jumblat, filho do falecido Kamal Jumblat. De progressistas tem só o nome, pois fazem o jogo da direita hoje, ainda que no passado tenham combatido a falange cristã essa sim de extrema direita de Amin Gemayel. Possuem 16 cadeiras (12,5%);


 


d) Força Libanesa – liderada por Samir Geagea, ex-senhor da guerra e tem seis deputados (4,68%);


 


e) Kataeb – possuem também cinco cadeiras (3,9%).


 


Ao todo, portanto, esses governistas com suas 68 cadeiras, detém 53,12% do parlamento, maioria, é bem verdade, mas não o suficiente para eleger o presidente, com dois terços.


 


* Oposição – possuem 57 cadeiras no total (44,53%), pois existem outros três deputados que na maior parte das vezes acaba votando com a oposição (registre-se aqui ainda que desde o início do ano passado, quando da eleição do parlamento, três deputados foram assassinados). São os seguintes os grupos políticos da oposição:


 


a) Amal – grupo político liderado pelo atual presidente do parlamento, Nabih Berry e que possui 14 cadeiras (10,93%). São muçulmanos xiitas. Eles vêm pregando um candidato de consenso entre os grupos, para que a oposição possa ter direito de veto no parlamento;


 


b) Hezbolláh – seu líder máximo é o jovem clérigo muçulmano também xiita Hassan Nasrallah, que liderou a resistência libanesa, com outras forças, nos ataques por 32 dias seguidos que Israel perpetrou em julho e agosto de 2006 no Sul do país (norte de Israel). Está fortalecido hoje e é extremamente popular no país. Tem 14 cadeiras (10,93%). Possuía cinco ministros no governo e entregou os cargos e faz ferrenha oposição à Siniora, ao qual consideram pró-EUA;


 


c) Partido Nacional Sírio – é uma espécie de sessão libanesa do Partido Socialista Árabe, que estava no poder com Saddam Hussein no Iraque, onde foram desmantelados, mas ainda mantém-se forte na Síria, com o presidente Bachar El-Assad. Possui apenas sete cadeiras (5,46%);


 


d) Movimento de Mudança e Reforma – seu líder máximo é o ex-primeiro Ministro e cristão, o general Michel Aoun, que vivia, até o ano passado, no exílio. Era considerado anti-Síria, mas fez alianças com setores amigos da Síria e os xiitas e parte dos sunitas e constituiu um bloco político forte e é candidato a presidente do país.


 


Perspectivas e desdobramentos


 


Como por força constitucional para ser presidente do país, ainda que não pelo voto popular, pois a eleição ocorre pelo parlamento, é imperativo que o político candidato seja cristão, por mais populares que possam ser o atual primeiro Ministro Siniora e o líder oposicionista Nasrallah, não podem ser candidatar por serem muçulmanos. Podemos achar absurdo – e de fato é mesmo do ponto de vista democrático e da separação do estado das religiões conforme nossa cultura ocidental – mas devemos respeitar a soberania libanesa e procurar analisar dentro dessa perspectiva.


 


Tenho advogado a tese, muitas vezes de difícil compreensão, pelo bombardeio em contrário que a mídia faz, que o problema em todo Oriente Médio não é religioso, mas sim político. É verdade que existem componentes religiosos que são fortes, influenciam, mas não determinam. A grande prova que venho usando, se podemos chamar assim, é que os sunitas no Iraque, dão o maior combate à ocupação americana e inglesa, oferecem a maior resistência possível, enquanto os xiitas de lá aceitaram a ocupação e governam o país em uma verdadeira farsa “democrática” inventada por George Bush Jr. No Líbano, as coisas se invertem. Os xiitas dão combate aos Estados Unidos e a Israel e os sunitas o apóiam.


 


Há vários candidatos possíveis nesse cenário, que a grande imprensa, cuja maioria esmagadora dos correspondentes que cobrem o Oriente Médio, sequer falam árabe, mas apenas inglês e francês, vem ventilando. São eles, além de Michel Aoun, Nassib Lahoud (apesar de parente do atual presidente, ainda que distante, é contra ele e foi primeiro Ministro); Michel Suleiman, atual comandante das Forças Armadas (que pouco ou quase nada fez contra os ataques israelenses que mataram mil e duzentos libaneses, feriram outros quatro mil e deslocaram quatro milhões de pessoas no sul do país) e Riad Salameh, diretor do Banco Central libanês. Todos esses três últimos são pró-ocidente e apoiados pela coalizão governista. Nesse cenário, toda a oposição vai tentar descarregar votos no cristão Aoun.


 


Interessante registrar que após o adiamento da votação, que ocorreria no dia 25 de setembro, mas a oposição ainda que presente, decidiu não dar quorum para as eleições, não legitimar a sessão, já que tinha temo ainda, para poder prosseguir as negociações e tentar um consenso, de forma que o presidente seja um patriota, nacionalista e não um apoiador dos Estados Unidos e de Israel.


 


A ONU, na sua sessão da Assembléia Geral, aberta sempre por um brasileiro, desde 1948, acabou, através do presidente temporário de seu conselho de segurança, que é ministro das relações exteriores da França, pedindo uma solução rápida, limpa e que as eleições sejam livres, sem a “interferência de nenhum país”, numa clara e direta alusão à Síria, país vizinho, irmão e aliado tradicional e antigo do Líbano e que vem adotando posições de firmeza no enfrentamento aos americanos e em apoio aos palestinos.


 


De pronto, duas formas de reações foram observadas no país. O primeiro Ministro Siniora saiu em apoio a essa declaração, dizendo que é isso mesmo, o Líbano deve ter a sua autonomia, sem ingerência externa. Em contra partida, o presidente Lahoud contestou totalmente, dizendo que o país é independente. Na vida política é assim. Formamos blocos de aliados de forma rápido. Costumo dar um exemplo de times de futebol para ilustrar o jogo. Podemos torcer por qualquer time, mas quando o nosso não joga uma final, quase nunca ficamos neutros, mas escolhemos “um dos lados” para nos aliarmos (ainda que isso em nada altere os resultados).


 


Caso até o dia 23 de novembro não se chegue a um acordo, a constituição também fala que o primeiro Ministro assume os poderes de chefe de Estado, do executivo, acumulando um poder que a oposição não quer que tenha. Por isso, é possível um acordo. Ninguém quer uma situação que ocorreu em 1988, em plena guerra civil, quando o Líbano chegou a ter dois primeiros Ministros, o general Aoun, cristão, e o sunita Selim Hoss. Como analista internacional, não podemos prever o que vai ocorrer, mas o cenário mais provável é que ocorra um acordo, sob pena de vermos o cenário cada vez mais radicalizado. Voltaremos ainda a esse tema outras vezes para informar nossos leitores.

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