A mão da CIA no jornalismo brasileiro

O modelo de jornalismo da “grande imprensa” brasileira tem a ver com a natureza do regime militar instaurado pelo golpe de 1964. O setor possivelmente é o que define melhor o papel de uma ''elite orgânica'', de “orientação empresarial”, que atuou inten

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Logo após o golpe militar de 1964, o então diretor do Departamento de Projetos Sociais do Instituto Americano para o Desenvolvimento do Sindicalismo Livre — “American Institute for Free Labor Development” (AIFLD) —, William Doherty Jr., disse, sem meias palavras, como o sindicalismo brasileiro passou a ser dirigido por um dos tentáculos do Estado norte-americano. “No Brasil, sob o regime de João Goulart não tivemos oportunidade de trabalhar e por essa razão começamos somente no mês de abril de 1964”, escreveu ele no relatório ao II Fórum Sindical Interamericano sobre “Problemas Econômicos e Sociais para o Progresso”, realizado no México entre 10 e 15 de junho daquele mesmo ano.


 


Doherty Jr. é um célebre agente da Central Intelligence Agency (CIA) e foi diretor do AIFLD durante 30 dos 34 anos de existência daquela organização. Depois foi embaixador dos Estados Unidos na Guiana e ativo membro do fascista “Centro Por Uma Cuba Livre”. O AIFLD surgiu no governo do presidente John Fitzgerald Kennedy por meio da Direção de Planificação da CIA para cercar a influência da revolução cubana na América Latina. Segundo o seu então presidente, George Meany, era “dever dos Estados Unidos contribuir para o desenvolvimento dos sindicatos livres na América Latina”.


 


As entranhas da FIOPP foram expostas


 


O AIFLD diz que ministrou cursos para 243.668 sindicalistas latino-americanos — muitos deles, jornalistas. Alguns receberam “capacitação especial” no “instituto de formação”, o Front Royal School, no Estado da Virginia. A especialidade era, além da formação sindical, o comércio exterior norte-americano e a propaganda anticomunista. Um de seus braços era a Federação Interamericana de Organizações de Periodistas Profissionais (FIOPP). Seu secretário, o jornalista argentino Artur Scthirbu, esteve no Brasil por cerca de dois anos para cooptar o movimento sindical jornalístico brasileiro. A própria história da FIOPP explica a sua finalidade. 


 


Em 1959, o American Newspaper Guild, que é um sindicato de jornalistas dos Estados Unidos, e uma intitulada União de Jornalistas Livres, formada por exilados dos países do leste europeu, dirigiram um apelo a todo o continente americano para que os profissionais da imprensa participassem de uma reunião no Panamá, em 1960, quando seria criada uma entidade interamericana de organizações jornalísticas profissionais. Era uma resposta à tentativa de criação de uma federação latino-americana de jornalistas profissionais, com uma evidente linha de defesa dos interesses da categoria e de viés progressista.


 


Os conhecidos planos dos agentes da FIOPP


 


As entranhas da FIOPP foram expostas quando uma vasta rede de corrupção mantida pela CIA foi desmontada, revelando como a organização — além da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), sediada em Bruxelas —, era financiada. No Brasil, a Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais denunciou a FIOPP quando uma “junta governativa” foi nomeada pela ditadura militar no lugar da direção eleita no X Congresso Nacional de Jornalistas, realizado em setembro de 1963. “Os mesmos grupos que em 1961 haviam sido derrotados (…), e que em 1963 não haviam logrado sequer compor uma chapa concorrente às eleições, alcançaram finalmente (…) o domínio da Federação”, dizia uma mensagem da diretoria destituída.


 


Segundo o documento da Federação, a diretoria conhecia bem os planos dos agentes da FIOPP. Emissários do grupo teriam viajado pelo Brasil inteiro, “numa campanha de arregimentação sem precedentes”, financiados com recursos estrangeiros — conforme denunciou o jornal Correio da Manhã. “Os jornalistas e os demais trabalhadores reconquistarão as organizações sindicais para nelas trabalhar na defesa dos seus interesses que se confundem com os interesses do Brasil independente, democrático, soberano, progressista e fraternal”, finalizava a mensagem.


 


Mensagem do presidente Lyndon Johnson


 


A ''junta governativa'' logo filiaria a Federação à FIOPP. Para valorizar a decisão, o III Congresso da organização interamericana foi realizado no Rio de Janeiro em novembro de 1964. Uma mensagem do presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, registrou a sua satisfação por “ver profissionais da imprensa empenhados na campanha por melhores meios de desenvolver a cooperação interamericana”. Terminado o evento, a diretoria nomeada da Federação começou a aplicar as diretrizes da FIOPP. Quem se der ao trabalho de ler a coleção do Boletim da entidade da época verá claramente os esforços para enquadrar o sindicalismo jornalístico brasileiro na linha daquela organização.


 


A corrupção e o anticomunismo eram discutidos publicamente — como foi o caso de uma nota da redação do Jornal do Brasil publicada no dia 13 de julho de 1966, quando as eleições na Federação entraram na ordem do dia e dois grupos (um deles apoiado pela FIOPP) disputavam o comando da entidade. “Agora — e é o mais grave —, uma estranha organização norte-americana, a FIOPP, a pretexto de fazer anticomunismo, está despejando muito dinheiro nos meios sindicais, prejudicando o andamento natural das eleições na Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais”, disse o jornal. Apesar dos protestos, a chapa da FIOPP venceu as eleições.


 


Manobra da FIOPP para assaltar a Federação


 


Toda essa manobra para assaltar a Federação foi articulada ao mesmo tempo em que outras medidas eram tomadas para amordaçar o jornalismo brasileiro. O setor, possivelmente, é o que define melhor o papel de uma ''elite orgânica'', de “orientação empresarial”, que atuou intensamente na desestabilização do regime democrático pré-1964 para pôr no lugar a ''ordem empresarial'' após o ''golpe de classe'' — conforme explicou o cientista político René Armand Dreifuss, no importante livro A conquista do Estado — ação política, poder e golpe de classe. 


 


As transformações começaram com a mão do Estado fortalecendo os grupos monopolistas — um processo bem ilustrado pelos acontecimentos envolvendo a Editora Abril e a Rede Globo de Televisão. A Abril nasceu pelas mãos do cidadão norte-americano Victor Civita, que intermediou as negociações entre o grupo Time-Life e o empresário Roberto Marinho para a criação de uma poderosa rede de televisão no Brasil. Civita quase foi convencido a criar a TV, mas o temor de ser flagrado em delito por ser estrangeiro e possuir um grupo de comunicação — um impedimento legal, e por isso ele vivia no anonimato — o fez transferir o negócio para o amigo. Assim nasceu a Rede Globo de Televisão — porta-voz oficiosa da ditadura militar.


 


Modificações no estilo de jornalismo


 


O estilo de jornalismo também sofreu modificações profundas, que, em sua essência, sobrevivem firmes e fortes até hoje. Por meio de decretos com variadas formas, o exercício da profissão foi limitado ao cumprimento de regras condizentes com a natureza ditatorial do regime — entre elas a censura prévia, a proibição de notícias “subversivas” e a substituição do jornalista pelo jornalista de profissão. Essas regras caíram, mas os grupos que controlam o setor reforçaram a tendência do estilo norte-americano que chegou ao Brasil nos anos 40 por meio de um processo de ''modernização'' deflagrado por Pompeu de Souza, do Diário Carioca. 


 


Vocações literárias e evocações filosóficas foram substituídas por uma narrativa simples e linguagem empobrecida. Pompeu de Souza recebeu, apropriadamente, o título, concedido por Nelson Rodrigues, de ''pai dos idiotas da objetividade''. Era uma adaptação artificial da famosa tese do orador romano Marco Túlio Cícero, para quem uma boa história precisa responder as perguntas quem? (quis/persona), o quê? (quid/factum), onde? (ubi/locus), como? (quem admodum/modus), quando? (quando/tempus), com que meios ou instrumentos? (quibus adminiculis/facultas) e por quê? (cur/causa).


 


Técnicas ligadas à apresentação da notícia


 


Quando o historiador marxista Nelson Werneck Sodré escreveu a brilhante História da Imprensa Brasileira, em 1966, ele disse: “O desenvolvimento da imprensa no Brasil foi condicionado, como não poderia deixar de ser, ao desenvolvimento do país. Há, entretanto, algo de universal, que pode aparecer mesmo em áreas diferentes daquelas em que surgem por força de condições originais: técnicas de imprensa, por exemplo, no que diz respeito à forma de divulgar, ligadas à apresentação da notícia.” Ele cita o exemplo do tristemente famoso lead e sua regra dos cinco W e um HWho (quem), When (quando), What (que) Where (onde), Why (por quê) e How (como). 


 


Segundo Sodré, a aplicação das regras do lead leva, inevitavelmente, à transformação de um problema social, cuja raiz está na estrutura da sociedade, em fato isolado. “Utilizando aplicadamente, por exemplo, a técnica do lead, o foca (jornalista principiante) norte-americano transforma qualquer sinal de um problema social constante em fatos isolados que se repetem diariamente e cujas raízes reais ficam apagadas sob os detalhes específicos de cada historieta”, escreveu. É o que se vê, com nitidez, na cobertura da “grande imprensa” dos casos do “mensalão”, do senador Renan Calheiros, da violência urbana e de tantos outros.


 


A lógica da grande organização na política


 


O controle da liberdade de imprensa no Brasil pelo poder econômico não será removido enquanto este modelo de jornalismo alicerçado pelo golpe militar de 1964 — promovido pelos grupos privados para assaltar o Estado e moldá-lo à sua imagem e semelhança — não for demolido. Só assim abriremos caminho para a superação do neoliberalismo e poderemos falar em rumos para o desenvolvimento com democracia. A saída é política — no sentido literal do termo.


 


A política ''profissionalizada'', a serviço dos grupos privados, como alertou João Manuel Cardoso de Mello no artigo Conseqüências do Neoliberalismo, depende desse tipo de ''jornalismo''. Para ele, ''era inevitável (…) que a lógica da grande organização penetrasse em esferas de formação e difusão de valores. ''Por exemplo, o jornalista perderia espaço para o jornalista de profissão e na universidade, onde o intelectual seria suplantado pelo burocrata do conhecimento especializado. Era inevitável, finalmente, que o manejo da máquina partidária abrisse campo para a profissionalização da política'', escreveu. 


 


 


 

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