Crise Financeira e Risco Moral

Ainda não há uma análise definitiva sobre o efeito que a crise imobiliária nos Estados Unidos terá sobre a economia mundial. Não obstante os possíveis desdobramentos sobre a economia real, mais uma vez são notáveis a rapidez e a quantidade de recursos que

As intervenções dos bancos centrais com o objetivo de fornecer liquidez aos mercados em momentos de turbulência não é novidade. Porém, a denominada função de emprestador de última instância tem efeitos indesejáveis. Vários especialistas alertam para um problema que virou comum nas crises financeiras, o “risco moral” (moral hazard). Isto é, a possibilidade de um sistema bancário sólido adotar práticas irresponsáveis ou/e uma exposição maior aos ricos simplesmente porque acredita que em situações desfavoráveis sempre haverá “alguém” disposto a prover liquidez. Nesta situação prolifera o crédito barato e com garantias duvidosas, o incentivo a especulação e a má alocação dos recursos financeiros. A expansão do crédito, por exemplo, eleva o preço dos ativos artificialmente até o momento em que a bolha explode e os prejuízos são socializados (1).


 



O tema, “emprestador de última instância”, é bastante conhecido na literatura sobre crises financeiras. Suas ambigüidades e dilemas, tais como: quem será salvo, quais as condições e qual a quantidade de recursos são alvos de acalorados debates (2).  Por outro lado, os louvadores do livre mercado que crêem na existência da racionalidade dos agentes econômicos e na ineficiência de qualquer forma de intervenção do Estado, só conseguem enxergar o risco moral.


 



Independente da fé cega de alguns, o fato é que casos de crises financeiras e a possibilidade de contágio para outros mercados na era da globalização financeira fazem parte do funcionamento do sistema. No atual contexto de desregulamentação das finanças há uma tendência das instituições financeiras a aceitarem novas formas de investimento mais arriscadas como, por exemplo, o mercado imobiliário subprime nos Estados Unidos. Essa tendência existe com ou sem a presença do emprestador de última instância. O risco moral seria o preço de impedir que crises localizadas em determinados mercados se convertam em crises mais sérias.


 



Assim, não é por acaso a constante lembrança do episódio do Long Term Capital Management (LTCM), um fundo de hedge de grande porte que se vangloriava em contar em seus quadros com dois Prêmios Nobel de Economia (3). A quebra do LTCM ameaçava a solvência de vários bancos importantes no mundo, a possibilidade de crise sistêmica era considerável. Como reação, o Fed promoveu uma reunião entre os banqueiros financiadores do LTCM a fim de re-capitalizar o fundo. Uma operação bilionária, mas que não foi suficiente. Mais tarde, entre setembro e outubro, o Fed reduziu as taxas de juros, sendo seguido pelos bancos centrais europeus, como forma de restabelecer a confiança no mercado financeiro internacional.


 



Como é de práxis, o Fed recebeu elogios e críticas. De acordo com Kevin Dowd, a situação não era tão grave que merecesse a intervenção. E mesmo que o LTCM quebrasse, o temor do Fed era exagerado. Ainda segundo o mesmo autor, no longo prazo, além da questão do risco moral, a atitude do Fed poderia servir de mau exemplo para outros países que poderiam aumentar a regulação nos mercados (4).
O caso do LTCM possui uma particularidade que chama a atenção: entre os bancos que investiram no fundo estava o Banco Central italiano. É revelador que uma instituição com a função de “emprestador de última instância” deixou-se seduzir pelo jogo da especulação numa curiosa inversão de papéis. 


 



De qualquer forma, o fato nesta discussão é o caráter paradoxal dos bancos centrais: a função de emprestador de última instância alimenta o risco moral e conseqüentemente novas crises, mas é, ao mesmo tempo, indispensável para tentar preservar o sistema.


 


 


O pior já passou?


 



Embora teoricamente não exista um governo central ou um emprestador de última instância internacional, na prática o Fed vem cumprindo esta função, e com grande argúcia. É ele o guardião do sistema no qual os demais bancos centrais estão subordinados. Por isso, não é surpresa que embora a crise se iniciasse nos Estados Unidos, mais uma vez, os investidores correram para o dólar e não contra o dólar. Após o corte de 0,5% na taxa de redesconto bancário no dia 17 de agosto, o Fed passou a sinalizar que a taxa básica de juro também poderia cair, conseqüentemente a pressão sobre outras moedas soberanas rapidamente diminuiu.


 



Assim mesmo, conquanto os bancos centrais tenham alcançado sucesso em amainar as expectativas negativas, a nuvem tenebrosa da crise imobiliária ainda teima em permanecer nos céus e sem prazo para espairecer. Isto explica porque até o momento apenas o Banco da Inglaterra se pronunciou contra a perda de eficiência na avaliação dos riscos que estas intervenções podem causar (5). Mais pragmático, o Fed decidiu nessa terça-feira (18/09) cortar 0,5% na taxa de juros (de 5,25 para 4,75%). A decisão deverá trazer um movimento de alta aos mercados nos próximos dias.


 



A crise não começou na periferia do capitalismo com seus mercados incompletos, mas no centro do sistema. Entretanto, não se deve esquecer que a preocupação do Fed e dos demais bancos centrais da Europa é, em primeiro lugar, com a economia de seus respectivos países. Turbulências que por ventura atinjam economias periféricas, como o Brasil, trará de volta o carcomido FMI e suas duvidosas prescrições de política econômica.


 


 


Notas


 



(1) Conforme Belluzzo, o “risco moral” pode tornar a atual crise imobiliária nos Estados Unidos mais profunda e perigosa. Cf. WEISSHEIMER, Marco Aurélio (2007). “Risco Moral torna a atual crise mais profunda e perigosa”. Entrevista de Luis Gonzaga Belluzzo, www.agenciacartamaior.com.br/


 


(2) KINDLEBERGER, Charles (2000). Manias, pânicos e crashes: um histórico das crises financeiras. Trad. Vânia Conde. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.


 


(3) KRUGMAN, Paul (1999). Uma Nova Recessão?; o que deu errado. Rio de Janeiro: Campus.


 


(4) DOWD, Kevin (1999). “Too Big to Fail? Long-Term Capital Management and the Federal Reserve”. http://www.cato.org/pubs/briefs/bp-052es.html.


 


(5) GERRIT, Wiesmann e SVENJA, O´Donnell (2007). “BC´s da Europa divergem sobre empréstimo”. Valor Econômico, 13 de setembro, p.C2.


 

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