O partido de Bolsonaro…

 As críticas recorrentes e mordazes de Bolsonaro ao partido que lhe deu guarida na campanha eleitoral e os conflitos intermitentes entre ele (e filhos) e figuras de proa da legenda, revelam muito mais do que a tentativa do “mito” se descolar do laranjal do PSL ou da disputa por um fundo partidário e eleitoral milionário.

Revela algo que está na essência do bolsonarismo e um fenômeno um tanto quanto inusitado.

Um pouco de história, a partir dos presidentes eleitos após a ruptura com a ditadura, nessa hora, pode ajudar a entender um pouco mais do que representa Bolsonaro e o bolsonarismo.

Collor, quando chegou à Presidência, em 1991, teve como principal base de sustentação no Congresso, até o impeachment, o partido que o elegeu, o então PRN, e seus agregados. 

Itamar Franco sustentou sua gestão no partido no qual iniciou sua carreira política, o PMDB, sucessor do MDB que o elegera na histórica bancada oposicionista de 1974.

Fernando Henrique, na sequência, ancorou-se no PSDB e seus satélites, disputando a unha a parte adesista do PMDB.

Lula e Dilma sustentaram-se, no Legislativo, no PT e seus aliados mais próximos, como também em partidos de centro flagrantemente adeptos do fisiologismo.

Temer, cacique peemedebista, voltou a ter o PMDB, já desfigurado de suas feições históricas, como seu principal esteio parlamentar.

Pois bem, todos, à esquerda, ao centro ou à direita, buscaram sustentação no Parlamento em seus próprios partidos e nos que se identificavam com os primeiros, para o bem ou para o mal.

Havia, pela inevitável e proclamada necessidade de governança, uma lógica política que vinha sendo mantida desde Collor, sem falar nos períodos anteriores, nos quais, certamente, verificaríamos a mesma lógica.

Com Bolsonaro é diferente.

Ao chegar ao governo, o capitão resolveu destratar e humilhar seus parceiros de armas, afinal são herdeiros dos que tentaram e quase conseguiram expulsá-lo do Exército Brasileiro por flagrante indisciplina. Que o diga o general Santos Cruz, para ficar apenas em um exemplo.

A mesma postura teve com incontáveis funcionários públicos de variados escalões. A desconfiança tornou-se algo tão doentio que a sanha persecutória reavivou, em muitos casos, na memória, as práticas mais deploráveis da ditadura, cujos responsáveis Bolsonaro não se cansa de homenagear.

Agora, ataca sem piedade os que o acolheram para a disputa presidencial e aproveita-se da crise interna no PSL, provocada em grande medida por ele próprio, após nova incontinência verbal – sua e dos filhos que o seguem no mesmo diapasão. Joga em duas direções: assumir o controle do partido, algo que parece cada vez mais difícil, ou construir uma saída jurídica para a migração a provável nova legenda, sem o risco da perda do mandato, dos parlamentares que cegamente o acompanham.

Como se considera o grande indutor dos milionários fundos partidário e eleitoral e dos generosos minutos gratuitos no rádio e TV, não jogará a toalha tão cedo, como o fez nas inúmeras outras vezes que migrou de uma legenda para outra (foram nove partidos ao todo, incluindo o PSL). Essa é a novidade dos tantos ataques mútuos que devem prosseguir e se acentuar, pelo menos até a conclusão do impasse.

Mas a questão de fundo, o é da coisa, plagiando Reinaldo Azevedo, é que o partido de Bolsonaro é ele próprio e seu núcleo mais íntimo – miliciano, fundamentalista e nazifascista!, essa ideologia que abrigava-se nos porões da sociedade e que hoje encontra dificuldades de encontrar morada até mesmo nos redutos políticos mais atrasados e reacionários.

Ele nunca teve partido e só o terá se algum estiver disposto a submeter-se a ele e às suas concepções tacanhas e rastejantes, como busca fazer nesse momento com o PSL, ou, ainda, se partir para a aventura de criar um à sua imagem e semelhança, pois o que o diferencia é a natureza do seu governo e dele próprio, e sua identidade com o que existe de mais apodrecido na sociedade, exatamente o que enseja o ódio visceral e crônico à democracia política, à soberania nacional e à justiça social.

Enfim, Bolsonaro, em menos de um ano de governo, vai reduzindo-se a si próprio, confinado que está, há tempos, aos delírios do inspirador-mor do bolsonarismo, Olavo de Carvalho.

Um sinal claro de que a crise deve continuar se arrastando, com Bolsonaro no PSL, ou fora dele.

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