Lula, cidadão do mundo

A notícia que não atingiu as manchetes da primeira página na mídia do Brasil, pude ler aqui

“A prefeitura de Paris concedeu na quinta-feira (3) o título de ‘cidadão honorário’ ao ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 7 de abril de 2018 na Polícia Federal em Curitiba.

Mandela também recebeu o título

A condecoração é considerada muito importante. Ela foi atribuída apenas 17 vezes desde que foi criada, em 2001, para homenagear personalidades presas ou em perigo por causa de suas opiniões políticas. Antes de Lula, o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, a escritora bengalesa Taslima Nasreen, defensora dos direitos das mulheres, e a advogada iraniana Shirin Ebadi, prêmio Nobel da Paz em 2003, foram congratulados”

É claro que não podíamos esperar uma adesão da mídia ao Lula Livre. Mas a notícia deveria ter causado nos jornais conservadores, no mínimo, um escândalo. Algo como “Criminoso vira cidadão de honra na França”, com direito a exclamações. Mais. A notícia deveria abrir os telejornais brasileiros, com a cara azeda dos apresentadores pelo fato incomum, com as sobrancelhas levantadas em sinal de “Olhem que absurdo”. Pois nunca houve até hoje no continente um preso político com o título de cidadão em Paris. No entanto, sabemos, para o Lula preso o silêncio sinaliza a injustiça.  

Quando Lula era presidente em abril de 2006, em artigo sob o título “A imprensa e Lula em 2106”, eu chamava a atenção para a dificuldade do historiador em conhecer o Brasil 100 anos depois:

“Então o nosso historiador do futuro faz uma impressionante descoberta. Em 2006, na imprensa brasileira todos os fatos, todas as coisas, todos os acontecimentos, fossem do mar, da terra, do ar, do pensamento, dos répteis, das temíveis cobras corais, dos peixes até o mico-leão-dourado, todos os reinos e possíveis ocorrências se relacionavam, sempre, com o governo Lula. Para mal, of course… Até chegar a este extremo:

Diante de incidente com uma peçonhenta cobra-coral que atravessou o caminho do presidente em 2003, em Buíque, Pernambuco, o historiador viu em jornal este documento. Um agricultor, para defender o seu presidente, matou a cobra a pau. E perguntou a matéria do Estado de São Paulo:
‘Morte de cobra em Buíque foi crime ambiental?’…

Mas não podíamos adivinhar o que viria. Do que reclamávamos? O inferno é sem limite. Em 2019, quando o maior líder da América Latina se encontra preso, perguntamos: 1. Queriam destruir a candidatura Lula? Ou queriam destruir Lula para sempre? Como dizia Groucho Marx, respondam à segunda pergunta primeiro.  

Respondo: queriam destruir Lula, física e moralmente. Mas eis que veio a notícia: ele é cidadão de Paris, uma honra que havia sido antes de Mandela. Quando a boa-nova chegou, o Brasil havia virado o brasil, uma coisa minúscula de pigmeus, uma ilha cercada de tubarões, fascistas e mílicias. Estávamos, estamos ainda, vendo a destruição da justiça com os crimes e atentados gerais contra a pessoa humana. Aquele verso definitivo de Cruz e Sousa, “um frio sepulcral de desamparo”, podíamos ler como um frio sepulcral de solidão.

Muito antes deste momento, quando Lula se despediu da presidência à noite no Recife, lembro que ao fim do seu discurso as pessoas se retiravam, alheias aos espetáculos gratuitos de música que viriam a seguir, porque o ápice do drama naquela noite já havia sido atingido: o presidente lhes falara que do seu destino um homem não desiste. Que nada pode ou não deve estar definido antes da luta em razão de renda, lugar, sexo ou raça. 

Hoje, vemos que Lula falou inclusive para a sua própria pessoa. Sem desistir diante do golpe fascista, Lula é cidadão de Paris. Mais reconhecimentos virão, porque ele é cidadão do mundo há muito. E do povo brasileiro também, em primeiro lugar.

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