Ághata Félix e as infâncias contidas a bala

A política de segurança adotada pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), tem elevado o número de mortes nas periferias e tornado o Estado mais violento.

A morte da menina Ágatha Félix dentro de uma Kombi, na companhia da mãe, voltando para casa no complexo de favelas do Alemão, é o quinto assassinato de crianças neste ano por parte de agentes de segurança do Estado. No total, 1.249 pessoas foram mortas de janeiro a agosto deste ano em todo no Estado do Rio, um crescimento de 16% em relação ao mesmo período de 2018, uma média de cinco assassinatos por dia.

Esse ambiente de verdadeira guerra urbana ganha nas atitudes e propostas do governador do Rio mais empoderamento. Recentemente, ele apareceu em um vídeo na cidade de Angra dos Reis cercado de policiais, antes de uma operação em morros da cidade. Na ocasião, a mensagem incitava os policiais a atos violentos. Outra imagem que ganhou o país foi sua descida triunfal de um helicóptero, como se comemorasse um gol, em plena ponte Rio-Niterói, logo após um policial ter abatido o sequestrador de um ônibus com um tiro fatal. A política de segurança implementada pelo governador defende o uso ostensivo de atiradores de elite e de snipers em operações policiais em favelas, o que aumenta a letalidade. Nas palavras do próprio Witzel: “A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”.

Devido a episódios como esses cresce no Congresso Nacional o sentimento de que não se deve alterar as chamadas excludentes de ilicitude. Atualmente, o Código Penal prevê situações específicas em que uma pessoa que pratica o ato não pode ser punida. Isso ocorre em casos como legítima defesa, em estado de necessidade ou em estrito cumprimento do dever legal, por agentes de segurança pública ou por qualquer outro cidadão. O Pacote de Moro prevê a mudança desse ponto, facultando ao juiz a possibilidade de reduzir a pena pela metade ou mesmo extingui-la, se o ato se der por: “se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Essa medida é uma licença para polícia matar, pois se ampara em situações subjetivas para justificar as mortes.

No triste episódio da menina Ágatha não houve tiroteio, como afirmam o motorista da Kombi e outros moradores locais. Se prevalecer a proposta de Moro para ampliar o rol de excludentes de ilicitudes, esse caso poderia ser justificado pelo policial por ter sentido medo, emoção ou algo que o valha. Além disso, três dias após o ocorrido o governo do Rio acabou com a bonificação que pagava aos policiais pela diminuição das mortes. Ou seja, o que se percebe tanto na política de segurança pública nacional quanto na estadual, é uma concepção atrasada, baseada no uso intenso das forças policiais, sem nenhuma prevenção e com carta branca para os abusos policiais. Em 2019, das cinco crianças covardemente assassinadas pelas forças de segurança do Rio, apenas um caso foi elucidado.
Não é possível imaginar a dor para os pais da perda de um filho de oito anos de idade, de uma forma tão brutal como ocorreu com Ágatha. Uma menina que praticava balé e xadrez, que se vestia de Mulher Maravilha e tinha muitos sonhos como qualquer criança. A favela em que Ágatha morava, assim como as outras, não produz fuzis nem entorpecentes. Tampouco Ágatha, de oito anos, trocou tiros com a polícia. O crime de Ágatha é ter nascido negra e em uma favela. Ela carregou consigo até o dia de sua morte, um pedaço das feridas que o Brasil não curou, feridas provocadas pelas senzalas, pelos navios negreiros e pelas profundas desigualdades sociais.

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