Álbum de família da “república de Curitiba”

Em abril passado, um dos procuradores da famigerada Lava Jato, Diogo Castor de Mattos, foi afastado da junta de “tremendões” que manda no que eles chamam a “República de Curitiba”. Sem maiores explicações, naquele momento.

Fruto de um acaso, feliz ou infeliz conforme o ponto de vista, a explicação veio à tona três meses depois. Walter Delgatti Neto, um dos aventureiros internéticos presos pela Polícia Federal por terem captado conversas reservadas entre aqueles procuradores, revelou em depoimento que o afastamento de Castor foi iniciativa dos colegas, incomodados com a participação dele no financiamento de cartazes (“outdoors” na língua do Império) em apoio à Lava Jato, isto é, para fazer propaganda de si próprios.

A fotografia do painel exibido na estrada que dá acesso ao Aeroporto Afonso Pena, na periferia de Curitiba, foi publicada na coluna de Thiago Herdy (revista Época): “Procurador da força-tarefa pagou outdoor com elogios à lava jato”). A julgar pela qualidade artística, a produção da tela não deve ter custado caro. Sobre edificante fundo verde, amarelo e azul, um arco de círculo separa horizontalmente uma parte superior exibindo um retrato do álbum de família lavajateiro e uma inferior, contendo um texto que glorifica seus feitos.

Na foto, os nove indômitos procuradores posam respeitando a hierarquia: quatro de um lado, quatro de outro e no centro, mais alto que todos, tal um Branco de Neve cercado de oito anões, pontifica o vaidoso Dalagnol, vice ídolo dos coxinhas, parceiro de Moro na manipulação processual. A peça de propaganda está apoiada em dois pilares, mais altos que um telhado (aparentemente de sobrado) que aparece em primeiro plano à esquerda.

O texto de autocelebração de Dalagnol e seus auxiliares é curto e grosso, no pior sentido do termo: “Bem-vindo a República de Curitiba – terra da Operação Lava Jato – a investigação que mudou o país. Aqui a lei se cumpre. 17 de março, cinco anos de Operação Lava Jato – O Brasil Agradece”. Já nas primeiras palavras (“Bem-vindo a República de Curitiba”) deparamo-nos com rude erro de ortografia. Falta o sinal (`) indicando crase: à República. O erro é frequente, mas partindo de procuradores que proclamam “aqui a lei se cumpre”, mostra ironicamente que a da ortografia é a primeira a ser descumprida. Acresce que embora não fira diretamente nenhuma lei, falar em “República de Curitiba” é no mínimo exibir um arrogante viés ideológico que infelizmente tem prosperado nos ambientes da extrema-direita empenhados em desqualificar nossos compatriotas do Nordeste e do Norte.

Para descrever uma conduta, desenhar um retrato falado etc., pormenores podem ser muito significativos. Atropelar desleixadamente a gramática num painel destinado à divulgação pública, apresentar Curitiba como a “República” que “mudou o país”, agradecer a si próprios em nome do Brasil, tudo isso expressa sofreguidão pequeno-burguesa na busca do sucesso rápido, mas não mereceria comentários se não fosse indício de maiores desenvolturas.

A divulgação pelo The Intercept Brasil, a partir de 9 de junho passado, das tramoias da dupla Moro/Dalagnol confirmou com provas concretas “que as ações da operação eram combinadas e coordenadas entre os membros do Ministério Público Federal, que conduziam as investigações, e Moro, que era o responsável pela análise e julgamento dos envolvidos”. A constatação é dos Juristas pela Democracia, cuja Associação lançou em 1º de agosto a campanha “Moro Mente” para esclarecer a população sobre as violações de direitos cometidas pelo ex-juiz e por seus parceiros da Lava Jato.

Para os que conhecem nossa história, a “República de Curitiba” traz a sombria lembrança da “República do Galeão”, peça militar decisiva no dispositivo golpista que acuou Getúlio Vargas ao suicídio em 1954.

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