Atentado ao Hotel Taj Mahal: Cicatrizes que não se fecham

Em filme sobre atentado ao histórico hotel de Mumbai, Índia, em 2008, cineasta australiano Anthony Maras funde religião, violência e ideologia.

Em meio às suas ações, o grupo de 10 jovens islâmicos, armados de pistolas automáticas e fuzis AK-47s, dão ideia que remonta a centenas de anos no Oriente Médio e em regiões da Ásia. A de que estão imbuídos da sagrada missão de lutar contra os infiéis. E honrar, assim, os ensinamentos de Alá na Terra. Preceito repetido ao longo dos 125 minutos de duração deste “Atentado ao Hotel Taj Mahal”. “O Paraíso os espera! Alá está com vocês!, assegura Abbdullah, chefe da invasão do palácio dos milionários, aos seus jovens liderados de 26 a 29 de novembro de 2008, em Mumbai.

Esta é a ideia motor das imagens encadeadas para matizar a narrativa do estreante diretor australiano, Anthony Maras, e de seu co-roteirista John Collee. Deste modo, as motivações dos jovens militantes da Organização Mujahidin do Decao, do Paquistão, ficam claras desde o início para o espectador. Por eles ter-se acostumado às notícias da mídia sobre os atentados e estes terem se tornado uma constante desde o ataque da Al Qaeda às Torres Gêmeas de Nova York, em 11/09/2001. E ainda pela clareza com que Maras expõe os objetivos e os meios utilizados pelo Mujahidin para alcançá-los através da extrema violência.

O Taj Mahal foi um 10 dos alvos simultâneos dos atentados a serem executados pelo Mujahidin e outras organizações paquistanesas e árabes no mesmo período. Entre os demais estavam os estratégicos Iberoi Tridente Hotel, a Estação Ferroviária do Terminal de Chatrapati Shiuaji e as Docas de Mazagaon. Percebe-se então a abrangência do plano de ação do Mujahidin ao articular os atentados, também atribuídos ao Lashkar-e-Taiba, do Paquistão e, inclusive, à Al Qaeda, liderada por Osama Bin Laden (1957/2011). Não à toa, suas ações foram vistas como o “Ataque às Torres Gêmeas de Mumbai”. As motivações, porém, ultrapassavam o corriqueiro.

Hotel Taj Mahal é símbolo da riqueza

As orientações de Abbdullah não se atinham ao espírito, se estendiam às concretas motivações terrenas. Muitas delas remontam à época do colonialismo britânico na Índia (1757/1947). Principalmente a partilha da nação indiana em dois países nos dias 14 e 15 de agosto de 1947.

Um deles manteve a denominação milenar, o outro se tornou o primo pobre, o Paquistão, sem a mesma riqueza dos indianos. O que aumentou a rivalidade entre os dois primos, ainda mais por serem detentores de arsenal nuclear.

Mas como se faz nestas adaptações de fatos com múltiplos centros de ação, a dupla Maras/Collee optou por centrar sua narrativa só no Hotel Taj Mahal, construído há 105 anos. Trata-se do símbolo da riqueza indiana e dos milionários e empresários de vários países que nele se hospedam. É o chamado microcosmo a simbolizar o todo ao permitir desenvolver a história em imagens de forma a traduzir a grandiosidade dos atentados. Inclusive o choque provocado pelas ações dos jovens invasores islâmicos ao executar friamente seus principais alvos humanos. Mesmo que Maras filme algumas cenas em outros cenários reais para matizar a amplitude do que foram os atentados de 26 a 29/11/2008, em vários pontos de Mumbai.

Estes fatos históricos ajudam o espectador a entender a firmeza com que Abbdullah orienta os 10 ativistas do Mujahidin, em particular os jovens Rashid, Jamal e Sanjai pelo celular quando eles começavam a executar suas enfáticas orientações. Elas mesclam a luta contra os infiéis às visões político-ideológicas da organização islâmica, com precisa racionalidade. “Eles nos tiraram tudo.

São os responsáveis pela nossa situação (citação não literal)”. Os alvos são precisos, inclusive já os identificara. Só bastava chegar a eles no Taj Mahal. Seus hóspedes eram não só os burgueses indianos, mas principalmente os estadunidenses, ingleses e russos.

Mujahidines fundem a fé com a ideologia

Com esta estruturação dramática, Maras define o tema central do filme: as motivações e os objetivos do Mujahidin ao executar o atentado. Daí as explosões, o fogo a se alastrar pelos andares, a correria pelos corredores, escadas e elevadores, num jogo de caçadores e presas. Isto no momento em que a antiga Bombaim se tornara a principal metrópole indiana e seu centro financeiro. Hoje é a segunda, a primeira é a capital Nova Deli. Deste modo os alvos se tornaram claros para o espectador. Emerge, assim, a clara fusão da fé em Alá com a visão político-ideológica do Mujahidin, centrada na luta de classes ao seu modo radical islâmico.

Com estas estruturações dramatúrgicas a motivar as ações do grupo islâmico na invasão do Taj Mahal, Maras se vale das técnicas de criação da trama e sub-tramas para sustentar sua narrativa. Aqui se impõe a fusão do espiritual ao racional a se tornar apenas instinto de morte ao longo dos dias 26 a 29 de novembro de 2008. Período em que o grupo islâmico ocupou o hotel com 180 suítes e dezenas de luxuosos quartos em seus diversos andares. O número dos integrantes do Mujahidin e de outras organizações extremistas nos quatro dias de confronto oscilou entre 50 e 60 nos 10 pontos estratégicos. E deles 10 ocuparam o Taj Mahal.

É diante destes fatos que o cinema se vale da técnica narrativa para desenvolver a história através de poderosas imagens. Vale-se dos atores e figurantes através de seus personagens para configurar as ações, a partir do tema central. Neste “Atentado ao Hotel Taj Mahal”, eles são dezenas a interpretar islâmicos, hóspedes estrangeiros, funcionários do hotel, policiais e figurantes a trançar pelos andares, quartos, suítes, elevadores e ruas. Há de dividi-los em grupos que realmente interessam ao desenvolver da narrativa. De modo a dar veracidade à história real na tela.

Filme alterna thriller com drama e suspense

Neste “Atentado ao Hotel Taj Mahal”, a dupla Maras/Collee o fez a partir das subtramas: I – A família do empresário estadunidense David Holmes (Arnie Hammer), sua companheira árabe Zaha (Nazanin Boniadi), o filho deles, Cameron, e sua compatriota-babá Sally (Tilda Cobbam); II – O empresário russo Vasili (Jason Isaacs), Zhara e a inglesa ruiva de meia idade; III – O grupo islâmico e a contínua orientação de Abbdullah, via Celular; IV – As equipes do Taj Mahal sob as ordens de seu gerente-geral Hemat Oberoi (Anupam Khen) e a orientação do garçom Arjun (Dev Patel).

Como se vê, a dupla Maras/Collee centrou a ação em personagens que se encaixam no tema central, facilitando ainda mais a identificação com eles. Este é o grande segredo do cinema para este tipo de thriller, que alterna eletrizante ação com sequências de drama, angustiante suspense e extrema ferocidade. E mesmo assim mantém o tema amoroso e paternal centrado em Zhara e Holmes, que pensam em escapar para se reencontrarem com o bebê Cameron e Sally. Há ainda o herói proletário, o garçom Arjun, e o dedicado gerente Hemat que tentam salvar os hóspedes.
Não só estes personagens são destacados pela narrativa de Maras. O russo Vasili, com seu jeito quieto, parece ter outros objetivos, não só sobreviver. Ele se atém aos movimentos dos jovens do Mujahidin, como os estudasse. Demonstra experiência e vivacidade e muita coisa a perder. Ao contrário dos demais que se encolhem para evitar serem alvos imediatos. Igual à inglesa de meia idade de cabelos ruivos a reclamar de uma coisa e outra. E, assim, termina por chamar a atenção dos islamitas. Na verdade, todos eles temem ser executados, pois os Mujahidines são ostencivos.

Maras utiliza o som concentrado

São nestas sequências que Maras utiliza o recurso de som concentrado. Soa como instantâneo, seco, perfurante, letal. E o espectador se mexe na poltrona. É como se tentasse fugir das certeiras balas disparadas pelas mortíferas AK-47s. Notadamente na chocante sequência da execução do grupo de milionários reféns estrangeiros deitados de barriga no piso da sala. Sem escolher por onde começar e avançar, o islamita Jamal dispara em sequência na cabeça de um a um. Eles ficam estirados e seu executor se afasta com o dever cumprido em meio ao caos.

Além disso, o grupo de jovens mujahidines se prestam ao papel que, mesmo na adaptação de uma história real para tela, são matizados como feras soltas e famintas a se lançar sobre a carne à vista. Neste “Atentado ao Hotel Taj Mahal” suas reais motivações são de natureza religiosa e ideológica. O que os levam a agir como lunáticos a receber estímulos via celular. “Alá está com vocês”, repete Abbdullah. Então, eles disparam suas pistolas automáticas e fuzis AK-47s com ferocidade tal que os alvos já localizados não escapam. Não só eles como os inocentes hóspedes, seja lá qual for sua classe social, ficam a sangrar no piso como cães sem dono.

Contudo, a mais impactante sequência se dá na terceira parte do filme durante as execuções dos estrangeiros feitas por um dos executores. Após eliminar vários deles/as e deixá-los/as largados no piso, Sanjai fica de pé à distância a observar a imobilizada Zaira. Ao ver-se na mira, ela lhe implora em árabe e em nome de Alá por sua sobrevivência. Ele hesita, pois Abbdullah o pressiona para disparar logo, enquanto ela se mostra entre a vida e a morte. Dá-se então o confronto entre a barbárie e a fé, num fato real a pôr o espectador a torcer pela vida. E o clima se torna aflitivo.

Russo Vasili se revela um esperto camaleão

Não menos chocante, porém reveladora, é a sequência em que o russo Vasili é posto diante de seus próprios impasses e se revela um dos acertados alvos dos mujahidines. Enquadra-se perfeitamente no segundo grupo de exploradores dos paquistaneses citados por Abbdullah. O espectador se vê diante do camaleão capaz de enriquecer se utilizando de vários expedientes, tidos como certos e lucrativos nos meios burgueses. Trata-se do vilão a reafirmar a mutação do capital em duas vertentes: o da cobiça e o da exploração. Ele prefere o que lhe rende mais lucros.

É no desfecho deste “Atentado ao Hotel Taj Mahal” que Maras não foge à dualidade tão cara ao cinema hollywoodiano em filmes para o grande público. Concentra sua narrativa no gerente do Taj e seu experiente garçom. São os heróis contra os vilões. Há entre os dois o ritual indiano do superior hierárquico a ser obedecido e as normas do patrão rigidamente seguidas. Mas no caso da sobrevivência dos hóspedes, deles mesmos e das equipes do hotel se unem para livrarem-se do mal maior. É quando se valem do conhecimento dos espaços de fuga para evitar mais vítimas.

São nestas sequências que Maras alterna a narrativa em interiores com as cenas externas. Se antes sua câmera era mantida à distância dos personagens em cenários com pouca iluminação para tornar a atmosfera opressiva, agora ele a aproxima da multidão em pânico diante do Tal Mahal. Entre eles há parentes dos reféns, agentes de segurança, soldados e oficiais. Estes apenas começavam a entender a estratégia do Mujahidin que os manteve longe de seus liderados islâmicos. E veem que os mujahidines estavam mais preparados do que as forças armadas para os enfrentar.

Mujahidines estavam no mesmo nível dos soldados

“Às vezes percebíamos que eles estavam no mesmo nível que nós quanto ao combate e às movimentações. Ou eles eram soldados ou então passaram por um longo treinamento militar, pois houve muita resistência”, revelou ao Hindustan Times, de Mumbai, um dos soldados que interrogaram os mujahidines presos durante o confronto com as forças de segurança. Daí se explica os três dias de duração dos múltiplos atentados.

Havia, contudo, a conjunção da fé e da luta contra a exploração capitalista, mas também a necessidade de participar de algo maior, como revelou um dos policiais que interrogou um deles: “Ele disse durante o interrogatório que eles queriam entrar para a história como o 11 de setembro da Índia. E também que foram inspirados pela explosão que ocorreu em setembro no Hotel Marriot de Islamabad”, segundo o canal de TV Time Now. Pelo visto as motivações pessoais e as influências reais superam as regras das organizações políticas e os dogmas religiosos.

Certo é que ao término da ocupação dos 10 pontos estratégicos de Mumbai foram registrados 195 mortos e 295 feridos. Enquanto no Taj Mahal 9 integrantes do Mujahidin foram mortos e um deles capturado vivo. E além deles mais 31 pessoas morreram. Estes são os resultados dos confrontos entre as forças de segurança e o exército indiano com os grupos islâmicos, que ocuparam Munbai de 23 a 29 de novembro de 2008. Não há notícias sobre suas reivindicações ou se foram atendidas. O resultado de suas ações foi chamar atenção para outra forma de protestar.

Neoliberalismo ampliou a exploração dos deserdados

Maras ao sustentar sua narrativa em tema desta dimensão terminou por expor o estágio em que a hiper-exploração das amplas camadas de deserdados chegou em todo planeta. O neoliberalismo flexibilizou a contratação dos trabalhadores e ampliou o poder das empresas nacionais e multinacionais globalizadas. O que gerou a concentração do capital nos conglomerados e milhões de desempregados planeta afora. E a política excludente dos governos conservadores e dos extremistas de direita tem sido maximizar o desemprego para reduzir o valor da mão de obra e desta forma maximizar os lucros dos capitalistas. Assim, a miséria generalizou.

Deste modo, os proletários e a classe média perderam seu único meio de sustentação cotidiana. E como já dizia Karl Marx (1818/1883), em sua obra “O Capital”: a força de trabalho é a “mercadoria” que eles podem oferecer em troca do emprego remunerado. Se lhes tiram esta possibilidade, eles ficam à margem da produção da riqueza a ser distribuída para impulsionar as trocas monetárias no mercado. Tornam-se o exército de reserva do Capital ao trocar seu trabalho por migalhas. E, como se vê hoje, a política econômica conservadora do Governo Bolsonaro não lhes permite nem isto. É o caso dos 27 milhões de desempregados no Brasil.

Entretanto, os governos direitistas e os de extrema direita não se contentam em forçá-los à fome, impõem o desmonte de suas organizações, como os sindicatos, que são os seus instrumentos de defesa contra a extrema e injusta exploração. E mais: lhes retiram os direitos já conquistados, através de leis draconianas, como a “Reforma do Trabalho”, do ex-presidente golpista Michel Temer. O resultado deste mecanismo de ampliação de deserdados é surgimento do extremismo para se opor à exploração radical e a forçada miséria. Abbdullah em sua pregação para os jovens mujahidines se atém ao que lhe resta de esperança, ou seja, a fé em Alá (Deus) e a punição dos infiéis que impôs a miséria ao seu povo.

Opressor força oprimido buscar forma de reagir

Deste modo entende-se a teoria de que é o opressor que força o excluído a buscar suas formas de reagir à opressão. É o que vê neste “Atentado ao Hotel Taj Mahal” e principalmente no que se passou na realidade em Mumbai de 26 a 29 de novembro de 2008. O que significa que as estruturas de exploração e de concentração das riquezas no sistema financeiro, nas multinacionais e nos conglomerados estimularam a criação das organizações fundamentalistas árabes e asiáticas. E o preço tem sido pago não só pelos alvos dos mujahidines, mas também pelos inocentes nos atentados atribuídos aos fundamentalistas. É hora de mudar o sistema.

Atentado ao Hotel Taj Mahal (Hotel Mumbai). Thriller. Drama. Austrália, Índia, EUA. 125 minutos. Trilha Sonora: Volker Bertelman. Fotografia:Nick Remy Matte. Montagem: Peter McNulty. Roteiro: Anthony Maras/John Collee. Direção: Anthony Maras. Elenco: Dev Patel, Armie Hammer, Jason Isaacs, Nazanin Boniadi, Tilda Cobham-Hervey, Anupam Khen. 

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