Dona Elzita, a história continua

O mundo democrático perdeu em 25/06/2019 Dona Elzita Santa Cruz.

Há 5 anos, escrevi que ela guardava na parede da sala da casa a foto do filho Fernando Santa Cruz. E sobre ele, executado e desaparecido pela ditadura, ela falava: “Espero que deem uma luz à história, que contem realmente o que aconteceu com os desaparecidos”.

Dona Elzita partiu sem essa luz. Antes, ela percorreu quartéis do Rio, do Recife e de São Paulo à procura de uma solução. Nada conseguiu. Fez intermináveis cartas sem respostas às autoridades civis e militares, e denúncias, com risco da própria vida.
 
Dos 96 anos de idade até a partida aos 105, o seu aniversário havia sido como uma data nacional, pois Dona Elzita ampliava em uma reivindicação geral um anseio particular, legítimo, como são legítimos e universais os anseios das mães.
 
Numa campanha que o governo Lula vinculou há dez anos na televisão, ela apareceu com um breve depoimento e recitou um poema. O vídeo está aqui.

Com voz firme ela encantava: “Hei de vê-lo voltar, ela dizia, o meu doce consolo, o meu filhinho. Passam-se anos, e o véu do esquecimento baixando sobre as coisas tudo apaga. Menos da mãe, no triste isolamento, a saudade que o coração esmaga”. Os sobreviventes e estudiosos da ditadura sabem que aqueles anos mataram, destruíram, difamaram, mas fizeram crescer algumas pessoas. Dona Elzita foi uma delas. Pessoa, mulher e guerreira destemida sem alarde. A sua grandeza era a sua presença.

Não faz muito, eu costumava ver Dona Elzita sentada à beira-mar de Olinda. Eu a saudava com as duas mãos entrelaçadas, num misto de apoio e agradecimento por ela estar ali, a conversar como fortaleza pequena sob a brisa da tarde. Agora, como antes, a saudação continua.

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