“Rosa Luxemburgo” – Parte I

No centenário da morte da revolucionária polonesa, filme da cineasta alemã Margarethe Von Trotta ajuda a compreender suas posições e embates.

Primórdios das revoluções socialistas

Não bastava que ela e suas compaheiras assistissem a execução de seus camaradas revolucionários da cela do presídio onde estavam presas. A sensação era de que uma delas seria a próxima. Os tiros ecoavam e o corpo atingido pelas balas de fuzil curva-se, levando-as ao horror. De repente foi chamada ao paredâo e teve os olhos vedados. Com esta construção dramática sobre os confrontos bélicos entre os bolcheviques e o exército do Tzar Nicolau II (1868/1918) na Revolução Russa de 1917, a cineasta alemã Margarethe von Trotta (21/02/1942) põe o espectador diante de uma Rosa Luxemburgo (05/03/1870-15/01/1919) certa da morte.

Com estas sequências de puro suspense na periferia de Varsóvia, Polônia, von Trotta expõe a luta da revolucionária judia-polonesa Rozalia Luksenburg (Barbara Sukowa), nascida na pequena Zamos´c´. Sua vida a partir daí entraria num fernesi que deixaria para trás seus tempos de estudante de Economia Política e Direito na Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique, na Suíça de 1888. Não sem razão, ela preferiu tratar do que conhecia em sua tese “O Desenvolvimento Industrial da Polônia”, em 1898. E teve como parceiro de classe o jovem lituano Leo Jogiques (1867/1919) seu futuro companheiro e também revolucionário socialista.

Pouco dada à narrativa linear, von Trota, roteirista e diretora, estrutura sua narrativa em flahs-backs como se fosse um triller, em que o suspense cede espaço para longas sequências de reflexão e diálogo interior de Luxemburgo. E, além disso, mescla emoção e malícia em seus acalorados embates político-ideológicos com o presidente do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), Karl Liebknecht (1871/1919) e com o próprio Jogiques (Daniel Olbrychski). O que lhe permite mostrar a intensidade da luta dos sociais-democratas na Alemanha sob o reinado do Kaiser Guilherme II (1859-1941). Este se estendeu de 1888 a 1918, quando a derrota na I Guerra Mundial (1914/1918) provocou sua queda.

Luxemburgo monta programa para a revolução alemã

Contudo o centro da narrativa de von Trotta é a intensa luta de Luxemburgo para organizar os trabalhadores alemães e prepará-los para a revolução socialista. A partir deste objetivo, ela o combina com outras propostas que incluiam: I – Conscientizar os proletários sobre a urgência do sistema socialista; II – Denunciar o capitalismo como sustentáculo do imperialismo; III- Defender a República Democrática alemã, numa espécie de transição; IV – Lutar contra o militarismo alemão que se preparava para a I Guerra Mundial; V – Combater sem tréguas a entrada da Alemanha na guerra; VI – Combater as posições revisionistas do marxismo em voga na Alemanha. VII – Defender a autodeterminação dos povos.

Ao longo dos 122 minutos do filme, von Trotta a faz repeti-lo em cada intervenção. Era quase um programa que escapava aos demais dirigentes do SPD, fundado em 23/03/1863. “Sabem o que é o proletariado? É amassa do povo que tem, coletivamente, amor à paz e horror à guerra. Em contraste, os nacionalistass são homens que, coletivamente, amam a guerra e a carnicina”, arguia Luxemburgo. Mesmo quando refutava as posições de Liebknecht, que insistia a lançar proletários no confronto aberto com o exército do Kaizer, ela no princípio o chamava à razão. :”Não há maioria para a revolução. Ainda não! Precisamos de mais tempo Karl. Se não pararmos será uma carnificina, não uma revolução”.

Com clareza e objetividade, procurando unir emoção e reflexão, ela mantinha atentos os auditórios lotados de operários. A câmera de von Trotta mostra-a capaz de incendiá-los com sua ênfase e capacidade de expôr ideias sem rodeios e acusar a burguesia e o Kaiser Guilherme II de estarem levando a Alemanha à Guerra. São nestes momentos que ela se tornava implacável e não poupava sequer os sociais-democratas vacilantes como August Bebel (1840/1913). Aos poucos, eles aprenderam a respeitá-la, pois sua garra e argumentos eram irrespondíveis. Ela agia com rápidez.

Luxemburgo discorda do despreparo dos operários

Em outros momentos, Bebel ao ouvi-la falar em preparar os proletários para a revolução arguia que eles ainda não estavam preparados. Ela discordava radicalmente. E com o tempo, ele se tornou aliado dos conservadores e inimigo da revolução. O modo de von Trotta pôr o espectador no meio deste redemoinho é postar sua camera nas proximidades dos entreguistas, tendo Luxemburgo na parte elevada do palco. Sua figura se agigantava, deixando-os em franca desvantagem no debate diante dos trabalhadores que viam nela a real liderança do SPD.

Estes eram, no entanto, os primódios das lutas revolucionárias na Europa, depois da Comuna de Paris (1871) e da Revolução Russa de 1905. As ideias de Karl Marx (1818/1883) engendraram tanto a primeira quanto a segunda Revolução Russa em outubro de 1917, Ambas organizadas pelo Partido Bolchevique, liderado por Lenin (1870/1924). Foi na Polônia, pertencente ao império russo na época, que Luxemburgo teve sua experiência revolucionária nos campos de batalha. Sua primeira prisão derriva desta adesão ainda em seu país. Só devido a intervenção dos sociais-democratas alemães, se livrou do cárcere e se refugiou em Berlim.

Assim quando falava em preparar a classe operária para a revolução socialista, ela sabia que os embates com a burguesia alemã exigiriam dela mais que experiência.“Os sindicatos não se desenvolvem em condições pacíficas”, alardeou para o auditório lotado de proletários, em Berlim. É como se ela lhes disssse que só através da luta cotidiana eles iriam adquirir experiência, como classe explorada. E desta forma travariam os embates com a burguesia até edificar o sistema sem exploração do homem pelo homem. E von Trotta, em seu roteiro, realça sua capacidade de fazê-los entender o que lhes dizia em frases simples e eivadas de sentido para eles.

Objetivo era fortalecer os sindicatos operários

Era sua forma de dizer-lhes que os sindicatos se constituiam em seu principal esteio nos primódios das revoluções proletárias no início do século XX. O mesmo ainda vale para as lutas pela superação do sistema capitalista neste terceiro milênio. Em suas intervenções, como dirigente do SPD, Luxemburgo nunca deixava de tratar do papel central deles na revolução socialista. Inclusive em suas discursões com o presidente do partido, Karl Liebknecht (Otto Sander), e com Leo Jogiches, um de seus dirigentes, mas nem sempre eles concordavam com suas posições.

Por trás destas discordâncias estava o embate entre duas táticas partidárias. Uma delas privilegiava o parlamento alemão, onde os deputados do SPD preferiam travar o embate político com os parlamentares da burguesia e do Kaizer Guilherme II. E a outra, defendida por Luxemburgo, Liebknecht e Jogiches, buscava unir a posição deles com a sustentação dos sindicatos e das forças populares para abrir caminho para a revolução proletária. E, a prevalecer a posição parlamentar, as camadas populares e sindicais ficavam em segundo plano. O que deixava o partido sem ligação com suas bases e lhe era difícil chegar à revolução.

O filme, no entanto, não é centrado apenas na militância partidária de Luxemburgo. Como diretora, von Trotta a constrói em todas as facetas de mulher revolucionária que nas horas vagas se entrega às suas paixões amorosas. Primeiro com Jogiches, depois com o jovem Kostja Zetkin (Hannes Jaenicke), filho de sua amiga, parceira de militância no SPD e líder feminista, Clara Zetkin (1857/1933), interpretada por Doris Schade (1924/2012). E entre uma ação e outra encontra tempo para relaxar com sua amiga Luise Liebknecht (Adelheid Arndt), companheira de Karl, em idílicos balneários, campos e florestas alemãs na primavera.

Luxemburgo constrói jardim na penitencária

São nestas sequências que von Trota substitui as lentes escuras de sua câmera pela claridade natural e a florida paisagem do campo. Tanto Rosa quanto Luise se vestem de branco ou em tons floridos e claros. O clima então se torna solar, livre da constante tensão da luta cotidiana. Luxemburgo pode, assim, relaxar longe dos auditórios e dos confrontos com os soldados do Kaizer, dos promotores e dos tribunais. Ela pode rir e caminhar livremente e se deliciar com as águas do lago, por onde passeia de barco com a amiga ou caminha pelos campos com o namorado Kostja.

Nestes interregnos, ela recuperava suas forças e retomava seu aberto confronto com a burguesia alemã, os partidos de direita e o próprio SPD. Num deles é sentenciada a um ano de cárcere por desobediência civil, em 1914. Mas ao contrário do que se imaginava, ela usou seu tempo fora da cela para se entregar à jardinagem na praça do presídio. E ao ser visitada pela amiga Luise afirma:”Imagina, estou aqui presa, mas construi este jardim”. E também aproveitou para escrever o livro “Militarismo, Guerra e Classe Trabalhadora”, uma de suas principais obras teóricas.

Mesmo depois de cumprir a sentença, ela continuou a denunciar a preparação da Alemanha para a guerra. E em 1915 estava de volta ao presídio para mais um ano por denunciar o militarismo no reinado do Kaiser Guilerme II. Mais uma vez encontra na amizade com a carcereira, à qual empresa livros como “Ana Karenina” de Leon Tostói ((1828/1910), uma forma de trocar mensagens com Leo. E desta vez escreve o folheto “Junius”, com o programa da Liga Espartaquista. Este foi o embrião do Partido Comunista Alemão, dirigido por ela, Liebknecht e Jogiches.

Próxima semana Parte II

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