Regulação das 'fake news' pode gerar processo de vigilância nas redes

Em Comissão Geral realizada nesta terça-feira (20), entidades da sociedade civil alertaram para a necessidade de uma legislação que observe os financiadores desta prática. Além disto, também foi apontado o risco de que as plataformas virem promotoras de “censura privada” no ambiente virtual.

Regulação de notícias falsas pode gerar processo de vigilância nas redes - Marcello Casal jr/Arquivo Agência Brasil

O debate sobre controle de difusão de notícias falsas na internet motivou a criação de mais de 20 de projetos em tramitação na Câmara dos Deputados.

Representante da sociedade civil no Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do Tribunal Superior Eleitoral, instituído no ano passado, Thiago Tavares afirmou que os projetos em tramitação procuram responsabilizar as plataformas pelas condutas dos usuários ou criminalizar o cidadão por compartilhar notícias falsas.

“Não conseguimos encontrar, porém, um único PL que atacasse uma das causas do problema, que é o financiamento das notícias falsas como parte de uma estratégia de guerrilha eleitoral”, apontou Tavares.

Alguns partidos e entidades acreditam, porém, que uma nova lei pode interferir na liberdade de expressão e gerar censura e que a legislação atual já traz mecanismos para coibir as notícias falsas. Educação midiática e lei de proteção de dados pessoais são outros caminhos apontados para lidar com problema.

De acordo com a coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Renata Mielli, um dos projetos em análise pretende criar uma tipificação criminal para divulgação e compartilhamento de informação falsa ou sem aprofundamento. “Eu gostaria que algum jornalista pudesse me dizer o que significa uma informação prejudicialmente incompleta”, provocou.

Ainda para Mielli, as outras propostas que tramitam na Casa podem gerar um processo de vigilância em massa dos discursos e das atitudes das pessoas na Internet. “Podem classificar a distribuição de ‘fake news’ na Lei de Segurança Nacional e gerar o risco de autocensura. E colocar as plataformas como promotoras da censura privada, com propostas equivocadas de alteração do Marco Civil da Internet para retirada de conteúdo sem a obrigação da ordem judicial”, alertou.

Segundo a coordenadora do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), Bia Barbosa, o projeto de lei de proteção de dados pessoais (PL 4060/12) – aprovado pela Câmara dos Deputados dia 30 de maio e aguardando análise do Senado – poderá garantir o direito à privacidade.

Assim como representantes de outras organizações da sociedade civil no debate, Bia também defendeu a educação dos brasileiros para lidar com a mídia e a aplicação eficaz pela Justiça, na internet, das atuais regras sobre injúria, calúnia e difamação, contidas no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40).

“A única lei em tramitação no Congresso que pode trazer contribuição de fato para o debate é a lei de proteção de dados pessoais”, disse. “É a partir da coleta e do tratamento massivo de dados que se promove a construção de perfis individualizados de cidadãos na rede e é para esses perfis que essas chamadas notícias falsas são disseminadas”, completou Bia Barbosa.

Membro do Conselho de Comunicação Social, Miguel Matos, disse que o tema deve ser melhor debatido antes de ser regulamentado. Porém, o órgão auxiliar do Congresso já traçou algumas premissas para uma futura regulamentação do tema.

Entre elas, a de que não pode haver censura ao regulamentar o tema; e a de que quem deve ser responsabilizado é o autor do conteúdo ou aquele que, sabendo que a notícia era comprovadamente falsa, não tomou nenhuma providência.

Ele apontou ainda que toda retirada de conteúdo deve ser precedida de decisão judicial, conforme já prevê o marco civil da internet (lei 12.965/14), e ressaltou a dificuldade de se conceituar fake news, que não pode por exemplo ser confundida com boato, humor ou com uma notícia mal feita e que contenha erro.