À luta, Dilma!

Em 1991, o colapso da URSS produziu dramática repercussão em Cuba, que há 30 anos já sofria a perversidade do bloqueio dos EUA. O impacto foi tão grande que logo o PIB cubano acabou reduzido em mais de 35%. Por falta de combustível, boa parte dos transportes voltou à tração animal e o duro racionamento de alimentos obrigou o governo a distribuir pílulas de vitaminas e sais minerais para o povo subsistir. 

Diante de tão severas circunstâncias, Fidel Castro foi às ruas explicar aos cubanos os desafios que viriam pela frente e conclamá-lo à resistência.

No segundo semestre de 2005, a partir da CPMI que investigava o (impropriamente) chamado mensalão, a bandeira do impeachment do então presidente Lula ganhava corpo no parlamento e em setores da sociedade influenciados pelos bombardeios das elites e pela gritaria da classe média, todos amplamente reverberados pela mídia. Em dezembro daquele ano, o índice de ruim e péssimo de Lula atingia seu nível mais alto: 29%. Foi então que o presidente declarou publicamente que não teria o fim que tiveram dois ex-presidentes – Getúlio, suicidando-se, e Jango, deixando o país. Lutaria. “Nós vamos para as ruas para defender o mandato que o povo nos deu”, garantiu. E foi. E ao povo, nas diversas ocasiões em que teve oportunidade, explicou os acontecimentos, pediu apoio para seu governo e o projeto de ampla significação social que defendia. Em poucos meses, as pesquisas mostravam uma excepcional recuperação.

O silêncio

Penso nessas duas circunstâncias que, embora distantes no tempo, mantém expressiva similaridade política, quando me detenho no atual cenário brasileiro. Após as eleições de outubro último a direita, certa de que as venceria, desencadeou um movimento – que só faz crescer – de cerco e aniquilamento da presidente eleita. Tanto na erosão da maioria que, teoricamente, o governo ainda mantém no parlamento (impondo-lhe, no entanto, derrotas importantes, como a eleição de Eduardo Cunha para a Presidência da Câmara dos Deputados), quanto no superdimensionamento das dificuldades econômicas (no que conta com o inestimável apoio da mídia), assim como na manipulação oportunista da operação Lava Jato, o conservadorismo procura criar na opinião pública a impressão de um país caótico, mergulhado na corrupção, politicamente apodrecido e com sua economia em frangalhos.

Mas enquanto a direita move-se, competente e diligente para ampliar sua base social de apoio, procurando com isso criar as condições políticas para o impeachment de Dilma, a presidente manteve-se reclusa nos primeiros 45 dias segundo governo, sem dizer palavra à Nação, salvo em breves entrevistas ao final de eventos, quando disparou discurso monótono e burocrático como se fosse a executiva de uma empresa.

Embora costumeiramente avessa à conduta politica imposta pelo cargo, na primeira reunião ministerial, em fins de janeiro, a presidente chegou a exortar seus ministros a travarem a batalha da comunicação. Disse, e com ênfase: “Nós devemos enfrentar o desconhecimento, a desinformação sempre e permanentemente. (…) Nós não podemos permitir que a falsa versão se crie e se alastre”. Mas a ela própria parece difícil mover-se nesse sentido. E, faça-se justiça, também seus ministros se mantém tímidos.

Após o Carnaval, a presidente parece ter iniciado uma (ainda tímida) reação. A edição do último domingo, 1o, da “Folha de S. Paulo”, dá conta de que “Dilma apareceu e falou mais em dez dias do que nos 50 anteriores deste segundo mandato”. Nesse período, segundo o jornal, ela “duplicou o número de viagens a trabalho, concedeu ao menos quatro entrevistas (ato inédito até então em 2015) e aumentou o ritmo de discursos”. O movimento, no entanto, me parece ainda aquém do que o cenário de confrontação exige.

A conta pelo silêncio

A nova orientação econômica do segundo governo Dilma, segundo assinala o jornalista Paulo Moreira Leite, “veio acompanhada de medidas que, mesmo sendo justificáveis do ponto de vista técnico, são economicamente desvantajosas para os assalariados, que mais uma vez sentiram-se chamados, compulsoriamente, a pagar uma conta de ajuste que caiu no seu orçamento, poupando os ricos e endinheirados de qualquer sacrifício”. Essa alteração de rumo não foi devidamente explicada ao povo. “O governo precisava ter explicado o que estava fazendo, por que, para chegar aonde”, analisou o professor Wanderley Guilherme dos Santos. Para o senador peemedebista Roberto Requião, “o povo merece pelo menos saber por que está se sacrificando”.

“O maior problema do governo é que o silêncio de Dilma e dos seus auxiliares deixa sem argumentos os que se dispõem a defendê-lo, escreveu o jornalista Ricardo Kotcho, ao comentar que “governo e PT perde a batalha da comunicação”. Mauro Santayana também constata que a tão decantada militância do principal partido da base aliada prima pela ausência nas redes sociais e nos principais portais, como se de repente tivesse sido transportada para a época do telégrafo e da máquina a vapor”.

Tudo isso vem corroendo a imagem da presidente e de seu governo. De fato, nos primeiros 40 dias de governo, pesquisa do DataFolha apontou uma queda de 19 pontos na categoria de bom e ótimo do governo recém iniciado. Pior: mostrou que 54% dos entrevistados dizem que Dilma é falsa e metade deles que ela sabia da corrupção na Petrobrás.

Comunicação deficiente

A verdade é que a administração da presidente Dilma tem subestimado o desafio da comunicação e, portanto, a dimensão da luta de ideias que permeia o atual cenário político brasileiro. O cientista político Antonio Lassance garante que seu governo “conseguiu a façanha de desmontar boa parte dos bons instrumentos próprios que haviam sido construídos no primeiro mandato do governo Lula”. Segundo Lassance, “a grande maioria dos ministros não sabe o que é o governo, seus números, seus planos, suas metas, suas dificuldades”.

O informativo, “Destaques”, apresentando as ações, números e argumentos em defesa do governo, deixou de circular em julho de 2013. O último programa de rádio “Café com a Presidenta” foi ao ar em 30 de junho do ano passado. O cargo de porta-voz está vago há mais de um ano. Assim, como constata Lassance, a comunicação do governo foi quase reduzida a zero. Ele reclama – e com razão – de que o principal alvo de uma batalha da comunicação é o público. Desafia: E indaga: “o governo vai para a rua? Se não for, não vai poder dizer que está travando a batalha da comunicação. Ministros e suas equipes vão por o pé na estrada, visitar capitais e cidades do interior, dar entrevistas aos veículos locais e blogueiros de cada cidade?”

Para o cientista político, “a principal forma de comunicação que falta ao governo chama-se conversa com prefeitos, dirigentes sindicais, entidades estudantis, movimentos agrários e de luta pela moradia e ativistas das redes sociais”.

Entre jornalistas, cientistas políticos e blogueiros do campo progressista (alguns deles citados no presente artigo), dissemina-se uma justificável inquietação diante de um governo que ainda não arregaçou as mangas para defender-se – e ao seu projeto – das crescentes investidas de uma direita que estende pelo país seus tentáculos de agressividade e retrocesso.

Como analisa a jornalista Maria Inês Nassif, em artigo ao sítio Carta Maior, “independentemente da sua vontade ou de sua intenção, [Dilma] tornou-se a grande protagonista de um momento da história em que ocorre uma radicalização visível e grave na sociedade. Quer ela queira, ou não, é a maior líder de um lado dessa disputa”. Para Nassif, “ela tem que decidir se assume de fato a liderança do seu lado”.

Enquanto isso não ocorre, o ex-presidente Lula entra em campo. Em discurso no ato “Defender a Petrobras é defender o Brasil”, no Rio de Janeiro, Lula aconselhou a presidenta Dilma Rousseff a não dar trela a polêmicas e ir às ruas travar para batalha da opinião. E em suas últimas aparições, Lula tem repetido a necessidade do povo ir para as ruas defender o projeto popular que ele inaugurou em 2003. Mas se a presidente se mantiver tímida e distante, essas conclamações terão efeito bastante reduzido.

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