O doido e o mentiroso

Fomos surpreendidos com a noticia da morte do grande dramaturgo e escritor Ariano Suassuna. Sim, surpreendido, pois por mais doente ele estivesse, jamais nós, que o admirávamos, admitíamos a hipótese de perdê-lo. Assim quando soube de sua passagem, me veio logo à lembrança de uma das conversas que tive com ele, ali nos idos de 2007.

A pedido do meu amigo Paulo Serdam, a época, presidente da escola de samba "Mancha Verde", que feliz me informou da decisão da agremiação de homenageá-lo no carnaval de 2008. Na verdade ele me fez dois pedidos: Se encontrar com o mestre lá em Recife e assim fazer o convite além de entrevistá-lo e o outro, muito mais difícil, fazer o Deputado Aldo Rebelo desfilar no carnaval. Sobre esta dificílima tarefa, escrevo outro dia, o que quero registrar mesmo, foi a marcante conversa entre nós:

Eu, Paulinho e o Cebola, carnavalesco conhecido aqui de São Paulo, que apaixonou-se de imediato, pelo carisma, simpatia e magia do velho mestre.

Assim sendo chegamos ao bairro da Casa Forte e de cara aquela casa grande e branca, com azulejos do século 18, destacou diante dela aquela figura magra, de cabelos raros e brancos, todo de branco. O que me aliviou muito. Afinal Suassuna, como todos sabem, era Sport e eu Santa Cruz, não ficaria a vontade em entrevista-lo, com o seu surrado terno preto e sua camisa vermelha, chamada pelo próprio de traje "sport fino"!

Pois bem, recebidos com um chá e água, começamos a inesquecível conversa. Perguntas dele primeiro, sobre a escola, o objetivo, e quem eram aqueles, que eu tive a honra de levar a minha querida Recife. O que foi bom que ali naquela sala, só tinha eu como nativo, o que foi motivo de galhofas típicas do entrevistado. Conversa vai, conversa vem, perguntei sobre o "Alto da Compadecida" talvez sua obra mais famosa. Mas especificamente, sobre o personagem "João Grilo". Curiosidade que eu carregava há anos sobre se aquele teria sido inspirado em alguma pessoa ou seria totalmente inventado? Gargalhadas a rodo, quando ele nos contou que o tal personagem tinha sido inspirado em um tal de João. Trabalhador humilde que o serviu na adolescência e juventude na fazendo (sitio) onde foi criado.

Disse-nos “O João era um bom homem, mas tinha sofrido desilusões que o fez, mal dizer o casamento. Jamais ele casaria- continuou Ariano- de novo. Perguntado insistentemente por que, ele respondeu, quase sussurrando, como um segredo. A primeira mulher que eu tive, era uma boa mulher. Mas tinha um problema. Achava dinheiro, toda hora. Chegava sempre com roupas e joias, além de presentes. E isso era constante. Perguntava onde ela conseguiu dinheiro para isso. Ela respondia: Achei! Achou? Achei. Tal situação me fez separar-me da sortuda. Sorte demais para mim.

A segunda mulher perdia dinheiro, nunca vi coisa igual. Trabalhava, recebia o salário, ou qualquer coisa e dava para ela. No outro ao chegar perguntava se comprou o necessário? Ela respondia: Perdi o dinheiro! Toda semana era isso, deixar dinheiro na mão dela era um desperdício. Passei eu mesmo fazer as compras para casa. Mas quando deixava dinheiro em cima da cristaleira, ela pegava. Quando eu chegava cadê o dinheiro? Perdi, respondia a mulher. Me separei! Era azar de mais! Perdia muito.

A terceira mulher, era gente boa, não tinha sorte e nem azar. Muito bonita e carinhosa. Até pensei que era para sempre. Mas depois descobri. Era doida! Tentei conversar, ajudar, mas não tinha jeito. Sempre que me pegava a pensar na vida, fitando o horizonte, ou mesmo olhando a esmo para as arvores. Me surpreendia com um tapa na cara. Estava quieto de repente vinha à bofetada. Sempre acompanhada da pergunta: Você está pensando em quem? Tapa e pergunta tapa e pergunta tapa e pergunta. Não aguentei, decidi não receber tapas e nem responder perguntas. E não quero mais casar!”.

Assim ficamos sabendo que o "João Grilo" era uma homenagem ao desafortunado assistente que não queria mais casar.

Saímos da casa do Suassuna, hipnotizados. Trocando opiniões sobre o encantamento coletivo e como colocar isso tudo no desfile. Afinal ele tinha aceitado desfilar e isso aumentou e muito a responsabilidade. Mas o Cebola fez um carnaval impecável! O nosso desfile inesquecível. Mas inesquecível mesmo foi àquela histórica conversa quarta-feira à tarde, no bairro recifense, ensolarado, que sem dúvidas não me sai da memoria.

A força e o carisma do Ariano se baseavam na confiança no Brasil e no nosso povo! Sua extrema capacidade intelectual e sua nacionalidade entusiasmavam plateias pelo país a fora, em suas aulas espetáculos. Eu tenho na memória, várias delas. Mas este episódio marcou pelo ineditismo.

E o Aldo Rebelo desfilou!

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