Cabritada mal sucedida

Bento fez anos e para almoçar me convidou. Disse-me que ia matar um cabrito, onde tem cabrito eu vou. Ah! Vou sim!

Estava tudo certo, convite em mãos – um destes convitinhos feitos em uma impressora jato de tinta caseira, de última hora, sem muito capricho, mais para se ter o endereço em mãos – lá fomos nós para a casa do Bento que ficava na Bela Vista, região central de São Paulo. Não tinha nada de luxo. Era um casebre meio abandonado, pintura descascando, rachaduras, portas que mal fechavam e outras que mal abriam. 
 
Quando chegamos a casa já estava cheia. Quem nos recebeu a porta foi um velhote com cara de safado que olhou para minha mulher com o jeito de quem ainda faz alguma coisa sexual na vida. Não me preocupei pois a própria Sebastiana foi a primeira a olhar para o sujeito com uma belíssima cara de poucos amigos. Entramos. Lá dentro o samba já comia solto. A roda foi formada no quintal da casa e o "projeto" de mesa que ficava na cozinha foi jogada para escanteio a fim de dar espaço para a dança. De cara vi a mulher do Bento que sambava com toda aquela classe de negra nascida e criada no samba. Pernas torneadas que gingavam na batida do pandeiro, bunda avantajada esculpida nas ladeiras do Bixiga. Agora fui eu quem olhou com cara de quem tá comendo com os olhos e lambendo com a testa. Surpreendido pela Sebastiana, provei da mesma sensação do velhote. Disfarcei e chegamos perto da roda. Abraços daqui e dali, cumprimentei Bento pelo seu aniversário e já me apoderei de um pandeiro que estava repousando sobre uma cadeira ao lado do mestre Geraldo Pereira que, empolgado, cantava lindamente alguns bons sambas.
 
Depois disto ninguém mais me segurou. Minha negra, que não é boba nem nada, partiu para cima do salto e foi mostrar para a mulher do Bento, e para mim, que também tinha acento no samba.
 
O batuque foi crescendo, mais gente aparecendo, a brincadeira foi ficando no tom certo. Bebidas daqui, de lá. Cervejinha gelada, pinga das melhores. Estava tudo bem, tudo bom. Dali a algum tempo aparece-me o Bento com o danado do cabrito. O bicho já tinha virado comida. Estava na panela e o cheiro já corria pela casa. Estava chegando a hora da melhor parte da festa depois, claro, dos sambinhas.
 
 
 
– Amigos, paremos o samba por enquanto em respeito ao cabrito e vamos comer o danado. 
 
 
 
Foi o Bento por um ponto final neste frase para a polícia entrar porta adentro do casebre. Polícia na frente e o dono do cabrito atrás. Já chegaram daquele jeito. Pancadas em todo mundo. Afinal, pau que bate em Chico também bate em Francisco! E na cabritada estavam os dois. Foi uma quebradeira só. Não sobrou bebida sobre bebida e nem bêbado sobre bêbado. Jogaram a gente, sem culpa, diga-se de passagem, dentro do carro da rádio patrulha e levaram. Levaram também o cabrito e o que sobrou da bebida quebraram. Ah! Também levaram o Chico e o Francisco. 
 
 
 
Na delegacia foi aquele furdunço. Ninguém se entendia. Eu dizia ao delegado que não estava sabendo do ocorrido. Que não sabia das proveniências do cabrito, que não sabia quem era o dono e nem tinha notícia de quem era o pai. Eu, doutor, estou aqui de inocente, me libere por favor!
 
 
 
Mas não adiantava. O delegado não estava querendo ninguém liberar. Tivemos que pedir ajuda ao patrão da Sebastiana. Um advogado poderoso que era dono de metade da cidade. Ele foi ao distrito e, chegando, já mandou nos soltar. Só faltou dar tapinhas na cara do delegado que parecia implorar pelas tapinhas. 
 
Saímos rapidamente na ância de retomar o samba. 
 
 
 
E o cabrito?
 
 
 
Bom, ao sair da delegacia, a última coisa que soubemos sobre o cabrito é que tinha sido promovido. Ia servir de banquete na festa da corporação e o seu dono não seria convidado.
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