Procurador de Curitiba admite que eixo da Lava Jato é a mídia

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o procurador do Ministério Público Federal de Curitiba, Carlos Fernando dos Santos Lima, falou sobre os quatro anos da Lava Jato e sobre um dos pilares da operação: a delação premiada.

Por Dayane Santos

Carlos Fernando Lima promotor da Lava Jato

Segundo ele, apesar de ser um instituto estabelecido em 1990, a delação é “uma técnica que nós [procuradores de Curitiba] criamos em 2003”. De fato, no tribunal de exceção que se transformou a Lava Jato, a delação está longe de ser o que a lei estabelece para se tornar moeda de troca nos acordos do MPF. Apesar de dizer que sem a delação a Lava Jato não seria o que é hoje, o procurador aponta que houve “falhas”. E são elas que revelam o modus operandi da Lava Jato.

Assíduo comentarista de questões políticas nas redes sociais, ao ser questionado sobre erros em decorrência da afobação nas investigações para fechar um acordo de delação, Carlos Fernando revela que o eixo central da Lava Jato não é a investigação, mas a mídia.

“Você está diante de uma situação de ter aquela reportagem, aquela denúncia, mas talvez não seja aquela [ênfase] que poderia ser, se tivesse um pouco mais de cuidado”, diz ele para comparar a preocupação dos procuradores diante de possíveis indícios de delitos. De acordo com ele, “o grande problema são colaborações malfeitas, não ilegais, e que geram uma crítica ao instituto”.

Para o criminalista Leonardo Isaac Yarochewsk, advogado e doutor em Ciências Penais pela UFMG, as declarações do procurador reforçam as denúncias de abuso de poder por parte da Lava Jato. “Ele [procurador] quer uma coisa que choque e chame a atenção do público, o furo de reportagem. Uma delação que delate uma pessoa importante. Uma delação que delata o Zé da esquina não interessa”, comentou o jurista.

O professor Leonardo Isaac é um dos maiores críticos do instituto da delação premida, por considerar que é um instrumento de coação e tortura psicológica.

“Delação é uma forma de tortura psicológica. Eles insistem em chamar de ‘colaboração’ para dar uma eticidade, um ar de ético que não existe. É delação. É o dedo-duro. Tem um viés moral e ético muito complicado”, afirmou. “Eu sou crítico ao instituto da delação. Sou contra. Alguns dizem que veio para ficar então temos que ajustar. Mão não posso dar credibilidade na palavra de uma pessoa que está sob pressão”.

“Infelizmente, o Poder Judiciário e o Ministério Público têm uma função importante, mas devem agir dentro dos limites da Constituição e do Estado Democrático de Direito. E não além desses limites, com abusos às vezes reconhecidos, como esse procurador admite de forma velada ao dizer que ‘erros’ foram cometidos. Abusos e arbitrariedades cometidos em nome desse estado penal, alimentando por uma mídia opressora e punitivista”, completou o jurista.

Na entrevista à Folha, Carlos Fernando citou a delação do ex-senador Delcídio [do Amaral] e do Sérgio Machado, como exemplos de acordos malfeitos. A do ex-senador Delcídio, por exemplo, atingiu diretamente o governo da então presidenta Dilma Rousseff, insuflando o ambiente de instabilidade política que culminou no impeachment sem crime de responsabilidade.

“Quando você faz com excesso de rapidez, corre o risco de fazer colaborações malfeitas. Delcídio, na minha opinião, quase nem se autoincrimina”, justificou Carlos Fernando. Em seguida, ele compara os acordos dos empresários Joesley e Wesley Batista com o Marcelo Odebrecht, para admitir que a ameaça de prisão é usada para pressionar a “delatar”.

“Marcelo Odebrecht era até uma figura mais importante que Joesley, mas nós exigimos que ele ficasse um ano preso depois de assinado o acordo. Ficou três anos no regime fechado”, disse.

Ele ainda reforça que as decisões são tomadas para atender ao suposto “clamor popular” fabricado pela grande mídia. Segundo o procurador, ao manter esses delatores, ainda que por um curto espaço de tempo, se cria uma espécie de “explicação” para a população.

Para o professor Isaac, essa é mais uma demonstração de que a delação se transformou em instrumento de tortura.

“A maioria dos acordos de delação, embora o Ministério Público insista em dizer que não, foi feita por pessoas que estão presas ou que estão sob ameaça de prisão. Então, a delação é uma moeda de troca para o sujeito não ser preso e a prisão é um dos maiores males que a pessoas e sua família podem sofrer”, argumentou o jurista.

Leonardo Isaac afirma que tal conduta é um abuso de poder do estado e uma violação à Constituição. “O estado negociando a liberdade como se mercadoria fosse. Liberdade não pode ser moeda de troca em que o estado faça dela o que quer”, frisou.

Segundo o professor, os acordos de delação firmados pela Lava Jato não estabelecem critérios sobre os benefícios que decorrem da prisão, ficando a gosto do freguês. “Tem preso que é condenado há 20 anos e cumpre um. Tem preso que é condenado a dez e cumpre 5. Tem preso que é condenado e não cumpre nada. É um poder exacerbado na mão do Ministério Público e do juiz e agora da Polícia Federal”, critica.

Delação de Palocci

Outro trecho revelador da entrevista do procurador da Lava Jato é o que ele cita a delação do ex-ministro Antonio Palocci, que também foi alardeada pelos quatro ventos como “a delação do fim do mundo”. O próprio procurador usa esse termo para se referir ao depoimento.

“Demoramos meses negociando. Não tinha provas suficientes. Não tinha bons caminhos investigativos. Fora isso, qual era a expectativa? De algo, como diz a mídia, do fim do mundo. Está mais para o acordo do fim da picada. Essas expectativas não vão se revelar verdadeiras”, admitiu ele, fazendo uma crítica à Polícia Federal que por decisão do Supremo Tribunal Federal também pode fechar acordos de delação premiada.

Para ele, o problema do acordo com Palocci foi que os procuradores ficaram de fora. “Eu acho que a PF fez esse acordo para provar que tinha poder de fazer”, disse.

Questionado se foi uma queda de braço com ele, procuradores, Carlos Fernandes diz que sim. “Foi uma queda de braço talvez conosco, mas a porta da frente dos acordos sempre será o Ministério Público. A porta dos fundos é da PF. As pessoas irão à PF se não tiverem acordo conosco”, alfinetou, demonstrando o clima de disputa pelos holofotes.

Leonardo Isaac resume a postura do procurador como “lamentável”. “Sou do tempo que as pessoas nem sabiam o que era procurador, pois eles só falavam nos autos. Hoje eles fazem política. Há poucos dias vimos o Moro se manifestando politicamente, falando sobre eleição. Marcelo Bretas ([juiz da Lava Jato no Rio de Janeiro], o Dallagnol [procurador] e agora esse Carlos Fernando se manifestando na mídia. Eles querem mandar no país. É uma ditadura do Judiciário e do MP. Para eles, o Legislativo não presta, os políticos todos devem ser jogados na lata de lixo e parte do Judiciário também não presta. Somente eles, os intocáveis da Lava Jato, é que prestam”, repeliu.