Nelson Mandela: um apóstolo do pacifismo?

A última quarta-feira (18), marcou o centenário de Nelson Mandela, um dos maiores revolucionários comprometido com as causas justas dos povos do mundo no século 20. O Vermelho resgata um artigo do doutor em Ciência Política pela Harvard University, Atílio Borón, sobre o legado do dirigente sul-africano escrito na ocasião de sua morte, em 2013.

Fidel Castro, Nelson Mandela e Graça Machel - Divulgação

Leia na íntegra:

A morte de Nelson Mandela precipitou uma enxurrada de interpretações sobre sua vida e sua obra, as quais o apresentam como um apóstolo do pacifismo, uma espécie de Madre Teresa da África do Sul.

Trata-se e uma imagem premeditadamente equivocada, a qual esconde que logo após a chacina de Sharpeville, em 1960, o Congresso Nacional Africano (CNA) e seu líder, precisamente Mandela, adotaram a via armada e a sabotagem a empresas e projetos de importância econômica, embora sem atentar contra vidas humanas.

Mandela recorreu a diversos países da África, em busca de ajuda econômica e militar para sustentar essa nova tática de luta. Foi preso em 1962 e, pouco depois, condenado à prisão perpétua, que o manteria jogado em uma cela de dois por dois metros, durante 25 anos, à excessão dos dois últimos, por conta de uma enorme pressão internacional por sua libertação, que contribuiu para melhorar suas condições na prisão.

Mandela, portanto, não foi um “adorador da legalidade burguesa”, mas um extraordinário líder político cuja estratégia e táticas de luta foram variando segundo as mudanças das condições sob as quais enfrentava suas batalhas.

Diz-se que foi ele o homem que acabou com o odioso apartheid sulafricano, o que não passa de uma meia verdade. A outra metade do mérito, de fato, foi de Fidel Castro e da Revolução Cubana que, com sua intervenção na guerra civil de Angola contribuiu para selar a sorte dos racistas, ao derrotar as tropas do Zaire (hoje, República Democrática do Congo), do exército sulafricano e dos exércitos mercenários angolanos organizados, armados e financiados pelos EUA, através da CIA.

Graças a sua heroica colaboração, na qual uma vez mais demonstrou-se o nobre internacionalismo da Revolução Cubana, logrou-se manter a independência de Angola, assentando-se as bases para a independência da Namíbia e disparando-se o tiro de misericórdia contra o apartheid sulafricano. Por isso, ao tomar conhecimento do resultado da batalha crucial de Cuito Canavale, em 23 de março de 1988, Mandela escreveu, da prisão, que o resultado daquele grande feito, que se passou a chamar “a Stalingrado africana”, foi “o ponto de inflexão para a libertação de nosso continente, e de meu povo, do flagelo do apartheid”.

A derrota dos racistas e seus mentores estadunidenses assestou um golpe mortal na ocupação sulafricana na Namíbia e precipitou o início das negociações com o CNA que, em pouco, terminariam por desmontar o regime racista sulafricano, obra conjunta daqueles dois gigantescos estadistas e revolucionários. Anos mais tarde, na Conferência de Solidariedade Cubano-Sulafricana, de 1995, Mandela disse que os “cubanos vieram a nossa região como doutores, mestres, soldados, especialistas em agricultura, mas nunca como colonizadores. Compartiram conosco as mesmas trincheiras na luta contra o colonialismo, o subdesenvolvimento e o apartheid…Jamais esqueceremos este incomparável exemplo de internacionalismo desinteressado”. É uma boa rememoração, para aqueles que falam da invasão cubana em Angola.

Cuba pagou um elevado preço por esse nobre ato de solidariedade internacional que, como recorda Mandela, foi o ponto de inflexão da luta contra o racismo na África.

Entre 1975 e 1991, cerca de 450 000 homens e mulheres de Cuba colaboraram com Angola, jogando nisso todas as suas vidas. Pouco mais de 2600 perderam a vida lutando para derrotar o regime racista de Pretória e seus aliados. A morte deste extraordinário líder que foi Nelson Mandela é uma excelente ocasião para rendermos homenagem a sua luta e, também, ao heroísmo internacionalista de Fidel e da Revolução Cubana.