Eric Nepomuceno: Um Brasil sem governo nem rumo

 Desde que assumiu a Presidência do Brasil, no primeiro dia de 2019, o capitão reformado Jair Bolsonaro fez de tudo um pouco, menos governar. Melhor dizendo: desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro não passou um só dia sem dar claríssimas mostras de que não tem a mais remota capacidade para ocupar o posto ao que foi levado pelos eleitores brasileiros.

Por Eric Nepomuceno*

Mourão e Bolsonaro

O que ocorreu no carnaval foi algo bastante adequado para um ser desqualificado política, ética e moralmente. Vaiado e xingado em todas as ruas de todas as cidades do país, Bolsonaro reagiu difundindo nas redes sociais, uma cena escatológica protagonizada por dois homens. Foi uma grotesca tentativa de desmoralizar o carnaval, mas o resultado foi desastroso.

O vídeo foi visto por ao menos três milhões de pessoas, e alvo de uma chuva de críticas que veio de vários lugares. Além da ausência absoluta de noção do ridículo, o capitão confirmou que carece dos modos que se espera de um presidente. A repercussão em todo o mundo reforçou as críticas à inusitada iniciativa do capitão, provocando reações não só no governo mas também no mercado financeiro, com a valorização do dólar e a queda na bolsa de valores.

Observam-se queixas inclusive entre seus potenciais aliados no Congresso, que pedem ao belicoso capitão que não seja tão agressivo em suas redes sociais, e que aproveite a popularidade que ainda possui para ajudar a difundir as reformas que seu grupo considera essenciais, embora impopulares, principalmente a das Previdência. Entre as muitas advertências que chegaram ao despacho presidencial, uma é preocupante: do jeito que as coisas andam, não será possível ter os necessários para impor essa reforma.

Em especial, há um setor do governo que disfarça cada vez menos o mal-estar provocado não só pelo presidente como também pelos seus três filhos e alguns dos seus ministros: falamos do núcleo integrado pelos militares.

Entre os mais distintos níveis da estrutura do governo, há 103 militares de alta patente, distribuídos entre ministérios, estatais, conselhos de empresas de capital misto, universidades e até hospitais. E, claro, o vice-presidente também é um general. Reformado, mas general.

Houve um palpável mal-estar quando Bolsonaro afirmou que a democracia é um favor que a sociedade deve às Forças Armadas. O principal porta-voz dos militares, o vice-presidente Humberto Mourão, tentou amenizar as palavras do capitão-presidente, mas o desastre já estava consolidado.

Os desatinos dos três filhos de Bolsonaro também têm sido objeto de duras críticas dos militares, muitas delas públicas. Para conturbar ainda mais a atmosfera, existem dúvidas concretas sobre as relações entre os filhos do presidente e as chamadas “milícias” do Rio de Janeiro, grupos de extermínio que dominam boa parte da cidade.

O excêntrico ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um diplomata de carreira discreta e sem qualificação alguma para o posto que ocupa, foi indicado por um astrólogo descerebrado – que por sua vez foi transformado em guru intelectual da família Bolsonaro –, mas já foi publicamente colocado sob a tutela dos militares.

Foi desautorizado um sem fim de vezes pelo vice-presidente, o general Hamilton Mourão. O que muitos se perguntam depois de dois meses de desgoverno é quando essa tutela se estenderá aos outros ministros, ou até o próprio Bolsonaro.

A tensão é evidente, e as críticas se multiplicam nos meios hegemônicos de comunicação, os mesmos que deram pleno respaldo ao golpe institucional que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, ao governo cleptómano de Michel Temer e à eleição do capitão. Também a sacrossanta entidade chamada “mercado” se mostra cada vez mais reticente com relação ao presidente.

Recluído em seu núcleo familiar, diante de uma coleção de ministros que se revezam na hora de produzir idiotices, e após pouco mais de passar 60 dias na Presidência, Bolsonaro assiste, impávido, a lenta corrosão de sua popularidade. Ainda dispões de apoio, mas é o presidente com menor aprovação em seus dois meses iniciais nos últimos 25 anos.

Entre os militares, além da profunda irritação, há um temor crescente: que os desastres provocados pelo capitão-presidente contaminem a eles mesmos, a ponto de arrastrar sua imagem perante a opinião pública. Também estão preocupados com a forma cada vez mais veloz com a que o capital político do presidente se esvazia, ameaçando decisivamente os pontos considerados essenciais do programa de governo elaborado, em boa parte, por eles.

A tensão entre dois grupos nítidos – por um lado, o clã Bolsonaro e parte essencial dos seus ministros, por outro, os militares e ministros considerados pragmáticos – se elevou rapidamente nas últimas semanas. Por coincidência, detectou-se nas redes sociais uma sensível queda no número de simpatizantes de Bolsonaro.

Não há no horizonte nenhum sinal de que esse panorama mude. Até quando o Brasil seguirá sem governo nem rumo?