Infiltrado na Klan – um manifesto cultural e antifascista

 Por Edyr César*

Infiltrado na Klan - Foto: Divulgação

“O ódio paralisa a vida; o amor a desata. O ódio confunde a vida; o amor a harmoniza. O ódio escurece a vida; o amor a ilumina.” Martin Luther King

Não é por acaso que Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman), novo filme do diretor estadunidense Spike Lee, inicia com a frase “Deus salve a Confederação”, sem rodeios a produção parte para uma referência direta sobre o passado escravista dos EUA. A película em si tenta demostrar como os ecos do lado perdedor da Guerra de Secessão estão presentes em tempos atuais, mesmo após 150 anos.

A sinopse oficial do filme traz uma historia pautada em fatos reais, assim em 1978, Ron Stallworth(John David Washington), um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan(grupo ultra-racista estadunidense) local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo por meio de telefonemas e cartas, quando precisava estar fisicamente presente enviava outro policial(Alan Drive), que era judeu e branco, em seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas.

Lee fez um dos melhores trabalhos de direção de 2018, com uma primorosa fotografia quase completamente rodada em 35 mm, além de utilizar uma paleta de cores quentes, variando do marrom ao vermelho, o filme prova que o vermelho é a cor mais quente.

A trilha sonora é um espetáculo à parte, trabalho primoroso de Terence Blanchard (Um Plano Perfeito), totalmente pautada nos anos 1970, onde temos blues, funk(não é o carioca ), ReB, Jazz e Soul. Nomes como Emerson Laker and Palmer e The Edwin Hawkins Singers ressoam nas salas de cinema, canções que levam o espectador vivenciar os anos 1970, como se lá estivesse. Grande destaque para as odés “Say It Loud, I’m Black And I’m Proud” de James Brown, “Brandy (You’re a Fine Girl)” o Looking Glass, e por fim a inédita música do antológico Prince “Mary “Don’t You Weep”. A direção de arte é de arrepiar, maquiagem, figurinos, cenários, veículos enfim tudo é construído como uma fiel montagem dos EUA nos anos 1970, o que torna a trama ainda mais verossímil, o que contribui com a ambientação do espectador.

O núcleo de atuação formado pelo irretocável Alan Drive (Star Wars) e por John David Washington, não por acaso filho de Denzel Washington, que inicia seu trabalho como um ingênuo policial e finaliza como um personagem tridimensional com profundidade no olhar e na alma. A dupla é fundamental para o desenvolvimento da trama, ambos fazem um núcleo dedicado transformando seus personagens em multidimensionais, com todas as contradições da época, certamente os melhores trabalhos de atuação masculina de 2018, isso claro no cinema estadunidense.

Alan Drive prova ser incapaz de escolher um filme ruim para atuar, o melhor ator de sua geração, recebeu merecidamente a indicação para o Óscar de melhor ator, afinal viver um policial judeu infiltrado na KKK, não é um trabalho fácil nem para o policial e muito menos para Drive, que tira água de pedra em sua encarnação histórica.

Um ponto interessante é que Lee se esforça para demonstrar a diferença do tratamento das mulheres dentro da Ku Klux Klan (KKK) e dos Black Panther Party (BPP), onde nas reuniões da Klan mulheres são proibidas de falar, remetidas apenas as áreas da cozinha e quartos, já com os BPP o papel feminino é destacado, a exemplo de Ângela Davis, elas lideram o role.

O filme, apesar de retratar o ano de 1972, dialoga com 2019, uma vez que trata sobre intolerância, racismo e o neofascismo se entranhando nas esferas dos três poderes. Líderes de nações, velho homens brancos incentivando a xenofobia e todo o preconceito. Assim as trevas do passado ainda assolam as gerações presente, como dizem os panteras negras “todo poder a todo o povo”.

Lee acerta o alvo ao retratar o jovem David Duke, diretor nacional da KKK, como um rico homem branco, entranhado nas instâncias governamentais, mesmo Duke que nós temos atuais é apoiador incondicional do governo Trump e que faz elogios rasgados ao governo Bolsonaro.

Com um final apoteótico(mais ou menos spoiler), o filme pula 40 anos no tempo e mostra as cenas reais do conflito de Charlottesville em 2017, onde neonazistas, fascistas, racistas e membros da KKK se juntam para ruminar ódio e violência gratuita, assim Lee em sua obra inicia com a Guerra Civil e finaliza com o Trump discursando. Filme para ver, aplaudir e compartilhar.