Governo Bolsonaro: cara-crachá do que foi a campanha

Salvo os analistas que apoiam Bolsonaro, os demais, de diferentes matizes políticos, convergem para o prognóstico de que o futuro governo Bolsonaro será uma ameaça real à democracia. As divergências se residem na ênfase desse risco e se as instituições da República e da sociedade terão força ou não para dissuadi-lo e contê-lo. Ocorre que autoridades de instituições da República apoiaram a campanha de Bolsonaro e de seu governo serão parte.

Por Adalberto Monteiro*

Bolsonaro - Foto: Divulgação

Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos válidos, pouco mais de um terço do eleitorado e um quarto da população. Para o professor Renato Lessa, é o primeiro líder popular da direita liberal, desde 1946. Na campanha eleitoral e antes dela tudo o que disse Bolsonaro é incompatível com a Constituição Federal; a qual, ante a onda democrática que se irrompeu na semana final do segundo turno, ele agora jura que vai cumprir e defender. Contudo, mesmo depois de eleito, voltou a prometer combate aos socialistas, comunistas e ao que denomina de ativismo, isto é, os movimentos e entidades do povo e da classe trabalhadora. Faz juras à democracia e à Constituição, mas depois de eleito reiterou que não houve ditatura militar no Brasil e a censura que houve à imprensa foi benévola. Claramente, Bolsonaro indica que seu governo restringirá a oposição de esquerda: seja institucional-parlamentar, seja dos movimentos sociais. Neste contexto, a gradação do verbo “restringir’ vai depender da dinâmica concreta da correlação de forças. A liberdade de imprensa também sofrerá restrições, questão reafirmada por Bolsonaro antes e depois da campanha. Isso mesmo em relação à grande mídia que não lhe for subserviente.

A composição do governo Bolsonaro, com os nomes até agora anunciados, guarda coerência com a pregação de sua campanha. Dois “superministros” já foram oficializados. Paulo Guedes, economista e banqueiro ultraliberal, que comandará um vasto setor da economia; e o juiz Sérgio Moro, símbolo da Operação Lava Jato, que será o titular de um turbinado Ministério da Justiça. Até aqui três militares da reserva, de alta patente, foram anunciados como ministros: general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa; tenente-coronel e astronauta Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia. Além desses três ministros militares, há ainda o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, cuja tarefa no governo ainda está por ser definida. O chanceler de Bolsonaro será o embaixador Ernesto Araújo, tão de extrema-direita quanto o presidente eleito. Ricardo Velez Rodrigues, um obtuso professor colombiano, foi escolhido ministro da Educação por critérios ditados pelo fundamentalismo religioso e pelo que há de mais reacionário no submundo intelectual do país. Com o juiz Sérgio Moro e os oficiais militares da reserva, Bolsonaro pretende reforçar vínculos e lastros junto às Forças Armadas e respaldo de setores do Ministério Público e do Poder Judiciário, o aparato da Lava Jato. A farda e a toga. Já Paulo Guedes, é chamado com a implementação da agenda ultraliberal e neocolonial para garantir o apoio de agentes econômico-financeiros de dentro e fora do país. Já a escolha de Ernesto Araújo indica que o país será regido por uma política externa tacanha que põe o Brasil em rota de atrito e colisão com países aliados e amigos e que o atrela aos interesses e ditames dos Estados Unidos da América.

Veremos qual será a contrapartida de Trump a Bolsonaro, se é que haverá alguma. O apoio de setores do Judiciário é determinante para que o conteúdo ditatorial do governo Bolsonaro tenha uma aparência legal e constitucional. Mas, tende a ver tensões e dissidências, sobretudo nos tribunais superiores. O Supremo Tribunal Federal (STF), sobretudo, como já demonstrou no episódio da autonomia das universidades, poderá ser importante fator de contenção das investidas de Bolsonaro contra a Constituição. Quanto às Forças Armadas (FA), a questão é mais complexa: ouve-se vozes de cautela, de autoridades militares da ativa, que ressaltam a separação entre o governo e as FA; mas é razoável a probabilidade de um caminho crescente de politização dos quartéis.

Uma questão ainda por se definir: Em que grau Bolsonaro terá a hegemonia e o controle das duas Casas do Congresso Nacional? Eleito com a bandeira da não política, como ele lidará com os políticos? De qualquer modo, mesmo a oposição em minoria, o Congresso Nacional será um dos mais importantes espaços da resistência, da oposição que se fará ao governo.

Haverá retomada do crescimento econômico em 2019? Pelos dados do IBGE, em 2015 e 2016, houve uma retração somada de 7% do Produto Interno Bruto (PIB); em 2017 o país patinou numa estagnação, tendo o PIB oscilado 1% positivamente; e para 2018, as estimativas apontam um crescimento magro, em torno de 1,4%. Os prognósticos do Banco Central e do mercado apontam que a economia crescerá acima de 2% em 2019, a depender, é claro – dizem –, das reformas, sobretudo da fiscal, incluindo com destaque a Reforma da Previdência. É uma variável importantíssima ainda em aberto.

Como se organizará, se aglutinará a resistência diante da dispersão e diferenciações que emergem? Que amplitude conseguirá a oposição? E os movimentos sociais, as centrais dos trabalhadores, estas duramente atingidas pela reforma trabalhista, que grau de mobilização terão, mesmo sob forte ameaça de criminalização?

Ainda não se completou um mês de sua vitória e Bolsonaro já começa a sofrer desgastes. A escolha de Ernesto Araújo para o posto de chanceler foi amplamente criticada dentro e fora do país. Seu superministro da economia hostilizou o Mercado Comum do Sul (Mercosul), destratou a Argentina, grande importadora de manufaturas do Brasil, em especial automóveis. Bolsonaro confirmou, o que dissera na campanha, que pretende sim, privatizar setores da Petrobras. Essa confirmação reacende a movimentação e a oposição de setores patrióticos. A indicação de Ricardo Velez Rodrigues na Educação teve forte repulsa de autoridades e personalidades do setor. A bravata, que não durou uma semana, de anunciar a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém para pactuar uma relação privilegiada com o Estado de Israel resultou em grave atrito com os países do mundo árabe, com o potencial de provocar razoável estrago na diplomacia e na balança comercial brasileira.