Brasil, de Jairzinho a Jair

"Se Jairzinho fosse Obama, Bolsonaro seria Trump multiplicado por dez".

Por Manuel Rui*

bolsonaro pai e filho

Já Pelé era o grande menino de fazer estraganços** no mundial de futebol da Suécia…metia golos e não tinha idade para ir ao cinema, mesmo nisso tudo Mané Garrincha era o meu ídolo de tal forma que uma vez, no Rio de janeiro arranjei um livro com a biografia dele e fui buscar autógrafo com o batom dos lábios de Elza Soares, a cantora e grande amor de Mané.

Mais tarde apareceu-me outro ídolo, Jair, tratado por Jairzinho, o cara na ponta, bem encostado à linha, guardava a bola, começava um festival de fintas até à boca da baliza e, fazendo golaço, festejava sambando como um escravo libertado.

Quem diria que outro cara de nome também Jair mas Bolsonaro, de seu nome completo Jair Messias Bolsonaro viria a ser e vir a fazer. Formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras em 1977, fez artilharia e paraquedismo no exército brasileiro. Sua visibilidade aconteceu em 1986, quando publicou na revista Veja um artigo criticando os salários militares e por isso esteve preso quinze dias acabando, mais tarde, absolvido. Em 1988, com o posto de capitão, passou à reserva para concorrer à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Havia de ser eleito vereador pelo Partido Democrata Cristão. Em 1990 candidata-se a deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro e foi o candidato mais votado e reeleito seis vezes. Nos seus 27 anos na Câmara dos Deputados ficou marcado pelas suas posturas populistas, de extrema-direita bem como simpatia pelo ditadura militar e a defesa das práticas de tortura. Em março de 2016 anunciou pré-candidatura à Presidência do Brasil pelo Partido Social Cristão mas em janeiro de 2018 anunciou candidatura pelo Partido Social Liberal, o nono partido de sua carreira desde que chegara a vereador em 1988. Foi eleito Presidente da República, no segundo turno, em 28 de Outubro com 55,13% dos votos…contra o PT de Haddad em substituição do icônico Lula da Silva, o Presidente do povo, da cesta básica e bolsa-família…julgado e mandado para a cadeia pelo juiz que agora vai ser super ministro da Justiça e que em boa verdade, encabeçou a campanha contra a corrupção julgando e condenando gente da pesada…ninguém foi convidado a retornar para si o dinheiro ilícito como aqui. Bolsonaro é um ficha limpa como chamam no Brasil a quem não palmou dinheiro do estado ou não se meteu em redes de corrupção. No entanto é contra os negros, minorias e refugiados, sexista, defensor do armamento civil, da pena de morte e tortura. Levou uma facada durante o início da campanha de rua. Tratado, saiu da clínica directo para casa num condomínio e daí passou a dirigir sua campanha. Católico, apareceu com a mão na mão de um pastor brasileiro, a bíblia e o pastor fez uma oração. Curiosamente a bíblia diz em Juízes 10:3 Se levantou Jair para defender o povo de Israel. E o Messias quer passar a embaixada brasileira para Jerusalém. E, ainda nas sagradas escrituras em 1 Reis 11:25 que Haddad foi adversário do povo de Deus pois detestava o povo de Israel…

Se compararmos o jogo de Jairzinho com o de Jair, verifica-se que Jairzinho não largava a bola, por vezes prejudicando um colega em melhor condições de marcar golo. Jair, pelo contrário, talvez pela ascendência de origem alemã (seu bisavô foi soldado de Hitler) e italiana, sendo esta a origem que marcou a sua estratégia de não pegar a bola, aperfeiçoa o catenaccio, táctica de futebol caracterizada pelo defensismo e pragmatismo, solidez defensiva e golos no contra-ataque.

Hoje, a política atingiu níveis impensáveis a nível da corrupção banalizada. Já não há dirigentes como os da Segunda Guerra Mundial. Milhões de brasileiros acompanham os debates na televisão com desconfiança antecipada. Cada um dos participantes utiliza os métodos da democracia e do estado de direito: a manipulação e por aí são todos iguais. Bolsonaro não vai a debates, fica em casa, deixa a bola para os outros, fica na defensiva e vai mais longe que o catenaccio, obriga os adversários, pela sua ausência, a meterem golos em suas próprias balizas. Usa as redes sociais e o povão acredita mais nas redes, porque são sociais, entre as pessoas que nelas podem participar do que no embuste das manipulações que o professor e activista político norte-americano Noam Chomsky tão bem explica. Afinal, é bom não entrar nas manipulações para as manipular ciente do descontentamento popular.

Os brasileiros vivem no sobressalto de todas as inseguranças, física, económica e de identidade de um país em que a mentalidade herdada dos fazendeiros do tempo da escravatura faz de contas que os negros não existem…sendo que a maioria é negra e o Brasil o segundo país do mundo com população negra a seguir à Nigéria.

Por isso Jairzinho não largava a bola e o cara Messias deixou a bola para os outros. Se Jairzinho fosse Obama, Bolsonaro seria Trump multiplicado por dez.

E agora, pessoal? Baião de dois que é feijão com arroz? Nada. O tal estado democrático pode parir ditaduras mas as ditaduras nunca criaram democracias. No entanto o PT, apesar dos pesares fez uma boa passada e as instituições poderão cercar o Messias e, quem sabe, tirá-lo com um processo de destituição e passar a Judas. Esperança que o povo brasileiro, nosso irmão pela via dos escravos que para lá foram levados pelos portugueses, vai ganhar e aí cantaremos com meu compadre Martinho da Vila: Canta, canta minha gente, deixa a tristeza pra lá/Canta, canta minha gente que a vida vai melhorar…

*Manuel Rui é escritor angolano, autor de poesia, contos, romances e obras para o teatro.

** O Portal Vermelho preservou o portugês lusitano original do autor.

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