Governadora denuncia repressão violenta e censura no Equador

“Se há um responsável pelos protestos ele é o regime de Moreno que deu às costas à cidadania ao anunciar essas medidas para satisfazer um acordo com o Fundo Monetário Internacional. Os únicos responsáveis por esse caos, instabilidade e forte convulsão social são o regime do presidente Moreno e o Fundo Monetário Internacional”, diz Paola Pabón, governadora da província de Pichincha, localizada no norte do país.

Por Marco Weissheimer, no Sul21

Paola Pabón Equador - Foto: Divulgação

O Equador vive uma situação de convulsão social que foi detonada pelo anuncio feito, há onze dias, pelo presidente Lenin Moreno, de um pacote de medidas resultantes de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que incluem, entre outras coisas, um aumento de 120% do preço do diesel e da gasolina. Os protestos, que iniciaram com trabalhadores do setor dos transportes e estudantes ganharam apoio dos povos indígenas que convocaram uma grande mobilização nacional e uma caminhada em direção a Quito. A resposta do governo de Lenín Moreno foi uma dura repressão que já resultou na morte de pelo menos sete pessoas, centenas de feridos e mais de mil pessoas presas.

“Se há um responsável pelos protestos ele é o regime de Moreno que deu às costas à cidadania ao anunciar essas medidas para satisfazer um acordo com o Fundo Monetário Internacional. Os únicos responsáveis por esse caos, instabilidade e forte convulsão social são o regime do presidente Moreno e o Fundo Monetário Internacional”, diz Paola Pabón, governadora da província de Pichincha, localizada no norte do país. Advogada e professora de Políticas Públicas, Paola Pabón participou do governo de Rafael Correa como Secretaria Nacional de Gestão da Política e integra hoje o Movimento Revolución Ciudadana (MRC). Em conversa com o Sul21, por meio do Whatsapp, a governadora relata um clima de repressão brutal patrocinada pelo governo de Lenín Moreno e de bloqueio informativo sobre o que está acontecendo no país. Ela relata:

“Após onze dias de paralisação e protestos, o saldo que temos é de 1070 pessoas presas, das quais se calcula que aproximadamente 55% são menores de 30 anos e 13% são adolescentes. Há 885 feridos. O governo reporta a morte de cinco pessoas, mas as organizações sociais falam que há sete mortos já. A resposta do governo nacional a essa grave convulsão social foi a de decretar estado de exceção, toques de recolher e uma desmesurada violência”.

Sul21: Qual é a situação atual que vive o Equador e como começou a atual onda de protestos? Quais são as causas principais?

Paola Pabón: Estamos vivendo momentos de muita dor, tristeza, angústia e incerteza nesta luta que já deixou vários mortos. Hoje se completam onze dias do anúncio de um pacote de medidas feito pelo presidente da República, Lenín Moreno, entre as quais se destacam um aumento do preço dos combustíveis por meio de um decreto que eliminou os subsídios que existiam para esses produtos. Isso implica o aumento de 120% do preço do diesel e da gasolina. Esse aumento de 120% do preço do diesel implica um encarecimento de todos os produtos que chegam às cidades. O diesel é a energia que permite que os produtores do campo transportem os produtos de primeira necessidade para os mercados. Isso vai provocar o encarecimento da cesta básica, assim como um aumento do preço dos passagens do transporte público e, sobretudo, vai provocar a contração de todo o aparato produtivo do país.

Neste momento, já temos uma economia em recessão. Os últimos dois anos e meio do regime de Moreno fizeram a economia estagnar. É uma economia que está sob permanente risco pois é afetada pela dolarização. Desde o ano 2000, a moeda do Equador é o dólar e o país não tem uma política monetária própria. Isso complica muito mais qualquer manejo econômica que se possa fazer. Durante esses dez dias de protesto distintos setores sociais foram para as ruas evidenciar seu descontentamento com essas medidas.

Quem está participando dos protestos? Pelos relatos que circulam pelos meios de comunicação, as comunidades indígenas são os principais atores sociais desses protestos. É isso mesmo?

Inicialmente, logo após a divulgação das medidas, começaram protestos chamados pelo sindicato dos trabalhadores do setor de transportes, envolvendo motoristas de caminhões de cargas pesadas, motoristas urbanos e inter-provinciais. Eles provocaram uma paralisação que acabou detonando essa grave convulsão. Posteriormente se somaram aos protestos trabalhadores de outros setores, estudantes e cidadãos e cidadãs preocupados com essa situação. Os protestos assumiram outra dimensão com a decisão da CONAIE (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) de convocar um protesto cidadão em todo o país, principalmente na capital.

Há relatos de uma brutal repressão por parte das forças de segurança do governo. Poderia dar um relato sobre essa repressão? Número de pessoas feridas, mortas, presas ou desaparecidas?

Após onze dias de paralisação e protestos, o saldo que temos é de 1070 pessoas presas, das quais se calcula que aproximadamente 55% são menores de 30 anos e 13% são adolescentes. Há 885 feridos. O governo reporta a morte de cinco pessoas, mas as organizações sociais falam que há sete mortos já. A resposta do governo nacional a essa grave convulsão social foi a de decretar estado de exceção, toques de recolher e uma desmesurada violência. A policia nacional e as forças armadas vêm reprimindo com muita violência os manifestantes. Há muita dor, muita mortes. A única forma de poder conhecer o que está ocorrendo nas ruas do Equador é por meio das redes sociais. Nove meios de comunicação foram fechados, mais de 20 dirigentes políticos foram presos. Há um alerta emitido por várias organizações de direitos humanos sobre o que está acontecendo. As Nações Unidas já se pronunciaram chamando a atenção do Estado equatoriano sobre essas violações pedindo para que cessa a violência.

Há alguma negociação em curso entre manifestantes e o governo de Lenín Moreno?

O governo nacional respondeu a esses protestos basicamente com muita repressão e definiu dois porta-vozes, a ministra do Interior e o ministro da Defesa, responsáveis pela instalação desse estado de exceção. Esses dois porta-vozes estão absolutamente deslegitimados. Na última quinta-feira, o presidente Moreno fez um pronunciamento de um minuto em uma cadeia de televisão, solicitando que os diálogos fossem realizados diretamente com ele.

A resposta do movimento indígena, por meio da CONAIE, foi a de que só se sentará em uma mesa de diálogo com a revogação do decreto da alta dos combustíveis, com a retirada do estado de exceção e com o afastamento da ministra do Interior e do ministro da Defesa. O clima é de muita tensão. Nesta situação que vive o país, é fundamental que a Assembleia Nacional assuma o papel que lhe toca e convoque uma sessão extraordinária para se pronunciar. A nossa Constituição prevê várias saídas em caso de convulsão social, entre elas, dissolver o governo e encaminhar a sua sucessão.

Há aproximadamente dez dias, a Assembleia Nacional do Equador está em silêncio e não realiza sessões. O presidente da Assembleia, que tem a capacidade de convocar uma sessão extraordinária, não fez isso. Há um acordo com o governo nacional e com as forças políticas de direita para que a Assembleia permaneça em silêncio. Isso diz muito sobre a má condição da nossa democracia neste momento.

Se há feridos, mortos e desaparecidos, fruto de uma forte repressão policial e militar, a Assembleia Nacional deve convocar uma sessão extraordinária. É evidente que essa situação de convulsão política, social e econômica atingiu a legitimidade desse governo. Em função disso, o Estado deve se auto-convocar e, com a Constituição na mão, tratar de encontrar uma saída constitucional para essa crise.

Lenín Moreno acusa o ex-presidente Rafael Correa e seus apoiadores de estarem por trás dos protestos? Como vê essa questão?

Desde o início dos protestos, o governo de Lenín Moreno tentou minimizar a magnitude dos mesmos. Além disso, tentou responsabilizar o ex-presidente Rafael Correa e seus apoiadores de serem os causadores da instabilidade, com o objetivo de tentar diminuir os protestos nas ruas. O que aconteceu, porém, é que conforme foram passando as horas e os dias os protestos só aumentaram, a presença dos indígenas nas cidades aumentou e instituições públicas foram tomadas ao longo do país. Enquanto isso, o governo de Moreno procura desviar a atenção falando de uma conspiração política.

Se há um responsável pelos protestos ele é o regime de Moreno que deu às costas à cidadania ao anunciar essas medidas para satisfazer um acordo com o Fundo Monetário Internacional. Os únicos responsáveis por esse caos, instabilidade e forte convulsão social são o regime do presidente Moreno e o Fundo Monetário Internacional.